Informalidade e desigualdade colocam a população pobre em situação mais delicada
“Se a gente não recebesse ajuda, não conseguiríamos comprar álcool em gel e máscara” relata Lúcia Helena Ferreira, de 42 anos, dona de casa e moradora da Vila Esperança, no bairro Senai, sobre a sua realidade. A fala demonstra que as principais medidas de prevenção recomendadas para conter a pandemia da Covid-19 – como fazer uso de álcool gel e praticar o distanciamento social – não é possível para muitos moradores de periferias pobres e favelas.
Na grande maioria das residências desses locais, faltam condições para adquirir o produto que garante a desinfecção das mãos; e ficar em casa também não garante a segurança, já que em imóveis com poucos cômodos que abrigam várias pessoas pode não ajudar. Na casa de Lúcia, mora também seu esposo e mais quatro crianças, todos em uma residência de poucos cômodos.
Cadastrada no Mães da Favela, projeto da Central Única das Favelas (Cufa), Lúcia recebe um valor mensal, mas lamenta o momento. “Eu não queria estar recebendo esse dinheiro com eles (família) tudo em casa, eu queria ter a vida normal de volta”, fala. Além do valor mensal, a família Ferreira também recebe eventualmente outros mantimentos essenciais, como cesta básica, máscaras, e kits de higiene. “Se a gente não recebesse ajuda não conseguiríamos comprar álcool em gel e máscara”, completa.
Assim como Lúcia, Kauana Wilbert, de 23 anos, moradora do bairro Estação, tem dificuldades para manter os cuidados básicos de prevenção à Covid-19. Sem emprego fixo, a jovem comenta que não conseguiria comprar álcool em gel e máscaras sem a ajuda da Cufa Montenegro.
Kauana reside com o esposo, duas filhas, de 7 e 1 ano e 8 meses, além do sogro, e conta que a maior dificuldade durante a pandemia tem sido econômica, mas que se sente feliz por nunca estar sozinha. “Graças a Deus fome não passamos. Temos ajuda da Cufa e nós vamos nos virando como da, catando papelão, fazendo um serviçinho aqui, outro ali. Vamos nos virando, mas sempre com ajuda de amigos e família”, diz.
Já Lúcia ressalta o medo da infecção pela doença, devido ao fato de o esposo trabalhar fora. “Ele tem muito medo de sair, trabalhar em algum lugar que tem muita gente, pegar e trazer pra casa”. Para ela, se todos se cuidassem, o número de casos não estaria tão alto.
Aulas à distância são problema
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45,9 milhões de brasileiros ainda não tinham acesso à internet em 2018. O número corresponde a 25,3% da população com 10 anos ou mais de idade.
Na casa de muitos moradores brasileiros, o Wifi ainda não é um item presente, o que, nesta pandemia, dificulta a realização das atividades à distância enviadas pelas escolas. Lúcia explica que usa o Wifi de uma vizinha, e dificilmente consegue pagar por planos de internet para o celular, que é utilizado por todos os filhos.
“Todos os três ocupam o mesmo celular para copiar. A pequena recém foi pra primeira série. Ela não sabe copiar, então eu tenho que ler e copiar pra ela fazer”, explica. Segundo ela, os filhos dos vizinhos também estão com dificuldades na realização das tarefas.
Com uma menina aprendendo a ler e um menino de três anos com atividades também, a montenegrina precisa se desdobrar durante o dia para cuidar da casa e da família. “Era pra ela aprender a ler e escrever, como eu vou só dar o celular pra ela? Ela não sabe ler nada, ela recém tá começando”, comenta. Com os mais velhos o problema é diferente. “Eu estudei até a quarta e o meu esposo até a quarta também, então tem atividades ali que a gente não tem como ajudar”, desabafa.
“Correr ou morrer afogado”
Para o jornalista, sociólogo, e coordenador geral da Central Única das Favelas (Cufa) em Montenegro, Rogério Santos, as periferias pobres e favelas têm duas opções neste momento: correr ou morrer afogado. “A periferia pobre e a favela não têm para onde correr. Não têm como fazer quarentena. O caixa do supermercado, o entregador de pizza, o vendedor da farmácia, o pessoal da limpeza são todos da periferia pobre. É gente que não pode parar, mas que ninguém vê”, explica.
Base da pirâmide dos serviços essenciais, Rogério argumenta que, caso a população da favela faça quarentena, o País para. “A favela e periferias pobres estão se contaminando. E têm que escolher entre morrer de fome ou pegar o coronavírus. No mundo capitalista, quem não tem dinheiro não é ninguém”.
Segundo ele, são muitas as dificuldades, como a luta diária por alimentação, doenças crônicas e espaços inadequados. “Muitas casas não são arejadas, não há esgoto. Ou seja, aquele ambiente é um ambiente propício para todo tipo de desgraça. Esse vírus vem para potencializar o que a gente já está vendo, piorado pelo desemprego e a baixa na economia”, fala.
Apesar da atual conjuntura, também há espaços para boas iniciativas. “Já estamos vendo grandes vitórias, porque já temos a renda básica emergencial, que foi um movimento de fora para dentro. Já no Supremo Tribunal Federal – STF, vemos que tem regulamentado os trabalhos essenciais de diaristas e empregadas domésticas, colocando a Covid-19 como uma doença de trabalho também. Ou seja, o patrão vai ter que cuidar, vai ter que ter plano de saúde, vai ter que ter emergência, vai ter que ter prioridade. E isso é legal, importante para fomentar essa nova plataforma e uma agenda de política em comum para o combate à desigualdade”, comenta.
Em Montenegro, o jornalista observa a saúde como grande destaque, com os postos de saúde das vilas preparados, além do repasse de informações e muitos profissionais disponíveis 24 horas. Rogério cita ainda a parceria com a sociedade civil e empresas que está sendo construída no Brasil. “Acho que a gente vai ter, como futuro no Brasil, o desafio de construir uma agenda pública que não seja pautada pelo mundo político aparelhado por partidos. É essa parceria que tem de continuar. Isso porque, diante das desigualdades que se revelaram agora, é necessário que se continue esse movimento cívico organizado para pautar essa agenda de combate à desigualdade”, completa.