Operação Ibiaçá. São três novas ações contra o ex-prefeito Aldana, assessores e prestadores de serviços públicos
Deflagrada em junho do ano passado pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), a Operação Ibiaçá tem novos desdobramentos. Na manhã desta segunda-feira, o promotor Heitor Stolf Junior anunciou o ajuizamento de mais três ações decorrentes da investigação. Os acusados são 15, incluindo, novamente, o ex-prefeito Luiz Américo Alves Aldana.
Por vários meses, nos anos de 2016 e 2017, após autorização judicial, integrantes do governo Aldana tiveram seus telefones grampeados. A partir das escutas, o MP apurou que havia uma “organização criminosa” atuando na Prefeitura. Agentes públicos e assessores do então prefeito teriam fraudado licitações e lesado os cofres públicos em favor de empresas que prestavam serviços ao Município.
Em agosto, o MP já havia ajuizado uma ação contra Aldana e mais nove pessoas por irregularidades no transporte escolar ocorridas em 2015 e 2016, que está na fase de defesa prévia dos acusados. Desta vez, os processos referem-se a outras irregularidade no transporte de estudantes, mas em 2017, e à dispensa ilegal e direcionamento de licitações em obras como reformas em escolas e de infraestrutura urbana.
Um empresário do ramo da construção civil e um servidor da Prefeitura (atualmente desligado do serviço público municipal) também foram denunciados por corrupção ativa. Segundo a investigação, Ricardo Schütz, proprietário da empreiteira Kamu, repassava ao então servidor Ricardo de Albuquerque Mello quantias equivalentes a 5% dos valores de dispensas de licitações, contratos, aditivos e empenhos (de ressarcimento por obras efetivadas sem prévia celebração de contratos) firmados e expedidos pelo Poder Executivo de Montenegro em prol da construtora.
Entre os acusados nesta nova leva de ações, oito aparecem em dois processos. É o caso do ex-prefeito Aldana, do empreiteiro José Valmir Silveira D’Ávila e de sua funcionária Camila Dutra Bueno; da ex-procuradora geral do Município, Juliana Steigleder Becker; do ex-secretário de Gestão, Evandro Machado da Silveira; dos empresários Leandro Pinto e Valdoir da Silva, ambos do segmento de transporte escolar, e do engenheiro Ricardo de Albuquerque Mello. Os outros denunciados são o empreiteiro Ricardo Schütz; o ex-chefe de gabinete do prefeito, Valter Robalo; o ex-gerente de projetos, Gilson Hartmann; Jair Kovalski Fortes, Edenilson Alves, Cíntia Martins de Oliveira e Ana Júlia Rodrigues.
As três ações ingressaram na Comarca de Montenegro sob os números 018/217.0007854-0, 018/217.0008052-9 e 018/217.0008047-2. Além da punição dos acusados, o MP também entrou com pedido de medidas cautelares. Entre elas, o bloqueio de R$ 13 milhões em bens dos denunciados e das empresas envolvidas. O objetivo, segundo o promotor, é garantir eventuais ressarcimentos aos cofres públicos e assegurar o pagamento das multas decorrentes de futuras condenações.
Trabalho ainda não terminou, diz promotor
De acordo com o promotor Heitor Stolf Junior, que atua nos processos derivados da Operação Ibiaçá, o trabalho do Ministério Público ainda não está totalmente concluído. Além das três novas ações, que buscam responsabilizar 15 pessoas por crimes como peculato (desvio de dinheiro público), fraudes em licitações e formação de quadrilha, outras ainda podem ser ajuizadas.
Stolf diz que o MP está aguardando análises do Tribunal de Contas do Estado para decidir sobre um possível indiciamento também por lavagem de dinheiro. “Além disso, estamos investigando a possibilidade de uma das empresas já acusadas ter usado de expedientes ilícitos numa concorrência feita pela Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento)”, revela.
Para o promotor, não existem dúvidas de que, no governo Aldana, uma organização criminosa agia na Prefeitura para fraudar licitações e sangrar os cofres públicos. Pessoas ligadas ao prefeito teriam, inclusive, recebido das empreiteiras editais prontos com exigências que limitavam a competição. Só no que diz respeito ao transporte escolar, em outra ação, o MP pede dos acusados (são nove, incluindo Aldana), o pagamento de quase R$ 2 milhões.
Um dos processos ajuizados agora foca principalmente o empreiteiro Ricardo Schütz, dono da empreiteira Kamu, e o engenheiro Ricardo de Albuquerque Mello. Juntos, os dois teriam direcionado várias concorrências para que a empresa saísse vitoriosa. Em troca do apoio do então servidor da secretaria de Obras Públicas, o empresário teria repassado a ele 5% dos valores dos contratos que executou.
O QUE DIZEM OS DENUNCIADOS
Luiz Américo Aldana – “Até o momento, não recebi do Judiciário o documento de citação, se esse for o caso. Pelo que, no momento, não tenho como me manifestar.”
Gilson Hartmann – “Não fui notificado e não sei do que estou sendo acusado exatamente. Não cometi qualquer crime.”
Juliana Steigleder Becker – “Não fui notificada e, por isso, não posso me manifestar no momento.”
Evandro Machado da Silveira – “Vou me manifestar se a denúncia for aceita e quando souber exatamente do que me acusam.”
Valter Robalo – “Não vou me manifestar agora. Eu era só o chefe de gabinete. O prefeito que se manifeste.”
Camila Dutra Bueno – não retornou os recados que foram deixados.
Valdoir da Silva – não pretende se manifestar no momento.
Ana Júlia Rodrigues – não pretende se manifestar no momento.
Ricardo Schütz – No primeiro contato, disse que se manifestaria após as 15h. Depois, não atendeu mais o telefone.
A reportagem não conseguiu localizar Cíntia Martins de Oliveira, Edenilson Alves, Jair Kovalski Fortes, José Valmir Silveira D’Ávila, Leandro Pinto e Ricardo de Albuquerque Mello.
SAIBA MAIS
– O “esquema” que permitia às empreiteiras Schütz e JLV vencer a maioria das licitações da Prefeitura tinha, segundo as gravações da Operação Ibiaçá, o engenheiro Ricardo de Albuquerque Mello, da secretaria municipal de Obras Públicas, como principal operador.
– Toda vez que a Administração se preparava para realizar uma obra ou contratar um serviço, estas empresas eram comunicadas previamente. Ao invés de o poder público elaborar os orçamentos que dariam base ao edital, eram profissionais ligados a elas que o faziam, já com os valores que pretendiam cobrar.
– Publicado o edital, o grupo se assegurava da vitória da empreiteira para quem a obra havia sido direcionada. Para isso, quando necessário, criava obstáculos a outros interessados, que eram até mesmo inabilitados.
– Depois, divulgado o resultado da licitação, o próprio Ricardo era encarregado de fiscalizar a execução de quase 100% dos contratos da Schütz e da JLV. Inclusive, segundo uma testemunha, fazia vistorias a bordo de veículos destas empresas, na carona dos proprietários. Há gravações sugerindo que, nestes procedimentos, o engenheiro fazia vistas grossas a irregularidades como o uso de insumos diferentes dos previstos no edital, inclusive de qualidade inferior.
– O grupo também é acusado de forjar a participação de outras empresas para ganhar concorrências menores, feitas mediante dispensa de licitação. Nestes casos, para fazer a contratação, o agente público deve obter três orçamentos com o mesmo objeto. Ganha o menor. Há ligações em que tanto Schütz quanto Valmir pedem “emprestado” o CNPJ e a assinatura a empresários amigos.
– Na verdade, eram eles que forjavam os orçamentos, com valores sempre maiores que os de suas empresas. Inclusive, há uma conversa em que um servidor reclama que não se pode apresentar sempre os mesmos concorrentes e que devem buscar empresas “de longe”.
– Uma testemunha também declarou que alguns projetos eram propositalmente concebidos com falhas para justificar aditivos contratuais e a execução de serviços que não estavam previstos inicialmente. Assim, as empresas aumentavam seus lucros.