“Condomínios” feitos sem regularização deixam montenegrinos sem assistência e trazem ônus ao poder público
“Quando a gente comprou, quem vendeu disse que era um condomínio. Depois que a gente ficou sabendo que o dono não conseguiu legalizar.” O depoimento da dona de casa Maria Barbosa Mathias dos Santos, de 63 anos, expressa a situação pela qual muitos montenegrinos passaram ou ainda passam. Sem informação, eles compram terrenos para realizar o grande sonho da casa própria, mas o fazem em loteamentos que são irregulares. Há mais de 30 nessa situação. Acabam com condições precárias de infraestrutura e sem atendimento do poder público.
A “rua” de dona Maria não tem nome. Seu endereço consta como Estrada Antônio Inácio de Oliveira Filho – a “avenida da Unisc” – que faz frente com um terreno que foi dividido em lotes sem nenhuma autorização, com a criação da tal “rua” e a posterior venda individual para desavisados como a moradora. Onde fica sua casa, moram tantos outros em meio a buracos e problemas de esgoto. Depois que se mudou, Maria e o esposo ficaram quase um ano sem luz, até que o proprietário do “condomínio” conseguisse puxar a rede de residência em residência.
O casal já vive lá há quase duas décadas. Nesse meio tempo, até tentou vender o lar – conquistado com muito trabalho – mas não conseguiu. “Nós estamos num beco sem saída”, lamenta a mulher. A principal queixa da moradora nem são os buracos na via – que são consertados pelos próprios moradores – mas a precária rede de água e de esgoto do local. “O esgoto não tem caimento e volta todo para dentro do pátio. Sem contar as águas da casa, da pia e da máquina, que largam tudo aqui dentro também. Vira só em umidade e mau-cheiro”, conta.
Hoje, quando chove, Maria não consegue nem sair de casa. “A gente fica ilhado. Aí vamos na Prefeitura e eles só dizem que aqui é ilegal e que isso aqui não existe”, lamenta. A moradora adiciona que, por vezes, técnicos da Administração Municipal chegam a ir até o local para avaliar os problemas denunciados, mas, dada a irregularidade da rua, a manutenção necessária não “pode” ser realizada. Para eles, na outra ponta, a situação também é polêmica.
Sem condições de fiscalizar as construções, Município “paga o pato”
Os chamados loteamentos clandestinos se formam quando um particular pega uma grande área, cria uma “rua” – que não é oficialmente uma rua pública – e começa a vender lotes de terrenos sem a devida infraestrutura de esgoto, luz ou água. Tudo acaba sendo ligado na base dos “gatos” e dos “puxadinhos”.
Conforme a diretora do Departamento de Gestão, Lúcia Zanatta da Silva, a Prefeitura, na maioria dos casos, só vai saber da existência desses locais depois que eles já estão consolidados, através de denúncia. Aí, já é tarde. “A gente tem quatro, cinco fiscais para tudo na Prefeitura, então não se dá conta”, admite.
O processo, a partir da denúncia, envolve notificar o dono da propriedade, solicitando que ele regularize o loteamento, com a correta divisão dos lotes que foram repartidos irregularmente. Cada terreno precisa ter a sua matrícula própria. Isso acaba correndo por muitos anos, deixando moradores, como Maria, a mercê do descaso.
“Tem gente que se prejudica até por falta de conhecimento. Depois vem nos colocar que a rua não tem infraestrutura e tal, mas é que realmente aquilo que ela comprou não era um loteamento”, conta Lúcia. Complexos, os casos vão além da simples notificação do proprietário e, na maioria das vezes, acabam no Ministério Público, que responsabiliza tanto a pessoa que fez a divisão dos lotes, quanto a própria Prefeitura, que não fiscalizou a ocorrência.
“Acontece muito de o proprietário alegar que não tem condições financeiras de regularizar. Aí o Ministério Público condena o Município a fazer tanto a parte documental – com toda a regularização de plantas, lotes e matrícula – quanto a de infraestrutura – com esgoto, água e luz”, relata.
Para isso, o valor – que é elevado – sai de recursos próprios que precisam estar previstos no orçamento anual da Prefeitura. Lúcia estima que há uma média de duas condenações deste tipo por ano.
E além do ônus financeiro do dinheiro que poderia ter sido aplicado em outras necessidades dos montenenegrinos, o problema segue. Existe, afinal, uma série de regras e análises, até ambientais, a serem seguidas na abertura de um loteamento.
Como eles “aparecem” para a Administração apenas quando já consolidados, normalmente acabam ficando como estão, sem os necessários estudos de implantação e de impacto, o que é ruim para todos. “A gente meio que é obrigado a aceitar o que já está lá depois da invasão. Não tem muito o que fazer”, lamenta a diretora.
Recomenda-se atenção antes da compra dos terrenos
Diretora do Departamento de Gestão, Lúcia Zanatta da Silva orienta que, antes de qualquer compra, o cidadão pode buscar a Prefeitura para verificar a regularização do terreno visado. “A informação é pública”, salienta. Para quem já vive em situação irregular e quer ter sua residência legalizada, a situação é mais complexa, pois é preciso uma vontade de todos os vizinhos e entra também a responsabilização do proprietário, que fez a venda dos lotes. Lá se vão décadas de espera até um resultado.
Conforme Lúcia, hoje são cerca de 30 loteamentos em processo de regularização fundiária no Município. “Fora todas as que são denunciadas quando estão começando e se consegue resolver”, ressalta. Para o caso da dona de casa do bairro Zootecnia, no entanto, após tantos anos, a solução parece estar chegando. Seu “condomínio” foi tema de reunião na Câmara de Vereadores recentemente, onde se sinalizou que as matrículas individuais de cada lote estão para sair em breve. Um alívio para quem vive de esperança.