Sobre a vida. Professor fará 80 anos de idade, sendo um pilar no São João Batista
Se tu fores pensar em desafios para 2022, pense como o professor Ivo Pereira de Souza! Em 30 de janeiro ele alcançará seus 80 anos de vida. Uma idade simbólica que, certamente, ainda comemorará dentro do laboratório de Eletrotécnica da Escola Técnica Estadual São João Batista. Longe deste ambiente, das mentes inquietas dos estudantes, este profissional não verá um “desafio”.
Essa palavra é muito usada pelo filho de agricultores nascido no interior de Canguçu, Região da Campanha, distante 350 quilômetros de Montenegro. Nas terras arrendadas pelos pais, onde cada três partes da colheita eram divididas em duas para família e uma para o proprietário, Ivo teve lições sobre trabalho duro. Mas quando foi cumprir serviço militar obrigatório, foi convencido de que havia mais mundo. “Foi a melhor escola que tive. Me abriu os olhos”, afirma.
O jovem viu sua tropa ser dividida, com aqueles de mais escolaridade designados aos serviços internos. Ivo não era analfabeto, mas sua quinta séria apenas lhe colocou nas mãos uma ferramenta rústica para arrancar capim entre as pedras do calçamento. Entendeu que precisava estudar! “Eu queria saber o que tinha do outro lado da parede”. Quando retornou do Exército, falou para o pai que “precisava de respostas”. Este pôde apenas lhe dar incentivo, que Ivo carregou na mala rumo ao desafio urbano.
Mas sua entrada na Escola Técnica de Pelotas foi pela porta de serviço, com um emprego na zeladoria. Até que ao seu lado passou aquele que lhe impulsionaria. O diretor Idemar Bonatto desafiou o jovem a realizar o teste para ingressar no Curso Técnico em Mecânica. Foram dias de trabalho braçal ao nascer do sol e mental ao chegar da lua. “Quando comecei a estudar, tive as respostas de tudo que não sabia”. Foi assim que entrou para a história da Educação, integrando a primeira turma do Ginásio Noturno. E ainda havia outro episódio lendário reservado ao jovem.
Destino, Montenegro!
Depois de formado, Ivo ficou como instrutor dos cursos, enquanto esperava uma chance de ser professor titular. Novamente o diretor Bonatto lhe desafiou, informando que havia uma vaga no Ginásio Industrial em Montenegro (hoje Escola A.J. Renner). Em 12 de junho de 1971, aqui estava Ivo! Sem parentes, amigos ou sequer conhecer as paragens do Caí.
Não demorou em ser desafiado outra vez. O diretor do Industrial Jadi Weker alertou que precisava ter faculdade para ser efetivado, dando largada para outra jornada dupla. Ivo ingressou na Engenharia de Operações da Unisinos, que logo trocou pelo Técnico Industrial em Eletricidade da PUC; que dividia com o intensivo em Artes Industriais na Universidade de Passo Fundo (UPF). Um ciclo enriquecido com uma pós-graduação em Física, pela Unisc de Santa Cruz. Naqueles dias, já era o professor Ivo do Ginásio Industrial.
E foi neste período que o mestre encontrou um novo estímulo. Agora os alunos lhe desafiavam, na mesma proporção em que ele os provocava a pensar. O grande número de jovens vindos do interior o levou a buscar especialização em Eletricidade Rural, na Universidade Federal de Lavras (Ufla) de Minas Gerais; mesma instituição em que aprendeu Formas de Energias Alternativas, provocação que surgiu quando já lesionava na Fundação Escola Técnica Liberado, de Novo Hamburgo.
Um dos “pais” da maior escola técnica estadual no Vale do Caí
Em 1974 o professor Ivo entraria para a história pela segunda vez. “Eu sou um dos fundadores do São João Batista”, revelou. Isso mesmo! Ivo não é apenas o mais idoso, mas o mais antigo professor desta importante instituição técnica na região. “Tem professores aqui que foram meus alunos e hoje são meus colegas. A gente fica faceiro”, comenta sorridente.
Da mesma forma já ensinou para muitos filhos de ex-alunos. E confessa que ficará preocupado no dia em que alguém revelar que ele foi professor do avô. Ivo usa a mesma filosofia popular destinada ao rádio, e classifica o magistério como “uma cachaça”. “Enquanto der, vamos tomando mais um traguinho”. E sua resposta à pergunta “por que continua trabalhando?”, é a satisfação de ensinar coisas novas.
Em 1995 o professor se aposentou pelo Estado e em 2013 pelo Liberato. Até que certo dia a diretora Nica, a Maria Terezinha Kraemer Canello, atual diretora da Biblioteca Municipal Helio Alves de Oliveira, lhe convocou. “Ela disse que um pai é responsável pelo filho”, lembra. O desafio era um contrato emergencial de dois meses, pagos pelo CPM da escola. Em 2021 completaram 18 anos desta situação temporária. “Acho que o Estado esqueceu de mim”, brincou o professor, que não cansará de desafiar os alunos a descobrir: “o que há do outro lado da parede?”.