Hospitais têm todos os leitos de UTI ocupados e 91% de ocupação nos leitos de internação
“Sem dúvida nenhuma esse é o pior momento da pandemia. A expectativa é que o hospital entre em colapso nos próximos 7 a 10 dias, se não antes”, declara o diretor Técnico do Hospital Montenegro 100% SUS, Jean Ernandorena. Em Montenegro, o HM e a Unimed Vale do Caí contam ao todo com 25 leitos de UTI e 37 leitos fora de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), desses, a população conta apenas com dois leitos de internação e nenhum de UTI disponível, hoje.
Desde a última semana a situação dos leitos nos hospitais do município não teve melhora. Sendo referência para 14 municípios da região, o Hospital Montenegro está com todas as suas vagas de UTI ocupadas, e apenas dois leitos disponíveis na enfermaria. “Se as coisas se mantiverem nesse patamar, provavelmente na próxima semana, ou no final dessa, a gente vai ter cerca de 50 pacientes internados na enfermaria Covid”, diz o médico Ernandorena.
Dos 16 pacientes internados na UTI da casa de saúde, 14 estão entubados no momento e três estão prestes a necessitar também. “O que nos deixa muito assustados é que o perfil do paciente agora é jovem, a nossa média de pacientes graves é de 30 a 40 anos, bem diferente do que era antes. E o nosso plano de ventiladores vai se esgotar em seguida. A gente não tem tantos ventiladores disponíveis para os pacientes”, fala o diretor Técnico. Outra preocupação também está com a crescente de casos na emergência e nos casos graves. “Ainda estamos administrando a situação, mas o nosso temor é que nos próximos 7 dias não se tenha saída”, relata.
No Hospital Unimed Vale do Caí a superlotação também é uma realidade. Todos os 9 leitos de UTI estão ocupados, e nos leitos de internação há 17 pacientes, de 15 vagas disponibilizadas inicialmente. Segundo o diretor Técnico da Unimed, Dr. Cacio Wietzycoski, já era esperado o aumento do contágio pelo novo coronavírus, porém não era imaginada a mudança no perfil dos positivados. “A gente nota que tem uma tendência a atingir pacientes mais jovens, na faixa dos 35 a 50 anos, que a gente não via tanto a meses atrás”, comenta.
Com quase nenhum leito disponível na cidade, a alternativa seria realocar o paciente para outro hospital da região, entretanto, isso é quase impossível no momento. “Não existe leito disponível na nossa região, que pertence a Porto Alegre em quase nenhum hospital, então a possibilidade de transferência quando o nosso serviço saturar provavelmente não existe mais”, explica o Dr. Ernandorena.
Leitos na região são escassos
Pertencentes à Região 08, Montenegro; Pareci Novo; Maratá, Brochier e São José do Sul encaminhariam – em caso de lotação total – seus pacientes inicialmente para a cidade de referência, Canoas, mas a perspectiva nessa segunda-feira, 1°, não estava nada acalentadora. Em Canoas, há apenas 18 leitos disponíveis em UTI, de 141 existentes, e 11 leitos de internação, de 173 existentes.
Para esclarecer o quanto é grave o momento, a R08 integra 18 cidades e há 10 hospitais nesse território. Dos 10 hospitais, há somente 18 vagas para UTI (todos em Canoas) e 30 para leitos de internação. “Agora dependemos muito da população. A gente tem que diminuir a circulação e a taxa de infecção, porque se não de outro jeito não tem mais o que ser feito”, fala o diretor Técnico do Hospital Montenegro.
Estado tem só 86 leitos disponíveis em UTI
Nesta segunda-feira, 1°, o Rio Grande do Sul tinha somente 86 leitos de UTI disponíveis, de 2.793 existentes. Só em Porto Alegre, os leitos de UTI estão superlotados, são 898 existentes, porém já são 913 ocupados, ou seja, há uma superlotação na Capital. A situação levou o governo estadual a acionar o último nível no plano de contigência da Covid-19 e colocar todas as regiões em bandeira preta no modelo de distanciamento controlado até o próximo domingo, 7. Na semana passada, a secretária de Saúde Arita Bergmann defini o momento como “apavorante”.
Em última conversa, mãe tenta transparecer força para filha
Quando se visualiza somente os dados de leitos de UTI e ainda há algum disponível pode existir aquela falsa sensação de segurança, de que tudo ficará bem, porém, não é essa a realidade. Solidão, medo e angústia são sentimentos que os pacientes e suas família relatam quando existe a necessidade de internação na ala Covid-19.
Para a montenegrina Carini Bombardelli, mais do que nunca, esse é o pior momento da pandemia da Covid-19. Ela perdeu a sua mãe para a o vírus nesse domingo, 28 de fevereiro, e o seu pai continua entubado na UTI do Hospital Montenegro. “Tudo começou pelo meu pai, ele pegou Covid e precisou ir para o hospital. Lá acabou indo pra UTI e já são 13 dias entubado”, conta.
Após os primeiros sintomas do pai, Ermeto, de 73 anos, a mãe de Carini, Lourdes, de 59 anos, tomou a iniciativa e cuidou do marido. Porém, durante este tempo, ela também foi infectada. Segundo Carini, a mãe foi para o hospital na última terça-feira, 23 de fevereiro, e em apenas cinco dias faleceu. “Ela ficou na UTI um dia, mas não chegou a ser entubada, por uma escolha dela. Ela trabalhou anos como técnica de enfermagem e perdeu a mãe dela na UTI entubada também, e na função de já ter o meu pai lá entubado isso mexeu muito com o psicológico dela”, relata Carini.
Algumas trocas de mensagens ocorreram entre Carini e Lourdes antes do falecimento, e o recado foi de força. “Na última conversa, ela me disse que estava se sentindo bem, mas eu sei que na verdade ela estava muito fraca. Qualquer esforço, até mesmo ir no banheiro, levantar da cama, ela ficava com muita falta de ar”, diz. Já com o pai, Carini nem conseguiu conversar, seu Ermeto já foi logo entubado.
O sentimento relatado pela filha, que teve os dois pais internados em UTI, é de angústia, e ela reforça o pedido dos profissionais da saúde. “Meu recado é que se cuidem, levem a sério a pandemia, cumpram os protocolos, pois não é uma gripezinha. É muito mais sério e angustiante do que se imagina”, completa.
Quem viveu na pele essa angústia, “do lado de lá do vidro”, foi a montenegrina Ereni Szulczewski, de 67 anos. Recentemente curada da Covid-19, ela conta sobre o seu período internada na UTI. “É muito triste a solidão que a gente tem na UTI. Tu não tens telefone, tu não tens contato com ninguém”, relata.
Ereni teve cinco vezes consultando no hospital antes de ficar internada. Apenas um dia após a sua internação foi necessário ir para a UTI e após dois dias na ala, ela ainda precisou ficar mais 10 no hospital. “Eu tive muitos sintomas graves, tinha muita tontura; falta de ar; enjôo, cansaço; dor de garganta; dor de cabeça e uma diarréia horrível”, lista.
Seu esposo também foi internado, e ficou ao todo 27 dias no hospital. Quando Ereni já estava em casa, e pensava que já havia passado o pior, mais uma fatalidade ocorreu. “Eu fui no banheiro e cai, quebrei o cóccix e torci o joelho, ai deu uma fatura e não pude mais caminhar direito”, fala. No último sábado, 27, ela passou por uma cirurgia e ainda está se recuperando do pós-operatório. “As pessoas têm que se cuidar muito, tem que usar máscara, não pode se envolver em festas, não pode ter aglomeração. Tem que se cuidar, porque qualquer um pode ter o vírus da Covid e te passar e não é fácil, é uma coisa muito difícil, muito dolorida”, diz Ereni.