Futebol magia. Atleta montenegrino “se encontra” em Porto Alegre e conta como supera o preconceito diariamente
Infelizmente, o futebol ainda é um esporte extremamente machista. E não são apenas as mulheres que sofrem com isso. Os atletas homossexuais também enfrentam muito preconceito dentro e fora das quatro linhas. Mas muitas pessoas lutam para acabar com essa “cultura” que existe em cima da modalidade, mesmo sabendo que não é fácil. Nascido em Montenegro, o atleta João Pedro Leote, 24 anos, dá de ombros para o preconceito e brilha com a bola nos pés defendendo o Magia, de Porto Alegre.
A paixão de Leote pelo futebol iniciou aos 10 anos. Incentivado por seus primos, o jogador começou a praticar o esporte por hobby, e por esse motivo, chegou ao Magia. “Eu era muito ruim, só que também era o mais rápido da galera. Isso serviu para ter um motivo para começar a jogar. Os outros achavam que eu era bom, mas eu não tinha essa noção. Nunca fiz escolinha. Jogava no sítio (Pesqueiro), fui envelhecendo e cada vez jogando melhor. Jogava só no sítio e no Cantegril”, destaca.
Seu ingresso na equipe Magia, muito conhecida na capital, aconteceu há oito meses. “Minha formação como atleta foi unica e exclusivamente jogando por hobby, e foi exatamente por hobby que fui parar no Magia. Um amigo me convidou para ir lá ver como funcionava. Eu disse a ele que queria jogar futebol e poder tirar o estresse da semana. No primeiro treino já me achei, porque o ambiente é totalmente diferente”, acrescenta o atleta.
O talento do jogador montenegrino é reconhecido pelos companheiros de equipe, como o próprio Leote admite. “Não gosto de me achar, mas os guris dizem que sou um dos craques. Na Copa Sul Gay, fui o segundo melhor jogador do campeonato”, enaltece. Na competição citada pelo jogador, o Magia ficou na terceira colocação. Na Ligay, outro campeonato de que o time participou, Leote e seus companheiros terminaram na quarta posição.
Com dois treinos por semana e amistosos, o Magia se prepara para a segunda edição da Champions Ligay, competição de âmbito nacional que acontece nos dias 14 e 15 de abril, em Porto Alegre. “Gosto de convidar todo mundo para conhecer o time e conversar conosco. Quem vivencia um dia lá (no Magia), não quer mais sair”, afirma Leote.
Quando o montenegrino entrou na equipe, 17 atletas formavam o elenco. Atualmente, porém, o Magia já está com 25 jogadores, além das pessoas que ajudam o time fora das quatro linhas. “Eles têm uma importância tão grande quanto os atletas. O número de jogadores oscila muito”, observa.
Feliz no Magia e ansioso pelos próximos desafios da equipe, Leote lamenta que o preconceito ainda esteja instalado no futebol brasileiro. “Acontece bastante nos campos (o preconceito). Observo muito, pois é um esporte muito machista ainda. É como uma cultura. Não digo que é uma cultura mundial porque só conheço o Brasil, mas uma certeza é que os jogadores profissionais sofrem muita pressão. Aliás, quantos jogadores homossexuais são vistos? E existem vários”, salienta.
A decisão mais difícil da vida
João Pedro assumiu sua homossexualidade aos 18 anos de idade. Até então, carregava consigo o medo da rejeição dos familiares, mas isso foi totalmente ao contrário. “Eu já sabia o que acontecia comigo. Mas quando a gente é adolescente gay, primeiro é confuso. Então, quando entendi como eu era, foi uma surpresa para mim. É difícil aceitar. Tinha medo… Medo de casa, da família, dos amigos, de ficar sozinho, porque tudo ao meu redor era muito heteronormativo”, conta.
Porém, desde o início, Leote teve o apoio de todos os seus familiares e amigos. “A gente nota que algumas pessoas olham diferente, que têm atitudes diferentes, mas é a vida. Ter que passar por isso, ter a ‘conversa’ e se assumir, é algo bem difícil. Talvez seja uma das coisas mais difíceis do mundo, é um ato de muita coragem. No entanto, eu considero isso necessário, pois assim tu assumes quem tu és e entrega tua verdade para as pessoas”, enfatiza.
Seis anos após tomar a decisão mais difícil de sua vida, Leote diz que o correr dos dias foi fundamental. “O tempo se encarrega de tudo. No início pode ser estranho. Foi um choque para algumas pessoas. Mas hoje em dia não faz mais diferença, porque as pessoas se acostumam com você e nem lembram mais de você pela sua opção, e sim pela sua essência, por quem tu és”, aponta.
Uma luta diária contra a homofobia
Depois de ser o único gay de uma equipe, o jogador montenegrino defende agora uma equipe formada somente por atletas homossexuais. Ele compara as duas situações. “No Magia, o clima é muito diferente, tem seriedade também. O futebol é de nível bom. A diferença está no ambiente, pois posso me soltar mais. No time em que eu era o único gay, a maioria das piadas ou xingamentos era extremamente machista e voltada aos gays como algo ruim, o que me deixava pensativo”, ressalta.
Apesar disso, os comentários machistas e preconceituosos servem como motivação para Leote. “Sou muito tranquilo. Sempre quis jogar meu futebol e curtir o meu momento, nunca dando ouvidos às coisas que a gente escuta. Deixo para o campo responder meu abalo e mostro que gay pode sim jogar que nem hetero ou até melhor. Não existe a opção de ficar triste com esses comentários. Isso só dá mais motivação.”
Destaque do Magia, o jogador nascido em Montenegro tem esperanças de que o preconceito acabe no futebol, mas entende que essa cultura está longe de mudar. “Cresci escutando muita coisa, mesmo tendo uma cabeça totalmente diferente. E essas coisas não se mudam de uma hora para outra. Quero que não tenha preconceito nos esportes, nas escolas, nas ruas, na vida e no mundo, mas grande parte da sociedade ainda carrega um pensamento que não permite essa evolução”, lamenta.
“Ainda vamos demorar um pouco até conseguirmos minimizar a níveis não tão significativos toda essa forma de preconceito. Quero mudar isso, é o objetivo da Ligay: mostrar que o futebol é para todos, mostrar que existe o preconceito e estamos lutando contra eles de diversas formas, porque o preconceito é diário. Nosso país é o que mais mata transexuais no planeta. Temos a consciência de que a caminhada é lenta, porém devemos começar em algum momento”, completa Leote.