Em um país cosmopolita como o Brasil, diferentes culturas e folclores se misturam, em uma confraternização que proporciona conhecer mais sobre outras nações. É imperativo salientar, no entanto, que são peculiaridades que não tornam as pessoas diferentes; mas sim autênticas. Na mais importante data do Cristianismo, são as semelhanças que evidenciam a irmandade.
A venezuelana Mariyú Xilenía Díaz Blanco Benedito, 40 anos, lembra com saudade e orgulho da festa de “Navidad” em família. Ela chegou sozinha ao Brasil em 2019, recebendo mais tarde a companhia da mãe, dois irmãos e uma irmã. Em 2021 casou com o gaúcho Walmir Amaral Benedito. O reencontro em Montenegro fortaleceu a preservação da comemoração de Natal típica dos Andes.
Ela explica que em seu país, o dia 24 de dezembro é muito valioso, pois marca a reunião na casa da matriarca – ou da mulher mais idosa ainda viva. “Geralmente é na casa de ‘mamã’ ou da vovó”, completa. E a referência é sempre como sendo a casa da mulher, por respeito, tradição, mas também como reverência à Virgem Maria. É um dia de música, conversa, preparo dos alimentos em grupo.
Alguns saem com o “Parrandon Navidenõ”, que se assemelha ao Terno de Reis. O grupo caminha pela vizinhança cantando músicas natalinas, e a cada nova casa visita mais pessoas se unem ao “Parrandon”. “Vamos sacando a toda gente”, ilustra.
Algumas vezes combinam de finalizar o cortejo no lar de um parente ou amigo próximo, onde então compartilham a Ceia. Nesta comunhão também é feita uma troca de presentes entre amigos, um tipo de “amigo secreto”, com a diferença de que na hora a pessoa sorteia para quem entregará um “regalo”. Nossa entrevistada explica que este presente é algo simbólico, simples e genérico, como um chocolate, servindo como símbolo da amizade e do carinho entre eles.
As canções natalinas na Venezuela misturam violão com tambor africano, no embalo Latino do Merengue e da Llanera; exaltando artistas e conjuntos como Tambor Urbano; Tuqusitos; Um Solo Pueblo, e outros. Mariyú cantarolou algumas das canções natalinas, e destacou uma que diz, “se Deus fosse Andino, o Menino Jesus seria venezuelano”.
“El Niño Jesús” é quem traz os presentes
O Cristo recém nascido é a presença mais forte no “Navidad”. Ela explica que Papai Noel é pouco citado, visto como influência norte-americana. As crianças venezuelanas são convencidas a dormir no dia 24 para que o “Niño Jesús” visite a casa. Lá também alguns lutam para ficar acordados e ver o Santo.
Da mesma forma, na manhã de Natal, são despertas para ver o que o Menino Salvador deixou embaixo do pinheirinho. Mariyú salienta que Cristo é citado sempre como “menino”, criando assim uma identificação entre as crianças. E repassar essas tradições e a fé no Cristo Vivo é muito valioso ao povo venezuelano.
Nascimento decora a frente das casas
Os venezuelanos também decoram o pinheirinho, mas Mariyú salienta que qualquer árvore pode se transformada neste símbolo, com bolas e luzes. O presépio – chamado de “Nascimento” – também é muito típico. Uma pessoa solteira ou um casal começa com poucas imagens, e a cada ano agrega um novo elemento. Com o passar dos anos, o Nascimento cresceu tanto que vai para fora da casa, onde compartilha os bons sentimentos com os vizinhos.
Essa tradição do presépio no jardim lembra a relação do brasileiro com a decoração da casa usando luzes. E no Nascimento, o Menino Jesus fica coberto por um pano azul, revelado apenas na noite de “Navidad”. “Pedimos Paz, amor, união e benção para as famílias”, comenta Mariyú. Inclusive, na Noite de Luz, é uma tradição cordial perdoar todas as desavenças entre amigos e família que foram acumuladas ao longo do ano.
“Navidad” é compartilhar em família
Na Ceia de Natal – “Cena Navideña” – o prato principal é o “Hallacas Venezolana”. “Não pode faltar Hallacas”, define. Ele é um tipo de pastel feito com farinha de milho branco, recheado com carne a gosto, toicinho, temperos, uva passa, pimentão, azeitona e alcaparras. É enrolado em folhas de Plátano (ou bananeira), amarrado e cozido, não frito. Uma receita típica, envolta em lendas, que é sempre preparada em família.
Na mesa, ainda tem salada de batatas, mas sem maionese e com galinha desfiada que precisa ser caipira. “Tem que ser uma galinha da casa”, ressalta. E na manhã de “Navidad” o café acompanha a Arepa, uma panqueca que é recheada de carne.
Hoje a família de Mariyú cultiva aqui o espírito de compartilhar do “Navidad”, gratos pelo amor com que o povo gaúcho recebeu todos os venezualenos. Ainda assim, o pedido de Natal é “volver” a sua terra. “E mais que presentes materiais, queremos Paz para nosso país. Para que um dia possamos voltar para perto de nossa família”, deseja a primeira venezuelana acolhida em Montenegro.