Impasse. Apoio apenas virá se houver mudanças como a população tem pedido
Motivo de uma audiência pública hoje, a partir das 14h, no Clube Riograndense, o Programa de Exploração de Rodovia (PER) — que prevê, entre outras medidas, a instalação de praça de pedágio em Montenegro, na BR-386, perto da ponte sobre o Rio Caí — vem somando um número maior de críticos do que apoiadores à medida que os debates avançam.
Aqui na Cidade das Artes, os poderes municipais estão divididos: a Câmara de Vereadores tem se mobilizado para trancar o projeto se não houver grandes modificações, enquanto a Prefeitura concorda, mas pede isenção para veículos montenegrinos. A ACI Montenegro/Pareci Novo também discorda.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que coordena o processo, deu margem para polêmicas ao prever inicialmente apenas duas audiências públicas (uma em Porto Alegre e outra em Brasília) e ao fazer explicações técnicas, sem esclarecer muitas das dúvidas da comunidade. Na reunião de hoje no Riograndense, a autarquia buscará reverter o prejuízo salientando os aspectos positivos da concessão da Rodovia da Produção.
Entre os críticos do PER está a segunda principal autoridade do Rio Grande do Sul: o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Edegar Pretto (PT), que semana passada esteve em Brasília para reivindicar profundas mudanças na minuta do edital. “Já vivenciamos tempos ruins em relação aos pedágios no RS. Somos contrários àquele modelo que vigorou 15 anos e levou muito dinheiro para fora do Estado e que as comunidades sitiadas pelas praças não tinham para quem reclamar. O povo perdeu. Somente quem ganhou foram as empresas que exploravam as concessões”, disparou.
Os principais pontos negativos, na visão dele, referem-se ao período de concessão, 30 anos, e à demora para o início das obras de duplicação. A previsão era tirá-las do papel somente 12 anos depois das tarifas começarem a ser cobradas, mas a ANTT já acenou com a possibilidade de antecipar esse prazo, caso haja viabilidade econômica.
Pretto lamentou que, pela proposta original, as concessionárias ficarão somente com o “filé” da BR-386. “Quando as gaúchas e os gaúchos de Sarandi ou Iraí, por exemplo, poderão sonhar com a duplicação? Não somos contra o pedágio pura e simplesmente. Somos contra um modelo onde apenas um lado ganha e outro é explorado. Sou a favor de uma tarifa decente”, afirmou.
O deputado cita que diversas obras de recuperação e ampliação dessas mesmas rodovias estão sendo realizadas pelo governo federal antes de serem entregues para concessão. “Lembro que, no passado, caminhoneiros que iam de Palmeira das Missões a Porto Alegre várias vezes por mês gastavam mais com pedágios do que com a prestação dos caminhões. É preciso que as comunidades se mantenham mobilizadas, pois a pressão é que modifica as coisas.”
Outra posição contrária é do senador Lasier Martins (PSD), que considera altas demais as tarifas previstas para o pedágio. Além disso, ele diz que agora não é uma boa hora para avançar nas tratativas, porque a economia brasileira acaba de iniciar um processo de recuperação. “Reivindicamos uma paralisação nas negociações para ver se é possível um novo cálculo para rever valores dos pedágios, que apresentam cobranças muito altas. Sugerimos aguardar um rebaixamento da taxa Selic para buscar obter um melhor preço nas tarifas”, declarou ele em postagem nas redes sociais.
A deputada Zilá Breitenbach (PSDB) entende que é urgente melhorar as condições de tráfego na Rodovia da Produção, mas tem ressalvas ante ao projeto apresentado pela ANTT. “As concessões são modelos eficazes, mas devem ser feitas com critérios. Os valores para quem passa pela estrada devem ser razoáveis, considerando que todos já pagamos impostos altíssimos.”
A parlamentar defende que as obras de melhoria devem ser iniciadas o quanto antes. “Inicialmente, o projeto da ANTT previa investimentos apenas a partir do décimo ano de concessão. Agora, já baixaram para o terceiro ano. Estamos no caminho, mas é preciso maior comprometimento com as demandas das populações por onde passam as rodovias concedidas.”
ANTT afirma que o governo não é obrigado a conceder a estrada
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que as sugestões apresentadas nas audiências públicas — ocorreram quatro até agora, portanto a de Montenegro, hoje, será a quinta — serão analisadas sob o aspecto da viabilidade técnica e econômica. Na próxima sexta, dia 24, o mesmo debate vai ocorrer em São João do Sul, Santa Catarina.
O diretor-geral da autarquia, Jorge Bastos, disse após a reunião em Lajeado, no último dia 16, ter ficado com dúvida se a região está disposta a aderir ao programa de concessões, mesmo que sejam feitas muitas mudanças no edital e no contrato. O Vale do Taquari tem criticado duramente os encaminhamentos feitos até agora. “O Rio Grande do Sul teve experiências muito ruins com concessões. Queremos mostrar as diferenças que tiveram lá atrás para as concessões federais. Por isso estamos aqui, abertos ao debate, mostrando que os investimentos estão diretamente ligados ao valor da tarifa. Quanto mais investimentos, mais a tarifa sobe. É isso que precisamos deixar claro”, salientou Bastos.
Conforme ele, se não houver um consenso entre sociedade e poder público, a BR-386 não vai ser inserida no programa de exploração, mas depois essa decisão repercutirá nas condições da via. “Ninguém está aqui para obrigar a ter concessão. Se for de interesse da sociedade, do Estado, da comunidade, a concessão vai ser feita. Se não for, não vamos fazer. Por isso esse debate transparente é tão importante.”
Caso a rodovia continue sob a responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), como hoje, as manutenções seguirão a conta-gotas. Conforme Marcelo Cardoso Fonseca, assessor da ANTT, a autarquia tem orçamento entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões por ano para investimentos, enquanto os contratos para melhorias necessitariam de R$ 60 bilhões. “Isso significa que, pelos próximos 20 anos, os recursos do Dnit estão comprometidos”, alertou.
Segundo o assessor, o PER pode ser alterado — do contrário não haveria audiências públicas — e traz diversos pontos positivos, como o aumento da arrecadação da Prefeitura mediante a cobrança de ISS, um imposto que incide sobre as tarifas cobradas dos motoristas. Porém, reduzir o prazo de 30 anos de concessão significa que o pedágio será mais elevado. “Quanto menor o período, menor será o prazo para a amortização dos investimentos, ou seja, ficará mais caro para os usuários”, relatou.
O Número
Segundo a Confederação Nacional dos Transportes, quase 80% das rodovias concedidas do País são consideradas boas ou ótimas, enquanto nas rodovias administradas pelo governo, não chega a 40%
Nove pontos positivos do programa de concessão
1 — Investimentos bilionários nos primeiros 15 anos de concessão. Serão R$ 13 bilhões ao longo de todo o período de 30 anos
2 — R$ 1,6 bilhão de retorno de ISS para os municípios afetados pela concessão, dos quais R$ 1,3 bilhão direto do pedágio e outros R$ 300 milhões de arrecadação indireta
3 — R$ 54 milhões em recursos para desenvolvimento tecnológico, ou seja, pesquisas que desenvolvam tecnologia de ponta a ser usada na prestação do serviço aos usuários
4 — R$ 30 milhões ao longo de 30 anos para aparelhamento da PRF, compra de viaturas, melhorias estruturais e investimentos em fiscalização
5 — Redução de 24% no número de acidentes com vítimas fatais apenas com os investimentos dos primeiros dois anos de concessão
6 — Os investimentos dos primeiros cinco anos serão voltados a obras emergenciais, melhorias de pavimento, ajustes em gargalos, recuperação estrutural da rodovia
7 — Duplicação da BR-386 até Carazinho, prevista para se iniciar no 11º ano de concessão, pode ser remanejada para o segundo ou terceiro ano. A ANTT estuda a situação, as licenças necessárias e como amenizar o impacto da obra no equilíbrio econômico da concessionária
8 — 312 câmeras ao longo da rodovia monitorando 24h por dia o trecho concedido, além de sete postos de atendimento aos usuários com água, banheiro, mapas da rodovia e local para descanso.
9 — Geração de quatro mil empregos diretos e oito mil indiretos distribuídos pela região, sendo 12 mil postos de trabalho mantidos anualmente
Fonte: ANTT