Kellen Bock morreu em colisão causada por motorista embriagado e sem carteira de habilitação, em Campo do Meio
O dia 5 de novembro, um domingo, era para ter sido de festa na casa dos Bock. A família comemoraria o aniversário de 38 anos da matriarca à noite, com um churrasco. Mas um acidente mudou os planos e a vida dos moradores da casa na localidade de Vapor Velho para sempre. Os pais e o irmão de Kellen Bock, 18 anos, morta na colisão da moto que conduzia com um Astra, ainda tentam se refazer do baque.
Marton, Carloti e Willian demonstram muita força de vontade para seguirem suas trajetórias. Unidos, eles “tocam o barco”, mas, evidentemente, sempre ficará o vazio da perda repentina. A jovem havia feito o almoço naquele dia. O prato preferido da família: estrogonofe de frango. Mais tarde, veio para Montenegro fazer o Enem. O projeto era conseguir cursar mais do que a única cadeira que fazia na faculdade de Biomedicina na Ulbra. Também tinha a ideia de, no ano que vem, realizar um intercâmbio. “Ela tinha o sonho de fazer Biomedicina, mas estava complicado porque não tinha conseguido o financiamento pelo FIES nem pelo ProUni. Então, ela queria fazer o Enem de novo para tentar melhorar a nota e conseguir o financiamento”, comenta a mãe.
A dor aumenta e o coração fica ainda mais apertado, aos finais de semana, quando a moça costumava ir até a casa da família. Ela morava no bairro São João em Montenegro há cerca de dois anos, onde cuidava de uma tia de Carloti, vítima de um AVC. “É bastante difícil para mim quando lembro quando a gente andava de bicicleta de tardezinha. Ir à academia também é bastante difícil, porque ela que me incentivou a fazer junto com ela. Eu precisava por uma questão de saúde, mas nunca tinha tido coragem de começar”, lembra Carloti. A mãe faz o esforço de, agora sozinha, continuar se exercitando.
O caminhão de Marton ostenta na dianteira uma faixa negra em luto pela morte prematura da filha. “Quando começo a pensar, é impossível não ficar com saudades. Imagina como vai ser mais para a frente. Eu, que estou sempre viajando, começo a pensar, pensar e bate o desespero”, revela o pai. “Para mim, é muito difícil quando eu faço comida, lembro muito dela, das coisas que ela gostava de comer. Quando vou no supermercado também. Toda vez que vou comer sinto um aperto no coração”, completa a mãe.
Willian sente falta das brincadeiras com a irmã. Eles gostavam de jogar no celular. Também iam ao cinema e andavam de bicicleta. O menino de 12 anos tenta superar a ausência de Kellen. “Tá indo, tá indo. É muito difícil, mas, aos pouquinhos, vai indo”, resume.
Revoltada com injustiças
Os pais descrevem Kellen como uma jovem muito alegre e intolerante com injustiças. Inquieta, como é comum aos jovens, ela desempenhou diversas atividades ao longo de sua breve, mas intensa passagem por este plano. Foi locutora por um dia na Rádio Viva, quando criança. Participou do Coral da Sociedade de Santos Reis. Também fez aula de dança no Balance. “Ela gostava muito de sair com as amigas nas festas, no clube do Comércio, no Riograndense. Até já tinha falado de duas festas que queriam ir”, lembra a mãe.
Kellen fez aniversário de 18 anos no dia 19 de abril e, logo em seguida, começou a frequentar a autoescola para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de moto e de carro. Passou nos testes de primeira e pegou o documento no dia 1º de agosto. A moto que ela guiava era de Carloti e ficou destruída na colisão. “Quando a gente ia para Montenegro, eu sempre deixava ela dirigir para adquirir prática. Uma vez, ela ficou faceira por ter conseguido estacionar entre dois carros na Ramiro. Ficava bem empolgada”, lembra a mãe. Uma das metas da família era viajar ao Paraguai e a moça queria dirigir na estrada.
Apoio da comunidade
“Os amigos foram fundamentais. Tivemos apoio de todos os lados, em tudo praticamente que a gente precisava”, ressalta a mãe. A família agradece também ao Coral de Santos Reis, responsável por apresentações na despedida, à Escola Osvaldo Brochier, ao CTG os Lanceiros, e a Funerária Vargas.
No domingo, dia 3, a partir das 17h, haverá uma caminhada para marcar um mês da tragédia. O percurso inicia na Sociedade de Campo do Meio, segue até onde aconteceu o acidente e retorna para o local de origem.
Responsável pela colisão segue preso na Modulada
O acidente foi causado por Evandro Weber, 22 anos, no dia 5 de novembro. Kellen conduzia uma Honda Biz, no sentido Montenegro-Campo do Meio, quando a aproximadamente 100 metros do acesso à BR-470, em uma curva, o Astra invadiu a pista contrária e atingiu em cheio a moto. Ele não possuía CNH, estava embriagado, fugiu do local sem prestar socorro e ainda tentou forjar um furto do veículo para escapar da responsabilidade. O jovem, desde o ocorrido, está preso na Penitenciária Modulada de Montenegro.
“A única coisa que a gente espera é que tudo isso que aconteceu sirva de lição para ele. Para que pense e reflita sobre o que aconteceu, porque foi uma vida que nunca mais vai poder recuperar. E para que outras pessoas não tenham que passar por isso de novo”, salienta a mãe. “Ele estava pedindo ou para se matar ou para matar alguém”, reforça o pai.
O que machucou mais e revolta é que o acusado não prestou socorro. “A gente não consegue entender. Uma jovem, adolescente cheia de vida, e ele conseguiu ir embora como se nada tivesse acontecido, nem olhar por ela, chamar socorro nem nada. Isso é desumano”, afirma Carloti. “O mínimo é ele ficar bastante tempo preso para parar, pensar, refletir e não voltar a cometer outro crime com outra pessoa”, ressalta Marton.
“Eu parei a minha vida inteira para cuidar dos meus filhos. Com a Kellen, eu posso dizer, toda entrega de boletim eu fui. Toda vez que me chamaram na escola eu fui. Em todos os momentos da vida dela eu estava presente, demos sempre todo apoio que ela precisava”, argumenta Carloti, cogitando a hipótese de o mesmo não ter acontecido na casa de Evandro.