Imigração. Muçulmanos vêm para Montenegro atraídos pelo trabalho no abate de frangos. O marido chega primeiro e economiza para ter condições de trazer a esposa e os filhos
A diferença se percebe logo no primeiro contato. Há um ano, o diálogo era difícil pela grande diferença no idioma, pois a Língua Portuguesa e o Bengali nada têm em comum. Hoje a situação é outra: a família do bengalês Abul Hussain está cada vez mais adaptada à vida em Montenegro. Os filhos conversam em Português e já se decidiram entre torcer para o Grêmio ou o Inter.
Abul observa que, embora tenha vindo antes e já esteja há cerca de cinco anos em Montenegro, os filhos falam o idioma brasileiro com maior facilidade. Ele veio de Bangladesh, na Ásia, e trabalha em uma empresa terceirizada para o abate de frangos na JBS Aves. Após alguns anos, conseguiu economizar dinheiro para trazer a esposa, Anwara Begum, 40 anos, e os quatro filhos há pouco mais de um ano.
A facilidade das crianças e adolescentes em se adaptar e assimilar o novo idioma é atribuída à idade, ao maior convívio com os brasileiros e, principalmente, à integração nas escolas onde eles estudam. Os irmãos Arif e Asif Hussain, com 14 e 11 anos, respectivamente, e a caçula Bushra Hussain, 5 anos, estão na Escola Municipal Walter Belian. Os três elogiam a instituição, onde fizeram amizades, o que é essencial para a adaptação a um país com linguagem e cultura tão diferentes do seu.
A irmã mais velha, Nadia Begum, com 17 anos, está no último ano do Ensino Médio no Colégio Estadual A.J. Renner. Ela sente-se satisfeita com a escola e está especialmente feliz pela conquista de emprego na Malhas Tayda há cerca de dois meses. A jovem sabe costurar, aprendeu a bordar e também se destaca no atendimento. A empresária Edila Marta Laux, a “Tayda”, observa que inicialmente ela iria trabalhar mais na confecção e bordados, mas diante dos elogios dos clientes e do interesse de Nádia pelo atendimento, a colocou nessa área.
Abul sorri ao falar na adaptação rápida dos filhos. Satisfeito com a vida no Brasil, afirma que seus planos são ficar definitivamente no país, retornando a Bangladesh somente para passeio. Enquanto isso, a saudade de amigos e familiares que ficaram na terra natal é amenizada pelos contatos via internet.
Solidariedade auxilia na adaptação de todos
Nessa ambientação, a família contou com o apoio de algumas pessoas, entre as quais a servidora pública aposentada Susane Ferreira, que está orgulhosa com a evolução dos bengaleses. Ela, que inicialmente se comunicava com gestos com os vizinhos estrangeiros, hoje fica feliz em ver Nádia e seus irmãos se expressarem em Português.
Morando próximos, no bairro Rui Barbosa, Susi, como é conhecida, proporcionou o acolhimento inicial, mas salienta que, ao longo do último ano, outras pessoas se somaram para colaborar nessa adaptação. Ela observa, porém, a dificuldade da mãe, Anwara, em se comunicar em Português. Talvez por permanecer mais em casa, seu vocabulário se limita a expressões de cumprimento.
Susi acredita que o poder público poderia ter um serviço para auxiliar nessa adaptação de estrangeiros. “Não precisaria ser nenhuma grande estrutura, poderia ser junto a um setor já existente”, sugere.
Meninos gostam de futebol e têm seu time
Os garotos já fizeram a escolha. Arif torce pelo Grêmio e, Asif, é colorado. Ambos gostam de futebol e costumam jogar com amigos e colegas da escola. Arif recorre à internet, acessada pelo celular, para encontrar o esporte que tem, em Bangladesh, a mesma popularidade do futebol no Brasil. “Lá tem críquete”, afirma o menino, mostrando um vídeo do jogo, que utiliza bola e taco. “É do Bangladesh contra o Pasquitão”, acrescenta. Há, inclusive, Copa do Mundo de Críquete e a próxima será em 2019.
Ambos os meninos gostam de morar em Montenegro e frequentar a escola. Para Arif, entre o que mais gosta na rotina de estudante estão os trabalhos escolares, jogar futebol e as aulas de Educação Física. “Ciências é mais difícil”, observa. Seu irmão prefere as aulas de Matemática. A resposta de ambos é a mesma quando a questão é sobre permanecer em Montenegro ou retornar à terra natal. Os meninos preferem ficar aqui, apesar de sentirem saudades dos familiares que continuam em Bangladesh.
Ao recordarem a chegada ao Brasil, em outubro de 2016, eles lembram a dificuldade em se comunicar com os brasileiros. Embora ainda não tenham domínio do Português, principalmente na linguagem escrita, os garotos afirmam que a situação hoje é bem diferente. “Agora é mais fácil”, afirma Asif.
Para a caçula da família, a pequena Bushra, 5 anos, a adaptação é ainda mais fácil. Ela, que tinha pouco mais de três anos quando mudou para o Brasil, fala Português fluentemente. Aluna da turma do pré B, da Escola Walter Belian, a menina gosta de brincar com bonecas e ouvir histórias com os colegas. A professora Priscila Wallauer salienta o bom entrosamento da menina. Ela observa que a menina veio ainda pequena, quando começava a falar no idioma de origem, mas consolidou a oralidade no Brasil.
Saiba Mais
Por questões religiosas de alguns países, boa parte dos compradores da JBS querem que o abate de frangos seja realizado por um muçulmano. Essa exigência tem motivado a vinda de muçulmanos para Montenegro, contratados por uma empresa terceirizada que presta serviços à indústria.
Bangladesh está localizado no continente asiático. O país faz fronteiras com a Índia e, num pequeno trecho, com Mianmar. A maioria da população é mulçumana (85%). Sua capital é Daca e o idioma oficial é o bengali. O IDH é baixo, 0,469, e a expectativa de vida é 63,5 anos. (Fonte: Equipe Brasil Escola – www.brasilescola.uol.com.br)
O Senegal está localizado na África Ocidental. A maioria da população é muçulmana (87%). Sua capital é Dacar, localizada no ponto mais a oeste do país, e seu idioma oficial é o francês. O IDH é baixo, 0,485, e a expecativa de vida é de 59,6 anos. (Fonte: Equipe Brasil Escola – www.brasilescola.uol.com.br)
Desafio para os estudantes e professores da Walter Belian
Receber alunos estrangeiros, que não falavam Português e oriundos de um país tão diferente do Brasil foi um desafio para a Escola Municipal Walter Belian. Para definir em que série inserir Arif e Asif Hussain, em outubro de 2016, quando chegaram, foi levada em conta a idade de ambos. E considerando o contexto em que as crianças se encontravam, recém chegadas em um país novo, a opção foi por mantê-los na mesma turma. Eles, portanto, foram matriculados no 5º ano. “Não podíamos deixá-los separados, seria ainda mais difícil para eles”, resume a professora da turma, Gessi Machado Mello.
A educadora observa que a escola precisou se adaptar à situação, que era nova também para os professores e os demais alunos. “Era um desafio, eu me sentia insegura”, recorda Gessi. “Eles pareciam me entender mais do que eu a eles”, acrescenta. Para acolher os meninos, ela conversou com os demais alunos e questionou se alguém queria sentar junto deles e auxiliá-los nessa fase de adaptação. “Um menino se prontificou e ficou com eles”, acrescenta.
Os garotos avançaram. Em 2017, cursaram séries diferentes. Arif concluiu o 6º ano e, Asif, o 5º. Neste ano de 2018, eles seguem os estudos no 7º e 6º anos. Além do empenho de ambos, houve também o esforço de professores, adaptando as aulas para que eles pudessem acompanhar a turma. Considerando o contexto da situação vivida pelos dois, a avaliação é realizada de forma diferenciada, analisando principalmente a evolução deles. A supervisora escolar Elizabete Gonçalves salienta a importância do laboratório de aprendizagem, com atividades pedagógicas desenvolvidas no contraturno.
A professora de Língua Portuguesa Marinês Leal observa a dificuldade de interpretação de texto, pois há palavras que eles lêem, mas ainda não sabem o significado. As professoras percebem que os irmãos entendem mais a língua falada do que a escrita. “Em Matemática, eles se saem muito bem”, acrescenta a professora Ana Maria Boos.
Uma senegalesa e uma bengalesa trabalham na malharia
A jovem Nadia Begum não é a única estrangeira na Malhas Tayda. Natural do Senegal, país da África Ocidenal, Fatou Ndiaye veio para o Brasil há cerca de um ano para morar com o marido que já havia imigrado há mais tempo para trabalhar no abate de frangos na JBS Aves. “Fá”, como é chamada no trabalho, fala francês, idioma comum no Senegal, mas, com a convivência, entende e conhece algumas palavras em Português.
Tayda recorda que o casal chegou na malharia procurando trabalho para “Fá”. “O marido que falava, ela não entendia Português”, lembra. “Eles viram que tinha confecção aqui, ele disse que ela sabia costurar, mostraram um certificado”, acrescenta. Entendendo que devia ajudar de alguma forma, a empresária resolveu fazer um teste com a senegalesa e, por fim, deu-lhe uma oportunidade de trabalho.
Desde então, passaram-se vários meses e Tayda não se arrependeu. No ano passado, Fa comentou sobre Nadya, que também gostaria de trabalhar no local. Em um primeiro momento, a empresária não a chamou. Mais tarde, no entanto, no final de 2017, outra pessoa lhe indicou a contratação de uma jovem estrangeira que buscava uma oportunidade. Tayda observou as semelhanças entre as duas indicações e percebeu que se tratava da mesma pessoa. Resolveu chamar Nádia e decidiu dar-lhe uma oportunidade de trabalho.
Tayda observa que a religiosidade delas chama atenção. Nádia e Fá são muçulmanas e mantêm a tradição de rezar cinco vezes ao dia. Por isso, às vezes o trabalho é interrompido por alguns minutos, elas colocam um tapete no chão e oram voltadas para Meca.