Renée Olivia Lermen conta como já viu o mundo superar outros períodos de crise
Ao pesquisar pelo termo “crise” num dicionário, nos deparamos com diversas definições. No Aulete Digital, uma delas é “fase difícil na evolução de um processo ou situação”. Essa definição ajuda a definir o que é a pandemia do novo coronavírus e os impactos dela para a sociedade como um todo. No entanto, essa não é a primeira crise em escala mundial enfrentada pela humanidade e se há uma certeza deixada por crises passadas é de que elas chegam a um fim.
Aos 92 anos, a moradora de Brochier Renée Olivia Lermen ajuda a exemplificar isso. As singularidades da sua vivência demonstram como tempos de crise são vividos e superados. Apesar de sua primeira memória remontar a 1930, quando tinha três anos e viu um prédio ser construído no que hoje é a esquina das ruas Irmãos Brochier e Roberto Germano Kniest, a primeira crise vivida por Renée foi em 1939.
1939. O ano que eclodiu a Segunda Guerra Mundial quando, em 1º de setembro, a máquina de guerra da Alemanha nazista comandada por Adolf Hitler invadiu a Polônia. O ano em que Renée perdeu seus dois irmãos: Ismenia Dirce Ritter e Nori Gastão Ritter. Eles tinham três e oito anos, respectivamente. A causa da morte: uma doença contagiosa. “Começava com vômito, diarréia e febre altíssima. Parecido com esse vírus que tem agora. Morreu muita gente da região”, comenta Renée.
Na memória da mulher que foi telefonista e costureira está gravado o dia em que sua irmã foi enterrada. Foi a mesma data na qual o seu irmão foi levado para Montenegro para ser internado no hospital em busca de uma possível cura. Cinco dias depois, Nori faleceu. “Na primeira noite que estávamos lá (em Montenegro), nunca esqueci, passavam os blocos de Carnaval. Era 5 de fevereiro quando morreu meu irmão”, recorda.
Para superar essa crise familiar, os pais de Renée decidiram se mudar para Porto Alegre. Lá a brochiense vivenciou experiências que nunca esqueceu, como exercícios de black-out que visavam treinar a população de como agir em caso de bombardeio. Com as incertezas da crise gerada pela Segunda Guerra Mundial, manter-se bem informado era fundamental. E era o cinema quem mantinha Renée atualizada.
“Nós íamos muito ao cinema: eu, minha tia e uma amiguinha que conheci em Porto Alegre. Antes de começar o filme, começava um jornal que passava todas as notícias da guerra”, conta. Na crise atual – que muitos classificam como uma guerra contra o coronavírus –, a idosa diz manter-se informada principalmente por meio da televisão.
Renée já havia retornado para Brochier quando recebeu a notícia do fim da Segunda Guerra Mundial e lembra que parte da população tomou as ruas para celebrar. Depois, outras crises vieram, como a dos mísseis durante a Guerra Fria, a Guerra do Vietnã ou a Ditadura Militar que se instaurou no Brasil em 1964 e durou até 1985, todas elas devidamente vencidas e tendo seus fins celebrados. Quiçá, ao fim da pandemia e a rotina das pessoas podendo voltar ao normal a idosa possa ver uma nova celebração que tome as ruas para comemorar o fim de um novo período de crise mundial.
Uma mente que é um baú cheio de memórias lúcidas
Aos 92 anos, impressiona a lucidez e a memória de Renée. A idosa recorda desde fatos de sua infância, quando ainda menina conheceu Ari Lermen, que viria a ser seu marido, até de quando trabalhava como telefonista e servia como secretária informal para médicos de Brochier ao marcar para eles horários para exames em hospitais de outras cidades.
Entre as coisas que mais marcaram a memória de Renée está a perseguição que descendentes de alemães sofreram durante a Segunda Guerra Mundial. Ela conta que houve a proibição de se falar alemão e que, inclusive, alguns brochienses foram presos sob a acusação de possuírem em suas residências símbolos nazistas. “Nunca mais vou esquecer porque eu rezo todos os dias o Salve Rainha. Sabe por quê? Eu sabia rezar tudo em alemão, eu ia fazer minha comunhão solene, aí foi proibido em alemão e o padre teve que ensinar tudo em português”, rememora.
Ainda daquela época, a idosa lembra como foi o retorno de um dos combatentes da região da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que lutou na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. “Toda a Brochier se reuniu para receber o Artur Kolling”, afirma. A recepção, como lembra Renée, foi num antigo salão de baile que existia no centro da cidade. Além de Artur, a idosa conta ter conhecido os pracinhas Ervino Biehl, Auri Finger e Ernesto Neuhaus.
Fato marcante também da vida de Renée, como não poderia deixar de ser, foi o casamento com Ari Lermen em 1949. Da união nasceram Ana Maria, Nori Antônio e Moisés.