Nos pequenos espaços rodeados de concreto, no centro da cidade, moradores cultivam os próprios alimentos
Imagine poder fazer uma refeição com alimentos cultivados no fundo do quintal de casa. Essa realidade parece ser algo distante de quem mora nos centros urbanos. No entanto, entre imensas paredes de concretos e grades que dão forma à cidade de Montenegro, espaços verdes resistem e proporcionam à população uma diferente perspectiva de vida a partir do cultivo de pequenas hortas urbanas.
Seja um temperinho, legumes, chá ou salada, a verdade é que os pratos preparados com ingredientes frescos proporcionam um sabor especial, ainda mais quando a produção envolve toda a família. Na casa da professora Valdicéia Haubenthal da Rosa, nos finais de semana, as refeições contam com um toque que faz toda a diferença. “Sempre tiro alguma coisa da nossa hortinha cultivada no fundo de casa, é muito gostoso, já que todo mundo ajuda”, revela a educadora.
Em algumas floreiras coloridas e dentro de uma geladeira que iria para o lixo, a família da professora produz alface, tomate, pimentão, chás, temperos como alecrim e salsa, entre outros. No fundo do quintal, o contraste entre o muro pintado e o verde da horta da família revela uma prática que mistura educação, saúde, ativismo e preservação ambiental.
“Mesmo quando morávamos em apartamento, já tínhamos horta, com o tempo e isso passou a fazer parte do nosso dia a dia. Através desse cultivo, buscamos ter uma alimentação mais saudável, mais orgânica e nutritiva”, diz Valdicéia. “Quando nossos parentes do interior chegam aqui em casa e notam que, mesmo morando na cidade, mantemos essa prática, é gratificante ver a reação deles.”
No Centro de Montenegro, onde se concentra boa parte dos prédios do município, uma proposta chama atenção pela capacidade de unir os mais diferentes debates em poucos metros quadrados de verde; é a horta comunitária do Espaço Comunitário Vale do Caí. O coordenador do local, Ezequiel Souza, conta que a ideia surgiu através da necessidade de despertar vários debates sociais entre a população montenegrina.
“A alimentação saudável e o cuidado com o solo é uma das pautas que permeia essa transformação na sociedade que nós estamos diariamente buscando”, justifica Souza. “Um dos objetivos do Espaço Comunitário é oferecer almoços com custos mais acessíveis e, a partir dessa iniciativa, nós percebemos que os fundos da casa poderiam ser ocupados com canteiros para produção de alimentos para nossas refeições.”
Com a colaboração da comunidade em geral, a falta de ingredientes deixou ser um problema para os almoços coletivos. No pequeno espaço de 13×4 metros quadrados, a abundância de legumes e hortaliças mostra o potencial produtivo que um pequeno pedaço de terra pode ter. Além da produção limpa, outras questões são debatidas a partir dos processos que envolvem o cultivo da horta.
“Temos muitos moradores que trazem o lixo orgânico de casa para nossa composteira”, acrescenta o coordenador. “Isso é muito importante porque as pessoas começam a ter, em casa, uma consciência sobre separação do lixo, o que contribui com o trabalho dos recicladores quando encontram apenas o lixo seco na lixeira”, aponta Ezequiel.
Trabalho de formiguinha na conscientização
Com a expansão e o desenvolvimento econômico do meio urbano, novas necessidades surgem, dando espaço a uma tendência que ganha cada vez mais adeptos. Como em um trabalho de formiguinha, feito de forma paciente e coletiva, as pessoas que cultivam hortas urbanas são responsáveis por cerca de 15% a 20% de todo o alimento produzido no mundo, segundo o estudo Estado do Mundo – Inovações que Nutrem o Planeta, da Worldwatch Institute (WWI), do instituto de pesquisa sobre questões ambientais.
Para a professora Valdicéia Haubenthal da Rosa, manter uma horta urbana possibilita uma aprendizagem fundamental, principalmente entre as crianças. Mãe da pequena Ana Júlia, 10, ela conta que a filha colabora e se preocupa com a qualidade do alimento que chega à mesa. “Se eu não tenho muito tempo, ela acaba cuidando e, por conta desse hábito, hoje nós procuramos consumir mais alimentos orgânicos”, diz. “O chá de hortelã é o que ela mais consome.”
Na horta comunitária do Espaço Comunitário Vale do Caí, todos os processos são desenvolvidos de forma coletiva, onde o trabalho voluntário de cada colaborador é de fundamental importância. “O cuidado da horta acontece através das pessoas que contribuem com mutirões de limpeza, com doação de sementes crioulas ou com adubo”, explica Ezequiel Souza. “É muito bom quando sentamos à mesa para compartilhar um alimento que foi produzido por várias mãos. Assim, nos enxergamos em sociedade.”
Distribuição dos espaços na cidade
Aproveitar ao máximo os espaços urbanos. É o que busca uma parcela da população preocupada com os avanços econômicos que não caminham na mesma direção de alternativas mais sustentáveis de sociedade.
“É desafiador manter uma horta urbana, ainda mais quando estamos falando dos muros e edifícios altos que compõem a cidade, o que reflete na limitação do sol, da chuva e do vento”, destaca Ezequiel Souza. “Nesse sentido, penso que a distribuição do espaço urbano seja pensando a partir da possibilidade de produção independente e sustentável de casa residência.”
Facilidades no cultivo em zonas urbanas
Mesmo que em quantidade pequena, produzir alimentos em casa requer alguns cuidados, o que acaba levando muitas pessoas a desistirem da ideia. O extensionista da Emater, Everaldo Silva, explica que, diante dos desafios, os moradores do meio urbano têm algumas vantagens que, às vezes, não são levadas em consideração.
“Além da assistência técnica, a população da cidade consegue ter mais aceso aos canais de informação, como a internet, que auxilia na consulta de sites com boas dicas, e orientação nas agropecuárias com relação ao modo de cultivo de algumas mudas”, salienta Everaldo. “Os principais cuidados devem ser em relação ao sol, de preferência que privilegia a luz da manhã”, orienta. “Lugares muitos úmidos devem ser evitados.”