Incentivos aos exames dos animais e a volta dos eventos no Centenário são as principais demandas
“Insatisfeitos com os rumos tomados pelos festejos da Semana Farroupilha, tão diminuídos em Montenegro quando comparados à extensão dos anos anteriores e à atenção que a maioria das cidades gaúchas dedicam a este evento, este grupo formado por doze tradicionalistas ativos e dedicados aos diversos setores do tradicionalismo, se formou em busca de soluções”.
Assim começa a carta manifesto escrita pela auto intitulada “Comissão Tradicionalista” que, conforme o planejado, deve ser lida no palanque durante o desfile de 20 de Setembro, nesta sexta-feira, em Montenegro. O documento oficializa a reivindicação pela volta dos festejos farroupilhas ao Parque Centenário e pede que, à exemplo do que fazem os municípios vizinhos, o Poder Público ofereça incentivos para a realização dos obrigatórios exames de saúde dos animais que participarão dos festejos.
“A gente quer uma Semana Farroupilha como todo mundo merece. Que Montenegro volte a ser um palco de cultura gaúcha, com ela, com rodeio e com mais oficinas nas escolas”, define André Leandro Andrade, um dos organizadores.
Além do manifesto, eles planejam fazer o desfile desta sexta a pé, sem cavalos. E reunindo membros dos piquetes, CTG’s e DTG’s que representam, além de familiares e demais simpatizantes à causa, esperam juntar cerca de 300 pessoas para a caminhada. “São pessoas do meio, que participam desde criança. Vamos mostrar a força do tradicionalismo de Montenegro, que não está morto”, destaca.
Os animais – uma das principais atrações do evento em anos anteriores – devem ser poucos nesta edição. Entre os manifestantes, estarão simbolizados apenas por cavalinhos feitos de taquara que devem ser usados pelas crianças. “É para eles verem como que vai ser o futuro do nosso tradicionalismo se continuar assim”, coloca o integrante da Comissão. “Nós não somos contra o governo, mas queremos que ele olhe com outros olhos para os tradicionalistas.”
Novamente, Semana Farroupilha não teve atrações no Parque Centenário
Era tradição montenegrina. Parque Centenário cheio, visita de escolas durante o dia, apresentações artísticas durante todas as noites da Semana Farroupilha. Após o desfile de 20 de Setembro, centenas lotavam o local para respirar a cultura gaúcha, com bailantas, esportes e comidas típicas. Isso até 2016.
De lá para cá, os eventos que marcam a época têm sido “pulverizados”, ocorrendo dentro de cada CTG. Mas é consenso entre a “Comissão Tradicionalista” que o formato acaba afastando o público e quebrando a união entre as entidades. “Antes era todo mundo unido, sem discriminação de bandeira”, lembra André Andrade.
A razão oficial para a não realização dos eventos no Centenário é a falta do Plano de Prevenção contra Incêndios (PPCI) que, conforme a legislação atual, precisa ser feito para todo o complexo para a realização de eventos com aglomeração de pessoas. “Não podendo ser no Parque, com certeza, outras opções de comemorar a Semana Farroupilha devem ser encontradas, e essa foi uma entre as possíveis”, colocou a secretaria de Educação e Cultura à reportagem, sobre os eventos separados na sede de cada entidade. Por e-mail, a pasta garantiu que o PPCI está sendo providenciado.
A demanda pelo Plano de Prevenção, no entanto, é antiga. O “Somos Todos Hospital Montenegro”, por exemplo, evento que foi realizado pelo grupo Destemidos Club em abril, na Estação da Cultura, estava sendo tratado para ocorrer no Parque, mas não foi autorizado pela falta da regularização do local. Em maio, porém, o Centenário recebeu as atividades de comemoração do aniversário de Montenegro, com a apresentação de bandas e comércio com food e beer trucks. A organização foi da própria Prefeitura.
DIREITOS E DEVERES
Os tradicionalistas que organizam a manifestação desta sexta-feira reconhecem que existe a obrigação do Plano, mas, no terceiro ano sem eventos, pedem maior celeridade neste processo. “O PPCI é responsabilidade deles. Nós pagamos os nossos impostos”, coloca Manoel Silveira, que também é membro da Comissão Tradicionalista.
Conforme o grupo, os valores que eram repassados pelo Poder Público para a organização da Semana Farroupilha no Centenário chegavam por intermédio da Associação dos Tradicionalistas de Montenegro (ATM) e de uma comissão organizadora. Mas teriam ocorrido problemas nas prestações de contas; e as dívidas seriam mais um entrave para a realização das atividades. “Mas isso é um problema deles. Tem que cobrar de quem está devendo”, afirma Andrade.
E apesar de, em tese, a Associação ser uma ponte entre os tradicionalistas e a Prefeitura, inclusive pela defesa das principais reivindicações do segmento, o grupo diz não se sentir representado. “Ultimamente, ninguém sabe nem quem é o presidente”, critica o tradicionalista. “A primeira coisa que temos que fazer é assumir a ATM para que a gente possa fazer um tradicionalismo limpo e correto”.
A reportagem contatou Márcio Mombach, oficialmente o presidente da Associação, buscando um posicionamento da entidade sobre a falta dos eventos no Parque. Por áudio, no entanto, o representante apenas parabenizou a Administração Municipal pela condução dos festejos. “Tem que dar os parabéns ao pessoal da Cultura, que está se esforçando, assim como o Município, que nos ajudou bastante”, disse. “Acredito que essa Semana Farroupilha está sendo melhor que as outras. Dentro de cada entidade, o pessoal está surpreendendo a todos nós e mostrando o que é o Rio Grande.”
Os membros da “Comissão Tradicionalista” garantem que a “peleia” não vai terminar com a manifestação no desfile. Ela seguirá até que as coisas realmente mudem.
Acampamento Farroupilha tem traços de resistência
Mesmo sem atrações no Parque, quem visita o Centenário vê um singelo “Acampamento Farroupilha”. São cinco lotes de tradicionalistas, em barracas e motorhomes, que representam uma verdadeira resistência do tradicionalismo montenegrino. Ano após ano, eles estão lá, vivendo sua tradição.
Moradores do bairro São Paulo, Eugênio Osvaldo da Silva, 66 anos, e Valderi Vieira, 61, vivem essa mudança de rotina há mais de duas décadas. Estão desde a última sexta-feira, 13, acampados no Centenário. “O evento é nós”, brinca o primeiro. “Reunimos os amigos aqui, fazemos uma comida. Eu venho e fico direto”.
No acampamento, formou-se uma verdadeira comunidade. Eles contam que têm acesso à água e a luz do Parque e que lhes foi cedido um banheiro da Guarda Municipal e os do Ginásio Azulão para uso. Os “novos” – obra anunciada como voltada aos “eventos do Centenário”, que custaram mais de R$ 70 mil e estavam previstos para serem entregues em fevereiro passado – ainda não foram liberados.
Conforme Silva, a Administração do Parque até teria tentado a liberação da nova estrutura, mas, na ligação da água, um dos sanitários já teria apresentado vazamento. Estão chaveados. Oficialmente, a secretaria de Obras da Prefeitura coloca que o banheiro está pronto fisicamente, “com adequações finais e aguardando a formalização da finalização do contrato”. Os meses de atraso são justificados como “questões de ajustes na obra.”
Parte elétrica também foi um percalço
Além do PPCI e das possíveis irregularidades nas prestações de contas, no último ano de eventos no Centenário, outra questão pesou para o fim das atividades. É que em novembro de 2016, um laudo solicitado pelo Corpo de Bombeiros denunciou problemas na parte elétrica do Parque. Fiação exposta, cabos soterrados em curto-circuito e transformadores com falhas foram algumas das irregularidades verificadas. Declarou-se, então, que a estrutura estava interditada. Na época, três secretarias municipais funcionavam por lá. Foram todas removidas.
No ano passado, a Prefeitura informou que realizou projeto elétrico da estrutura, apontando as adequações necessárias. Ainda precisava a contratação de uma empresa que o realizasse. Em novembro, a própria RGE desligou a energia do local, informando que, enquanto os problemas não fossem resolvidos, não retomaria o abastecimento. Por uma semana, biblioteca, Defesa Civil e Guarda Municipal operaram sem luz no Parque, até a retomada. A reportagem não localizou, no site da Prefeitura, contratação de empresa para a execução deste projeto elétrico desde então, mas algumas inspeções, sim. No início deste mês, outra queda de luz deixou o complexo sem energia por 44 horas.