A data representa um marco na luta pelos direitos dos trabalhadores. Este ano, os efeitos da Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, são o principal tema para reflexão
Com um bloco de anotações e o livro “História das lutas dos trabalhadores no Brasil” em mãos, o coordenador de Formação, Cultura e Lazer do Sindicato da Alimentação, Adilson Cabral Flores, fala sobre a importância e a simbologia do 1º de maio na conquista dos direitos trabalhistas. Entre perguntas e repostas, curtos espaços de silêncio e alguns goles de café, já que, quando se trata desse assunto, o também operador de produção não desperdiça tempo.
Neste ano, o Dia do Trabalhador possui uma característica particular, sendo o primeiro após a aprovação da polêmica reforma trabalhista (Lei 13.467/17), proposta pelo atual presidente Michel Temer (PMDB). Embora alguns setores do Congresso Nacional tenham se empenhado na tentativa de anular alguns pontos do projeto através da Medida Provisória (MP) nº 808/2017, Cabral comenta que isso não muda questões centrais e mais importantes na nova lei.
“O enfraquecimento das centrais sindicais, que são entidades de representação geral dos trabalhadores, é uma forma de desarticular a classe e, consequentemente, fazê-la perder força diante de importantes conquistas. A negociação individual, o fracionamento de férias e a terceirização de mão de obra também são cruciais para compreender o que tudo isso representa”, diz o sindicalista.
Folheando o livro de Vitor Giannotti, um dos nomes mais importantes da comunicação sindical, popular e comunitária no Brasil, Adilson lembra de destacar as diferentes estruturas sindicais. Ele defende um modelo de organização mais horizontal, onde a entidade tenha autonomia e união de forças de diferentes categorias. “A figura do patrão é um só e, embora os trabalhadores atuem em setores diversos, a situação é a mesma em todos os segmentos”, acrescenta Cabral.
Mais que um feriado, a data do 1º de maio representa um marco na história da luta dos trabalhadores por direitos e garantias fundamentais. Atuando no sindicato desde 1997, Adilson acredita que esse é o momento de repensar e reviver todo o contexto histórico que envolve o Dia do Trabalhador.
“Tudo que conseguimos até hoje foi resultado de muito enfrentamento e agora precisamos retomar as antigas formas de organização, como era antes do período de Getúlio Vargas [1930 e 1945], com o sindicalismo voluntário e consciente”, destaca. “A luta da classe trabalhadora deve ter origem no local de trabalho, na base e só assim terá sentido”, prega o sindicalista.
As origens históricas do Dia do Trabalhador
Há 132 anos, o mundo testemunhava uma das mais importantes manifestações dos trabalhadores da história, ocorrida no ano de 1886, na cidade de Chicago, nos Estados Unidos da América, um dos principais países industrializados, junto com Inglaterra, França e Alemanha. No centro das reivindicações, estava a redução da jornada de trabalho de 13 para 8 horas por dia, em uma realidade onde a expectativa de vida era de 30 anos. No dia 1º de maio daquele ano, foi iniciado um período de greve pelos milhões de operários contra as duras condições de serviço.
Os intensos protestos resultaram no assassinato de homens, mulheres e policias. Além disso, oito líderes do movimento foram presos e condenados à morte, quatro deles foram enforcados, um cometeu suicídio es três foram perdoados. O conflito ficou conhecido como a Revolta de Haymarket.
Três anos depois, no dia 20 de junho de 1889, foi convocada em Paris, na França, uma manifestação anual para reivindicação da redução das horas de trabalho, programada sempre para o dia 1º de maio, como homenagem às lutas sindicais em Chicago. Porém, foi apenas em 23 de abril de 1919 que o Senado francês aprovou as 8 horas de trabalho e proclamou essa data como feriado. Após alguns anos, outros países também seguiram o exemplo.
No Brasil, o Dia do Trabalhador só foi reconhecido a partir de 1925, através de um decreto assinado pelo então presidente Artur Bernardes.
Maiores conquistas vieram no governo Vargas
Desde o reconhecimento do Dia do Trabalhador no Brasil até hoje, já se foi quase um século de história. Nesse período, algumas conquistas foram fundamentais na garantia de direitos mínimos para os trabalhadores brasileiros, como a criação da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT),
Instituída através do Decreto-Lei nº 5.452, em 1º de Maio de 1943, pelo então presidente Getúlio Vargas, a CLT foi importante para a regulamentação de horários, condições de trabalho e benefícios como Fundo de Garantia, vale-transporte, décimo terceiro salário, entre outros.
Para o coordenador de Formação, Cultura e Lazer do Sindicato da Alimentação, Adilson Cabral Flores, a atuação mais horizontal e a expansão dos sindicatos para as centrais foram primordiais na luta por essas vitórias. “Foi assim que conseguimos disputar os espaços políticos e eleger importantes nomes para defender os nossos direitos”, destaca Cabral, que não concorda com a grande quantidade de sindicatos espalhados pelo país, onde não há atuação voluntária.
Em um contexto repleto de incertezas políticas e crise econômica, o sindicalista ressalta a necessidade de os empregados se unirem e compreender o que está acontecendo no Brasil. “Se o trabalhador não se levantar, sair para as ruas e gritar pelos seus direitos, iremos entrar em um retrocesso histórico, já que se perdeu o que era garantido por lei”, lamenta Cabral, referindo-se à reforma trabalhista.
Empresários e sindicalistas têm visões distintas
Quase um ano após a aprovação da Reforma Trabalhista, alguns questionamentos permanecem. Entre eles, se esse foi o melhor caminho para a retomada da economia do país. De acordo com o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Montenegro e Pareci Novo (ACI), Karl-Heinz Kindel, a nova legislação contribuiu positivamente para que o empresariado tenha mais segurança na hora de contratar, o que consequentemente vem impulsionando a economia do Brasil.
No que se refere à livre negociação entre empregado e empregador, Kindel destaca a importância de as leis acompanharem as mudanças nas relações capital-trabalho. Ele esclarece que muitas práticas adotadas no dia a dia, que não encontravam respaldo na legislação anterior, agora passaram a ser legais.
“Obviamente que a livre negociação entre as partes é uma evolução importante, já que permite o encontro de necessidades e vontades de forma mais particular, específica, para cada ambiente de trabalho. Assim, há uma aproximação na relação patrão-empregado, reforçando vínculos e comprometimentos para o favorecimento e o progresso de todos”, salienta o presidente da ACI, que ainda defende a necessidade de outras reformas, como a tributária, política e penal.
Na opinião do presidente do Sindicomerciários Montenegro, Valdenir Oliveira, a Reforma Trabalhista foi aprovada com um falso argumento, quando na verdade ela beneficia apenas os grandes grupos econômicos com a precarização da mão de obra. “Com direitos reduzidos e trabalho mais precário, é menos dinheiro no mercado. A melhor saída para a crise econômica seria a distribuição de renda, o aumento do salário mínimo e mais incentivos para as micro e pequenas empresas”, diz Oliveira.
Efeitos da Reforma Trabalhista
Em 2014 o Brasil ingressou em uma grave crise econômica e política, resultando num dos períodos mais conturbados da história. A então presidente Dilma Rousseff (PT), alvo de constantes protestos já no seu segundo mandato, foi definitivamente afastada em agosto de 2016, com a conclusão de um processo de impeachment, assumindo o seu vice, Michel Temer (PMDB).
Sob a justificativa de combater o alto índice de desemprego e adaptar as contas para a realidade financeira do país, foi apresentado o projeto de mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) instrumentalizado pela lei Nº 13.467 de 2017. Aprovado pela Câmara dos deputados em 26 de abril e sancionado em 13 de julho, o texto passou a valer a partir do dia 11 de novembro do mesmo ano.
Em meio a muita polêmica, a Reforma Trabalhista dividiu opiniões. Foi elogiada por empresários e criticada por trabalhadores. Na visão do conferente de exportação e estudante de Matemática Marcos Felipe Machado Flores, 27, os trabalhadores irão sentir o impacto da nova lei de maneira gradativa, o que, segundo ele, a torna ainda mais nociva.
“Vamos viver os efeitos dessa reforma no dia a dia, em mudanças como o seguro-desemprego, a aposentadoria, nas pausas em horários de almoço reduzidas”, lamenta Machado. “Há quem diga que essa reforma é boa. Na certa, quem diz isso não é o chão de fábrica, que vivencia e recebe diretamente as consequências dessa nova legislação.
Alguns pontos na nova legislação foram mais contestados que outros, como o que permite o trabalho para mulheres grávidas e lactantes em locais considerados insalubres. Para a auxiliar administrativa Natália Rosa Stiehl, 30 anos, tudo depende do nível de insalubridade. No último mês de gestação, ela conta que a segurança do trabalho quis tirá-la do departamento onde atua por essas questões. “Eu decidi ficar porque nunca me senti mal nesse ambiente, mas quando se trata de locais muito nocivos à saúde, é inadmissível expor uma mulher grávida ou lactante a esses riscos”, defende Natália.
Os pontos mais polêmicos
Terceirização: haverá uma quarentena de 18 meses que impede que a empresa demita o trabalhador efetivo para recontratá-lo como terceirizado. O texto prevê ainda que o terceirizado deverá ter as mesmas condições de trabalho dos efetivos, como atendimento em ambulatório, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos.
Gravidez: é permitido o trabalho de mulheres grávidas em ambientes considerados insalubres, desde que a empresa apresente atestado médico que garanta que não há risco ao bebê nem à mãe. Mulheres demitidas têm até 30 dias para informar a empresa sobre a gravidez.
Banco de horas: o banco de horas pode ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação se realize no mesmo mês.
Rescisão contratual: a homologação da rescisão do contrato de trabalho pode ser feita na empresa, na presença dos advogados do empregador e do funcionário – que pode ter assistência do sindicato.
Ações na Justiça: o trabalhador será obrigado a comparecer às audiências na Justiça do Trabalho e, caso perca a ação, arcar com as custas do processo, além de outros pontos alterados.
Multa: a multa para empregador que mantém empregado não registrado é de R$ 3 mil por trabalhador, que cai para R$ 800,00 para microempresas ou empresas de pequeno porte.
O que mudou com a reforma trabalhista
A Medida Provisória 808/17, que modificou diversos pontos da Reforma Trabalhista, perdeu a validade na semana passada, 23 de abril. Com isso, a reforma aprovada pelo Congresso em 2017 volta a valer integralmente. Conheça o que mudou.
Férias: as férias poderão ser fracionadas em até três períodos, mediante negociação, contanto que um dos períodos seja de pelo menos 15 dias corridos.
Jornada: a jornada diária poderá ser de 12 horas com 36 horas de descanso, respeitando o limite de 44 horas semanais (ou 48 horas, com as horas extras) e 220 horas mensais.
Tempo na empresa: não são consideradas dentro da jornada de trabalho as atividades no âmbito da empresa como descanso, estudo, alimentação, interação entre colegas, higiene pessoal e troca de uniforme.
Descanso: o intervalo dentro da jornada de trabalho poderá ser negociado, desde que tenha pelo menos 30 minutos. Além disso, se o empregador não conceder intervalo mínimo para almoço ou concedê-lo parcialmente, a indenização será de 50% do valor da hora normal de trabalho apenas sobre o tempo não concedido em vez de todo o tempo de intervalo devido.
Remuneração: o pagamento do piso ou salário mínimo não será obrigatório na remuneração por produção. Além disso, trabalhadores e empresas poderão negociar todas as formas de remuneração, que não precisam fazer parte do salário.
Plano de cargos e salários: o plano de carreira poderá ser negociado entre patrões e trabalhadores sem necessidade de homologação nem registro em contrato, podendo ser mudado constantemente.
Transporte: o tempo dispendido até o local de trabalho e o retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho.
Trabalho intermitente (por período): como não haverá mais restrições, a empresa poderá demitir os funcionários e, em seguida, recontratá-los como intermitentes.
Trabalho remoto (home office): tudo o que o trabalhador usar em casa será formalizado com o patrão via contrato, como equipamentos e gastos com energia e internet, e o controle do trabalho será feito por tarefa.
Trabalho parcial: a duração pode ser de até 30 horas semanais, sem possibilidade de horas extras semanais, ou de 26 horas semanais ou menos, com até 6 horas extras, pagas com acréscimo de 50%. Um terço do período de férias pode ser pago em dinheiro.
Negociação: convenções e acordos coletivos poderão prevalecer sobre a legislação. Assim, os sindicatos e as empresas podem negociar condições de trabalho diferentes das previstas em lei, mas não necessariamente num patamar melhor para os trabalhadores, entre outros pontos alterados.
Prazo de validade das normas coletivas: o que for negociado não precisará ser incorporado ao contrato de trabalho. Os sindicatos e as empresas poderão dispor livremente sobre os prazos de validade dos acordos e convenções coletivas, bem como sobre a manutenção ou não dos direitos ali previstos quando expirados os períodos de vigência. E, em caso de expiração da validade, novas negociações terão de ser feitas.
Representação: os trabalhadores poderão escolher 3 funcionários que os representarão em empresas com no mínimo 200 funcionários na negociação com os patrões. Os representantes não precisam ser sindicalizados. Os sindicatos continuarão atuando apenas nos acordos e nas convenções coletivas.
Demissão: o contrato de trabalho poderá ser extinto de comum acordo, com pagamento de metade do aviso prévio e metade da multa de 40% sobre o saldo do FGTS. O empregado poderá ainda movimentar até 80% do valor depositado pela empresa na conta do FGTS, mas não terá direito ao seguro-desemprego.
Danos morais: a proposta impõe limitações ao valor a ser pleiteado pelo trabalhador, estabelecendo um teto para alguns pedidos de indenização. Ofensas graves cometidas por empregadores devem ser de, no máximo, 50 vezes o último salário contratual do ofendido.