Arte, patrimônio histórico e diversidade religiosa fazem parte da cidade
Em 1873 a então freguesia de São João do Monte Negro passou a ser reconhecida como “vila”, como eram denominados na época os municípios. 40 anos depois, em 1913, a então vila de São João do Monte Negro foi elevada à cidade, então com a denominação de São João de Montenegro. Já denominado como Montenegro, em 1938 o município foi dividido em 11 distritos: Montenegro, Maratá, Harmonia, Barão, Bom Princípio, Estação São Salvador, São Vendelino, Tupandi, Brochier, Poço das Antas e Pareci Novo.
Foi em um dos distritos da cidade, o de Brochier, que nasceu Rosani Brochier Nicoli, em 1959. Filha de um pedreiro, a família se mudou para o distrito sede em busca de oportunidades de trabalho quando ela tinha dois anos. Morando há 61 anos na cidade, Rosani conta que viu a construção dos primeiros prédios e a cultura ganhar cada vez mais importância com a criação da Fundarte. “Quando eu era adolescente existia o conservatório de música, que funcionava em frente à Prefeitura, no porão, onde antes era o presídio de Montenegro. Depois, com a construção do Centro Cultural, passou para o espaço onde está hoje, como Fundarte”, diz.
O interesse pelas artes surgiu no Colégio São José, onde Rosani estudou desde os oito anos. “Eu sempre gostei de desenho e de pintura. Na escola havia irmãs que pintavam quadros e outras que faziam artesanato, além das professoras de artes. Então o meu primeiro contato com as artes foi com as irmãs”, relata. Depois de concluir o magistério no Colégio São José, o caminho para a faculdade já estava traçado: a graduação em Educação Artística. “Fiz os quatro anos de Educação Artística com habilitação em Artes Visuais; depois fiquei mais dois anos fazendo pós-graduação, na especialização em pintura, escultura e desenho. Depois disto, trabalhei, basicamente com a Arte nas escolas por onde passei”, conta Rosani.
Como professora de Artes, Rosani trabalhou no Colégio São José, além de escolas da rede municipal e estadual. Na Fundarte ministrou oficinas de desenho, pintura, escultura. Após uma longa carreira como educadora no município, um desafio surgiu em 2009, quando foi convidada para assumir a Diretoria de Patrimônio Histórico e Cultural (Dipahc). Apesar de já fazer parte do Movimento de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Montenegro desde 1990, foi trabalhando como diretora da Dipahc que Rosani pode se empenhar mais, principalmente no complexo da Estação da Cultura. “Em 2008 nós conseguimos que fosse criado o Museu de Arte, pois, desde o tempo da Pinacoteca Ênio Pinalli, eu já fazia parte do grupo do Conselho de Amigos, que lutou para esta conquista”. Em 2009, quando recebi o convite para diretora da Dipahc, inauguramos a segunda etapa das obras na Estação da Cultura, onde ficavam os antigos escritórios e telégrafos da rede ferroviária”, relata Rosani.
Nesse empenho em busca por melhorias nos prédios históricos do município, Rosani destaca a participação da Entidade de Filantropia Cultura e Arte (Efica), que atua como produtora cultural de forma voluntária na cidade. “Na Dipahc eu tinha bastante contato com a Efica, porque estavam acompanhando a obra na Estação e nós sempre tínhamos uma interação bastante positiva. Em 2012 recebi o convite para integrar a equipe da entidade”, diz Rosani.
Desde então na Efica, a professora segue desempenhando um papel importante, junto com as demais Eficanas, na área filantrópica e de revitalização dos espaços de cultura e lazer para a comunidade. Hoje como presidente da entidade, Rosani afirma que o envolvimento histórico e cultural sempre ajudou na sua formação e na conscientização sobre o valor do lugar onde vive. “Uma comunidade que não preserva a sua história, sua cultura, não tem e nem constrói sua identidade”. Tivemos grandes avanços nas últimas décadas, mas ainda temos muito caminho a percorrer e ações a serem feitas pela comunidade”, aponta.
Um filho da Estação Ferroviária
O ano era 1942, no segundo andar da Estação Ferroviária de Montenegro nascia Álvaro Cruz Ferreira, hoje com 79 anos. Filho do ferroviário Luiz Silva Ferreira, a ligação com o município se deu desde os primeiros dias de vida. De 1942 até 1946, Álvaro viveu com a família na Estação. A lembrança que não se apagou da memória são as badaladas do sino, tocado pelo seu pai anunciando cada trem que partia da cidade. “Diariamente escutava o badalar do sino. Era a rotina feita pelo meu pai que guardo na lembrança, aquela velha badalada do sino”, conta.
Em razão da transferência do pai para Porto Alegre em 1946, Álvaro teve que se mudar de Montenegro, mas as lembranças da infância nunca foram esquecidas. Após a aposentadoria do pai, em 1965, família levou junto na bagagem uma recordação da cidade: o sino de ferro que pertencia à Estação. Álvaro seguiu carreira na Brigada Militar, na qual chegou ao posto de coronel.
O retorno para Montenegro aconteceu em 1995, quando ingressou na vice-presidência da Liga da Defesa Nacional do Rio Grande do Sul e escolheu o município para ser o primeiro a receber a chama da pátria no Estado. “Elegi essa terra porque lá nasci. Então começamos a fazer uma escalada de levar o fogo da chama da pátria até Montenegro em primeiro lugar, muito prestigiando a terra onde nasci. Fiz esse planejamento dando esse olhar especial à minha terra”, afirma Álvaro.
Desde 1996, quando passou a retornar para Montenegro para trazer a chama da pátria, o coronel conta que pode observar as mudanças na cidade. “Fui observando que ela foi se moldando à modernidade, mas sem perder a sua essência de terra hospitaleira e da gauchada dedicada ao município. Transformações essas necessárias para o progresso, mas não deixando nunca de exemplificar que os filhos dessa terra são hospedeiros, educados, e representantes desse município para todo o Rio Grande do Sul através da sua plantação da bergamota, com visibilidade pelo Brasil”, aponta Álvaro.
O sino da antiga Estação Ferroviária foi cuidado pelo pai de Álvaro, que passou a missão para o filho. A peça ficou com a família até 2021, quando o coronel da reserva entendeu que o objeto deveria voltar para o seu lugar de origem. “Eu entendi que o sino deveria voltar para sua terra. Desde que ficou com a minha família, ele foi zelado e cuidado no nosso sítio em Guaíba. A decisão de retornar o sino à Estação foi um dever cumprido. Esse sino permanece à cidade para que todos possam continuar olhando e zelando por ele”, aponta.
No aniversário de 149 anos de Montenegro, o morador ilustre que nasceu na Estação fez questão de deixar uma mensagem para os montenegrinos. “Guardem sempre em suas memórias afetivas essa terra que lhes acolheu com tanta maestria, e repassem aos seus sucessores que mantenham sempre o amor à sua terra”, conclui Álvaro.
Diversidade religiosa faz parte da cidade desde a sua colonização
Como grande parte dos imigrantes que vieram para o Vale do Caí, também foi pelo rio que os negros chegaram até a região. De acordo com o historiador Pe. Rubens Neis, em 1750, quando o tenente português Joaquim Anacleto de Azevedo começou a desbravar a região, encontrou negros e índios convivendo juntos. O Rio Caí propiciou na época uma rota de fuga para os escravos, que se instalavam às margens do Rio. Junto, os negros trouxeram a sua cultura e religiões, que hoje fazem parte do município.
Atualmente Montenegro tem diversos terreiros de religião afro-umbandista, entre os mais antigos deles ainda em funcionamento está o templo coordenado pela religiosa Narzi Pereira, 78, a Mãe Nazinha da Sereia, que segue os preceitos de Umbanda de não aplicar a prática de sacrifício de animais em nenhuma linha de trabalho. Dona Narzi nasceu e foi criada na rua Tristão Fagundes, filha de uma família católica ela conta que estudou no Colégio São José e aprendeu todos os mandamentos da igreja. “Desde criança fui católica, estudei no Colégio São José e sabia todos os fundamentos. Eu nunca tinha conhecido ou ido a um terreiro, até que fiquei doente, com um problema no coração, quando tinha 29 anos”, relata.
Após ter passado por várias internações no hospital, os médicos disseram que dona Narzi tinha apenas sete dias de vida. Foi então que uma entidade da Umbanda, a Mãe Sereia 7 Ondas, apareceu na vida da religiosa. “Em uma tarde eu chego em casa do hospital e fui passar um café, lembro perfeitamente que eu peguei a chaleira, mas senti uma mão me empurrar e não vi mais nada. Meu marido então perguntou quem estava ali, a entidade disse que era a Sereia 7 Ondas. Na outra tarde, no mesmo horário, ela veio e deixou um recado: que se eu não estivesse dentro de um terreiro em sete dias ela iria me levar”, conta a religiosa.
Foi então que dona Narzi teve a experiência de ir a um terreiro de Umbanda pela primeira vez. Levada pela sogra, ela participou de uma consulta espiritual na qual novamente voltou a incorporar a entidade e, a partir de então, iniciou as preparações da etapa de aprontamento. “O aprontamento são provas realizadas pra saber se a pessoa realmente está recebendo as entidades. Eu tive o meu aprontamento espiritual nesse mesmo ano, em 1973, pelo cacique Arranca Toco das Matas (da falecida Mãe Eloi), que é outra entidade da Umbanda”, diz dona Narzi.
Desde então a religiosa segue na Umbanda, na qual é conhecida como Mãe Nazinha da Sereia. Em 1998 dona Narzi fundou o Templo de Umbanda Sereia 7 Ondas, que funciona até os dias atuais no município. Dona Narzi é a prova da integração e da diversidade religiosa presentes no município. No altar do templo dirigido por ela, além das diversas entidades da Umbanda, também estão presentes Jesus Cristo e outros santos da igreja Católica. Segundo ela, a Umbanda é uma religião que aceita a todos, independente da crença. “Nós estamos aqui fazendo o nosso ritual, fortalecendo o nosso espírito e a nossa alma, como o padre está rezando lá na igreja. Então todas essas religiões que estão presentes na nossa cidade são reflexos da nossa comunidade, que tem negros, índios, alemães e portugueses.
Todos foram importantes pra que Montenegro chegasse aos seus 149 anos. Ainda temos muito o que evoluir na questão da aceitação religiosa, mas acho que estamos no caminho certo”, conclui dona Narzi.