Menos exames, consultas e cirurgias. Como a crise no Hospital Montenegro afeta a população?

Com a interrupção dos repasses pelo governo do Estado, instituição suspendeu serviços e atrasa os pagamentos de alguns fornecedores

Cadeiras vazias nas salas de espera, corredores desertos, aparelhos de ar condicionado desligados e luzes apagadas. A queda na produção do Hospital Montenegro pode ser percebida facilmente por qualquer pessoa que entra no imponente prédio da rua Assis Brasil. O alarido produzido pelo diálogo entre funcionários e pacientes deu lugar ao silêncio em boa parte das instalações que recebiam, diariamente, centenas de pessoas até setembro do ano passado.

A culpa dessa situação é do governo do Estado que, já um mês antes das eleições, suspendeu o pagamento regular dos serviços prestados pela instituição. Sem o dinheiro – as parcelas vencidas somam R$ 8,2 milhões – a direção teve de fazer profundos cortes no atendimento. Os números são superlativos. Desde então, deixaram de ser realizadas em torno de 5.300 consultas, pelo menos 350 cirurgias, cerca de 1.200 exames de Raio X, Tomografia e Ultrassonografia e quase 60 mil testes laboratoriais.

Toda a população do Vale do Caí foi atingida pelos cortes. De acordo com o diretor administrativo Carlos Batista da Silveira, os pacientes estão sendo obrigados a recorrer às unidades básicas de suas cidades e buscar o agendamento em outras instituições. “O problema é que a fila se tornou gigantesca e a maioria acaba ficando sem o atendimento, muitas vezes vendo seu quadro se agravar sem nada poder fazer”, lamenta.

Por enquanto, o Hospital Montenegro não efetuou demissões. São cerca de 460 colaboradores, dos quais 89% atuam diretamente junto aos pacientes. “Apenas 11% do quadro tem funções administrativas”, sublinha Carlos Batista. Segundo ele, não teria sentido demitir quando, como das outras vezes, esta situação deve ser transitória. “Teríamos o custo da rescisão e, depois, com a normalização dos repasses, da contratação e dos treinamentos”, pondera.

Sem condições de atender a todos os compromissos, alguns fornecedores passaram a receber com atraso e outros simplesmente deixaram de ser pagos. “Felizmente, estas empresas são parceiras do Hospital, sabem que aqui há seriedade na gestão dos recursos e, tão logo a gente volte a receber, eles serão pagos”, afirma o diretor. Silveira diz que, graças a esta relação transparente, alguns, mesmo sem receber, continuam atendendo ao HM. Hoje, o passivo com fornecedores está em R$ 294 mil, mas este número deve crescer.

Para minimizar o problema e garantir o fluxo de caixa, a direção da entidade pretende contrair um financiamento junto ao Banrisul, por meio do Fundo de Apoio Financeiro e de Recuperação dos Hospitais Privados sem Fins Lucrativos (Funafir). Nesta modalidade, o HM toma o empréstimo e quem paga as parcelas e os juros é o próprio governo do Estado. A operação deve ficar em R$ 3,6 milhões.

Será a terceira vez que Batista lançará mão da alternativa. Nas oportunidades anteriores, os valores emprestados somaram R$ 28 milhões, integralmente quitados pelo Piratini. “Como temos crédito e ficha limpa, não é difícil acessar esta linha. Outros hospitais também fazem isso, porque é a alternativa mais fácil para enfrentar a crise”, afirma o diretor.

“Se conseguirmos manter o contrato, já estarei satisfeito”
O diretor do Hospital Montenegro, Carlos Batista da Silveira, já esteve com a nova secretária estadual de Saúde, Arita Bergmann. O pagamento das parcelas em atraso foi um dos assuntos da pauta. A informação que recebeu foi a de que os valores referentes a setembro e outubro já estão empenhados na secretaria estadual da Fazenda e devem ser repassados nos próximos dias. Quanto aos saldos de novembro, dezembro e janeiro, já vencidos, nenhuma definição por enquanto.

CARLOS Batista da Silveira, diretor do Hospital

“A única garantia que recebemos da secretária foi a de que o Estado deve começar a pagar em dia novamente a partir da competência de março. Ou seja, em 30 de abril, quando vence esta fatura”, revela Batista. Até lá, os serviços eletivos que deveriam ser bancados com estas verbas ficarão suspensos. A direção alega que não pode retomar atendimentos sem a garantia de pagamentos regulares.

Quanto ao futuro do contrato, Carlos acredita que, num primeiro momento, levando em conta a situação financeira do Estado, não há margem para a ampliação dos serviços e o consequente incremento dos pagamentos. “Se conseguir manter o contrato que temos, já estarei satisfeito”, observa.

Ele lembra que o governador Eduardo Leite esteve na instituição durante a campanha eleitoral e conheceu o seu funciomento. “O governador sabe que temos alta produção e resolutividade. Também sabe que o atendimento é 100% SUS, o que torna nossa condição diferenciada e importante para a prestação de serviços em saúde para a população”, conclui.

Sem alternativa, o jeito foi pagar
O aposentado Eduardo Carlos dos Santos, de 69 anos, é um dos muitos pacientes prejudicados pela suspensão dos exames e das cirurgias eletivas desde que o Estado deixou de pagar o Hospital, em setembro do ano passado. Portador de uma hérnia, ele precisava fazer uma série de avaliações para o agendamento da intervenção, mas perdeu a esperança de conseguir pelo SUS.

Em agosto de 2018, o idoso passou mal e o levaram até o plantão, onde foi diagnosticada a hérnia. “Na época, recebi medicação, com a recomendação de que fizesse uma avaliação, porque sou diabético, para depois agendar a cirurgia. Só que bem nessa época o Hospital parou esses serviços”, recorda Eduardo.

Sabendo que teria de buscar os agendamentos em outras cidades e que demoraria, o aposentado raspou a poupança e pagou pelos procedimentos. “Não tinha como esperar, porque estava incomodando muito”, explica.

Agora, a preocupação de Eduardo é com a esposa Amália, de 66 anos. Ela foi diagnosticada com pedra na vesícula e também precisa de uma intervenção cirúrgica. “A gente não tem plano de saúde e particular custa caro. Acho que vou ter que fazer um empréstimo”, planeja o aposentado, que lamenta a situação em que o governo do Estado deixou o HM. “A mulher tá sofrendo, mas acha que pode esperar mais um pouco. Tomara que isso se resolva logo”, torce.

SERVIÇOS MANTIDOS COM RECURSOS DA UNIÃO
O Hospital Montenegro só não está totalmente parado porque mantêm o serviço de pronto-atendimento – pago pela Prefeitura – e o governo federal segue mandando os recursos normalmente para os serviços contratados junto à instituição.

Confira os principais:
– internações hospitalares;
– atendimentos de saúde mental;
– cirurgias em pacientes internados;
– cirurgias de emergência;
– exames de alta complexidade, como Tomografias;
– leitos de retaguarda para emergências;
– custeio dos leitos de Acidente Vascular Cerebral (AVC).

CORREDORES desertos são o principal sintoma da queda nos atendimentos

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