Incêndio NA CATEDRAL fez o mundo lamentar destruição do templo de estilo gótico, na França
Às margens do rio Sena, que corta Paris, foram inscritas em 1991, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês), como Patrimônio da Humanidade por sua importância histórica. É nesta área central da capital francesa que ficam monumentos como a Torre Eiffel, o Museu do Louvre, pontes e cais. É ali também que, numa ilha no Sena, foi construída a catedral de Notre-Dame, que ardeu em chamas na segunda-feira, dia 15, num acontecimento que fez olhos de todo o mundo se virarem ao prédio, que era um dos pontos turísticos mais visitados da Cidade Luz.
Dedicada a Nossa Senhora, a catedral parisiense começou a ser construída em 1163 no mesmo local onde templos mais antigos já haviam sido erguidos. Sua conclusão só se deu em 1345. De estilo predominantemente gótico, o prédio teve uso inovador de abóbadas em cruzaria e contrafortes, vitrais de rosáceas e ornamentos esculpidos. O local passou por diversas reformulações e reformas. Inclusive, a catedral foi devastada durante a Revolução Francesa, sendo transformada no Templo da Razão e, posteriormente, em um armazém.
Napoleão Bonaparte, coroado imperador em 1804, e o escritor Victor Hugo, que publicou o romance “Notre-Dame de Paris” em 1831, participaram de campanhas que resultaram num extenso programa de restauração do prédio iniciado em 1845. Além de Napoleão, centenas de outros monarcas franceses foram coroados no local. Agora, mais uma vez, está sendo realizada uma campanha para reerguer o que se perdeu com as chamas.
“Nós somos um povo de construtores. Nós temos muito a reconstruir. Então, sim, nós vamos reconstruir a catedral de Notre-Dame, ainda mais bonita do que antes. Eu quero que isso seja feito dentro de cinco anos. Nós podemos fazer isso”, disse o presidente francês, Emmanuel Macron, em pronunciamento após o incêndio. A movimentação para se reconstruir o templo religioso e ponto turístico é grande. Mais de R$ 4 bilhões em doações já foram anunciados para assegurar a reconstrução. Boa parte desse dinheiro é oriundo de ricas famílias francesas.
“Compartilhamos o mesmo sentimento de dor e de perda”, diz bispo Dom Carlos Romulo
“Cada templo representa a expressão de fé e cultura de uma comunidade. Sabemos o quanto sofremos quando acontece algum dano em uma das nossas capelas ou igrejas. Ali está a caminhada de uma comunidade”. É com essas palavras que o bispo diocesano Dom Carlos Romulo Gonçalves e Silva expressa sua solidariedade aos parisienses. “Na catedral de Notre-Dame está a caminhada de praticamente mil anos de história de um povo. Ali estão impressos momentos de dor e alegria do povo francês”, destaca o bispo.
“Como católicos, estamos unidos na mesma fé e compartilhamos o mesmo sentimento de dor e de perda”, reforça o bispo. Dom Carlos Romulo entende que a perda material e cultural causada pelo incêndio na catedral também provoca um sentimento de despertar da fé, reavivando a comunidade eclesial para a sua missão também nos momentos de adversidades. Ele salienta que o templo é um patrimônio de toda a humanidade por sua importância.
Inclusive, Dom Carlos Romulo teve a oportunidade de visitar esse patrimônio por duas vezes, nos anos de 2003 e 2004. Para o bispo, o que mais lhe chamou atenção foi o seu primeiro contato com a catedral. “Chegamos à tardinha e já estava fechada, portanto, ficamos só contemplando por fora”, recorda. “No entardecer de uma grande cidade, com sua agitação, ali estava aquele majestoso templo, testemunha da história”, complementa. No dia seguinte, pela manhã, ele conseguiu adentrar no templo no momento da celebração de uma missa. “Meu pensamento foi de ver aquele grandioso monumento histórico tendo a sua vida através de uma comunidade de fé. Não era um museu, mas sim um templo que abriga a celebração do povo de Deus”, pontua.
O bispo acredita ainda que é através da comunidade que o templo poderá ser reconstruído. Ele entende que, num primeiro momento, as manifestações de doações milionárias darão um impulso inicial, mas que será a doação de milhares de homens e mulheres anônimos que farão com que a catedral volte a ser um centro de culto e de vida para a comunidade cristã e toda a humanidade.
MPPH lamenta e chama atenção para patrimônio montenegrino
O presidente do Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico (MPPH) de Montenegro, Ricardo Agádio Kraemer, diz que recebeu com tristeza a notícia do incêndio na catedral de Notre-Dame. “É um tesouro histórico e artístico da humanidade, de valor incalculável. Até nem acreditei quando recebi a primeira notícia, mas infelizmente ela se confirmou”, lamenta. O professor aproveita para chamar atenção para o patrimônio histórico montenegrino.
“Diante de tamanha comoção, plenamente justificável, fica também o chamado do Movimento para olharmos a grande riqueza histórica e artística que temos ao nosso redor”, diz o presidente do MPPH. Ricardo traça ainda um paralelo entre o que ocorreu com a catedral parisiense e com o que ocorre com prédios que fazem parte da história de Montenegro. “Lá se perde patrimônio por conta de acidente, situação até certo ponto, imprevisível. Mas, em Montenegro, perdemos vários patrimônios históricos por absoluta insensibilidade de quem detém o poder econômico e político de nossa cidade”, avalia. A principal suspeita das autoridades francesas é de que um curto-circuito tenha ocasionado o fogo em Notra-Dame.
Ricardo reforça que há décadas pessoas vêm lutando por uma lei municipal de preservação de patrimônio e que ela seja cumprida. “Infelizmente nosso patrimônio não se perde por acidente, mas pela omissão e pela ação voluntária de pessoas que colocam o interesse pessoal e financeiro acima da consciência coletiva de preservação histórica. Falta visão, coragem e atitude”, critica. Para o presidente do MPPH, as tragédias que ocorrem com o patrimônio histórico em Montenegro são anunciadas e contam com a anuência do Poder Público.
A comoção francesa
A terça-feira, dia 16 de abril, amanheceu cinza na França. Os seguidos dias ensolarados resultado do início da primavera deram lugar a uma manhã nublada e cinzenta. Talvez refletindo o sentimento de cada francês diante da tragédia ocorrida na noite anterior. O incêndio na catedral de Notre-Dame deixou a França e o mundo abalados.
Thiago e eu não moramos tão perto do Centro de Paris, mas o que acompanhamos pela imprensa e pelas mídias sociais deixou clara a comoção que tomou conta daqui, em um misto de choque com incredulidade. As pessoas às margens do Rio Sena, muitas chorando, olhando o trabalho dos bombeiros (que é preciso destacar, foi incansável) e esperando para saber o resultado da fatalidade.
No domingo, um dia antes do incêndio, fomos conhecer alguns pontos turísticos da capital francesa. Chegamos a cogitar a visita à Notre-Dame, mas, pela importância do local, optamos por deixar para outro dia, com mais calma e programação. Mal sabíamos nós, uma infeliz coincidência da vida. Acabamos conhecendo o Bairro Marais, extremamente perto da Catedral.
Na segunda-feira à tarde, comecei a pesquisar a programação de Páscoa da Notre-Dame, cujas missas eu já tinha ouvido falar que eram lindas. No início da noite, chega a notícia do incêndio, primeiro informada por parentes e amigos brasileiros. Como turista, agora moradora daqui, e como católica, senti muito pelo incêndio. Mais ainda por ocorrer justamente na Semana Santa.
Uma Catedral, símbolo da França, que resistiu ao tempo e presenciou tantos acontecimentos relevantes, com uma importância enorme: além de ser um monumento representante da fé católica, conseguia atrair o interesse de pessoas além da religião, reunindo arte, arquitetura e história. Por isso, foi com grande tristeza que acompanhamos o fogo tomando conta.
É importante destacar, entre todo o ocorrido, dois pontos positivos: a inexistência de vítimas e a rápida manifestação das autoridades garantindo a reconstrução da catedral. Torcemos para que ocorra o quanto antes. A destruição de um local de tamanha relevância cultural, religiosa, artística, turística, enfim, ainda que por um acidente, nos mostra a importância da preservação da História. Perde a França, perdemos todos nós.
Relato de Fernanda Silveira Becker, jornalista montenegrina, morando na França com o marido Thiago Nunes Kehl
Na Alemanha, catedral do mesmo estilo passa por constantes reformas
Ao lado de Notre-Dame, um das catedrais em estilo gótico mais conhecidas da Europa é a de Colônia, na Alemanha. O templo começou a ser construído em 1248 e só foi concluído em 1880. O prédio sobreviveu a bombardeios durante a 2ª Guerra Mundial, foi decretado Patrimônio da Humanidade em 1996 pela Unesco e está em constantes reformas. Para Katia Elisa Lippert, 28 anos, natural de Linha Nova, no Vale do Caí, e que se estabeleceu em Colônia há seis anos, as construções na França e a na Alemanha guardam semelhanças, mas também apresentam diferenças.
Se Katia já visitou e até subiu as centenas de degraus até o topo de uma das torres da catedral de Colônia, a visita a Notre-Dame, há cinco anos, acabou sendo só externa em razão da grande fila para entrar no templo francês. “São pontos centrais de ambas as cidades e fazem parte importante da história das duas”, destaca. Ela observa que por serem do mesmo estilo, as catedrais apresentam semelhanças, principalmente quanto às suas duas torres.
Para a gaúcha, a principal diferença entre os templos está na sua cor. “A de Notre-Dame é bem clara e a catedral de Colônia é praticamente preta”, afirma. Segundo ela, isso se dá porque na construção da catedral alemã foram utilizadas pedras de areia, que acabaram absorvendo a poluição. “Bem antigamente ela não era escura. A catedral absorveu muita sujeira, principalmente das locomotivas, porque fica ao lado da estação central, e também das bombas (da 2ª Guerra Mundial)”, conta.
Apesar de contar com um templo de grande significado e que está em constantes reformas, o incêndio em Notre-Dame não gerou grande repercussão em Colônia. “No geral, nas redes sociais, repercutiu muito menos que no Brasil”, aponta Katia. Tanto no rádio quando em jornais impressos, as principais notícias tratavam das doações milionárias de famílias ricas francesas e o tempo que a reconstrução pode levar.
Quem esteve lá, não esquece
Aqueles que tiveram a chance de ver de perto toda imponência da catedral Notre-Dame, com o sinistro, voltaram no tempo e reviveram a sensação de lá estar. As redes sociais ficaram repletas de fotos de turistas à frente do ponto turístico de especial significado aos católicos. Alguns montenegrinos também dividiram as recordações registradas.
A diretora de Turismo Michele Martins Nunes foi uma das montenegrinas que esteve lá e dividiu com amigos fotos do período. Ela recorda que foi à França quando concluiu o mestrado em Artes Visuais. “Após muitos anos estudando a História da Arte através dos livros, tinha um forte desejo de conhecer o velho continente. Assim, em 2011 dei sequência aos meus estudos realizando uma residência artística na França”.
A arte gótica lhe atrai bastante, assim como o Renascimento e o Naturalismo, de modo que, visitar Notre-Dame, foi um dos pontos mais fortes dessa vivência. “O sentimento diante dela foi, para mim, de êxtase puro, uma beleza e magnitude que a gente não consegue explicar. Como aquela obra foi realizada? Quanta história por ali aconteceu? Tantos detalhes em sua composição que os meus olhos precisariam observar durante meses para compreender”, detalha Michele, salientando que se trata de um patrimônio com valor imensurável.
O fotógrafo montenegrino Marcus Berthold esteve pela primeira vez na catedral em 2005 e cita sua beleza e antiguidade. “Eram quase 800 anos de história bem preservada”, destaca. Ele lembra que os detalhes mais preciosos eram os vitrais que, se realmente perdidos em sua totalidade, jamais poderão ser refeitos ou recuperados. “Hoje em dia essa técnica não é mais utilizada, e nem mesmo conhecida. O que torna inviável uma recuperação”, diz Marcus. A perda é, de fato, imensurável. “Para a humanidade. Para a arte. Pra história da cidade e do mundo”, completa. Em 2012 ele retornou a Paris e teve pela segunda vez a chance de estar em Notre-Dame, um lugar que define como bonito, grandioso e histórico, que agora se perde em uma tragédia. “Fico extremamente chateado porque o fogo não perdoa nada e mesmo que se mantenha a estrutura, o que estava lá dentro, como as obras de arte, está perdido”, finaliza.
O arquiteto Ricardo Wunsch e sua esposa, a bancária aposentada Rosane Wunsch, estiveram em Paris em julho de 2015 e visitaram a catedral de Notre-Dame. “Tivemos a impressão de voltar no tempo em que ela foi construída. Tudo muito lindo, arquitetura maravilhosa, cada detalhe muito bem pensado.
A humanidade perde muito com este incêndio”, recorda ela, que torce para ser possível recuperar, pelo menos em parte, o patrimônio. “Tomara que com as tecnologias de hoje consigam recuperá-la para que outras pessoas possam ter, como nós tivemos, a sensação de fazer parte da história, que possam também usufruir e ter o prazer de estar junto desta grandiosa obra”, conclui. (CO)