Direção do HM tem visto aumentar a demanda de pacientes e o tempo para as transferências
A família da pequena Ohana, de apenas sete meses de idade, passou por momentos angustiantes na emergência do Hospital Montenegro (HM) no início do mês. Ela tem problema no coração desde que nasceu. Segundo o avô, Ivonei Pires da Silva, foi numa consulta periódica no Instituto do Coração, em Porto Alegre, que os atendentes constataram que ela estava com quadro grave de bronquiolite, uma infecção nos bronquíolos que levam oxigênio aos pulmões. A família foi orientada a procurar a atenção básica em Saúde do Município; foi no Pronto Atendimento e, de lá, diretamente encaminhada ao HM. “Ela precisava de uma UTI com urgência”, relata Ivonei. No sistema de gerenciamento de leitos do Estado, contudo, não havia nenhum disponível para a criança.
O avô conta que foram oito longos dias na fila, sem respostas. Sem perspectiva no SUS, ele foi orientado a buscar a Defensoria Pública e tentar ingressar com ação judicial para conseguir vaga para a neta em alguma instituição privada. Fez isso, mas não teve resultado imediato. Agarrada à fé, a família viu a menina ir melhorando apenas com os cuidados oferecidos na emergência do Hospital Montenegro. Depois dos oito dias, Ivonei conta, foi com alívio que receberam a notícia de que já não seria mais necessária a internação em UTI. Ele suspendeu o processo aberto na Defensoria e aguardou até a transferência para um quarto e, então, a alta recebida há poucos dias. “Hoje, graças a Deus, ela está em casa”, comemora.
Mas o final feliz da história nem sempre é o que ocorre entre as crianças que, cada vez mais, têm entrado na fila de espera por leitos de UTI pediátricos através do SUS. O caso do menino José Adão, de três anos de idade, no fim do mês passado, foi um deles. Com quadro grave de pneumonia, ele não sobreviveu à espera de três dias pelo leito e, então, pelo transporte que o levasse até o atendimento intensivo. Faleceu, após transferência da emergência do HM, na chegada ao Hospital Universitário de Canoas.
A secretaria de Saúde do Estado, que é responsável pela regulação, reconhece um aumento importante das internações pediátricas nos últimos 30 dias Rio Grande do Sul afora. “A taxa de ocupação nas UTIs pediátricas do Estado tem variado entre 90 e 100%”, alertou a pasta, em nota à reportagem. Hoje, são 256 leitos disponíveis para atender as crianças gaúchas; 186 através do SUS. Além dos pediátricos, são 503 leitos de UTI neonatal (339 do SUS) voltados aos recém nascidos; na maior parte, bebês prematuros. Eles já não têm sido suficientes.
O que está ocorrendo
Convivendo com a demanda de transferências no dia a dia, o diretor técnico do Hospital Montenegro, Jean Ernandorena, analisa os fatores que têm impulsionado a alta da demanda pelos leitos. Um deles já era previsto, relacionado aos dias frios e as consequentes doenças respiratórias, mas teve início antes do esperado. “Historicamente, de junho a outubro é o pico dessas internações, tanto de pacientes pediátricos ou neonatais. Mas o que aconteceu neste ano de diferente é que essa alta demanda teve início um mês antes”, aponta.
Segundo o médico, o relaxamento das medidas de controle da pandemia, com a volta do convívio e das aglomerações, tem aumentado a transmissão de germes respiratórios entre crianças que, muitas vezes, ainda nem tinham sido expostas a eles. “Têm crianças que nunca tinham ido na escola. Agora, elas começam a participar desse meio, a transmissão aumenta e nós temos esse aumento de casos”, salienta. Ernandorena também aponta o fator econômico, de famílias com renda prejudicada que acabaram deixando a rede privada de saúde e migrado para o SUS. “Mais pessoas estão procurando o Sistema Único de Saúde e nós temos que nos preparar como é possível”, comenta.
Sem UTI para crianças, o “preparo” da instituição montenegrina passa por se organizar para atender pacientes com demanda para tratamento intensivo apenas com os recursos da emergência enquanto espera pela vaga fora. Uma estrutura foi montada numa das salas do centro cirúrgico para os atendimentos.
A fila do sistema de leitos estadual leva em conta, principalmente, a gravidade de cada caso. “Nós ficamos dependendo da organização do Estado do Rio Grande do Sul, através da sua central de regulação. Num período em que não é Inverno, é rápida a transferência, mas agora está demorando muito. Teve crianças que ficaram muitos dias esperando”, expõe o diretor. UTI’s pediátricas são preparadas com equipamentos e pessoal especializado no atendimento intensivo a crianças, que têm particularidades diferentes dos adultos.
O que está e o que pode ser feito
Em nota, a secretaria estadual de Saúde garantiu que tem trabalhado para resolver o problema. “O Governo do Estado tem trabalhado na ampliação de estruturas para atendimento pediátrico – através do Programa Avançar – em UTIs em municípios como Venâncio Aires, Santa Cruz e Lajeado, onde no próximo mês serão inaugurados 10 novos leitos de UTI pediátrica no Hospital Bruno Born”, trouxe. A pasta também orientou que tem disponível a vacina contra o Influenza para crianças de seis meses até menos de cinco anos de idade como ferramenta para reduzir o impacto da gripe nos serviços de Saúde.
Segundo o diretor técnico do HM, Jean Ernandorena, tem sido comum, aos pacientes que precisam internar, a chegada “atrasada” ao serviço de saúde, que inicia nos postos. “A criança fica doente, existe um período de automedicação em casa e isso atrasa um pouco. Esse é o perfil do paciente que interna”, comenta. O médico também orienta que, na medida do possível, os pais evitem enviar os filhos para a creche ou a escolinha com sintomas gripais. “É um vírus e aquela criança doente pode minar toda a turma escolar”, aponta.
Sobre a disponibilidade de leitos, o diretor do hospital local avalia que falta repensar a organização da rede estadual. “No Inverno, deveria haver um planejamento de aumento, de aumentar o investimento nessa área e depois, em outubro, diminuir. Essa ideia de todo ano manter o mesmo financiamento e a mesma estrutura no Rio Grande do Sul não dá, porque existe essa sazonalidade”, opina. A direção da casa de saúde avalia que, se habilitados leitos pediátricos no Hospital Montenegro com recursos públicos, o custo mensal giraria em torno de R$ 300 mil para as cinco vagas mínimas autorizáveis. Eles não ficariam disponíveis só para a região, mas para todo o sistema do Estado. Hoje, o HM conta com dez leitos de UTI adulto que já se mostram insuficientes, nessa época do ano, para atender a população de 200 mil pessoas da região para a qual são referência.
Como ocorrem as tentativas de obter o leito através da Justiça
Sem leitos SUS, algumas famílias precisam recorrer à rede privada (quando há leito disponível nela) mediante ações judiciais que consigam o leito de UTI. A Defensoria Pública dá início a essas ações gratuitamente às com renda familiar bruta inferior a três salários mínimos. Segundo o dirigente do Núcleo de Defesa da Saúde do órgão, Aldo Neri de Vargas Junior, é preciso levar documentos pessoais, documento que comprove a inscrição do paciente no Gerint (o sistema estadual de regulação dos leitos), o atestado médico que comprove a necessidade e – dependendo do caso – três orçamentos de hospitais privados que possuam vagas. “O tempo para prolação de uma decisão, nesses casos, varia em cada comarca, mas geralmente o Poder Judiciário decide de forma célere. O principal fator que influencia a decisão é a urgência do tratamento ou o risco de morte. Por conta disso, o atestado médico minucioso e bem elucidativo é imprescindível para o ajuizamento e êxito da ação”, orienta. O pagamento do leito, via decisão judicial, pode ser suportado pelo Estado, pelo Município ou por ambos, a depender de como a ação for ajuizada. Via de regra, o atendimento de média e alta complexidade é responsabilidade do Estado. Em Montenegro, a Defensoria funciona junto ao Fórum e atende de segunda a sexta-feira, das 12h às 19h. O telefone é (51) 3632-9201.