Pelas calçadas, são raros os locais que possuem piso tátil (para cegos) ou rampas de acesso a cadeirantes. Longe do Centro, a situação fica ainda pior
Imagine-se andando pelas calçadas da cidade. O que se vê? Buracos, falta de passeio público, obstáculos, como rachaduras, raízes de árvores que brotam sobre os passeios, ou ainda carros estacionados sobre o local dedicado ao pedestre. Agora pense em fazer isso utilizando uma cadeira de rodas, ou feche os olhos e tente andar sem ver nada. Difícil?
Pois essa é a rotina de centenas de pessoas que precisam, diariamente, enfrentar as barreiras impostas pela falta de planejamento urbano e pela falta de conscientização da própria população.
Doratildes Dória Pereira, professora aposentada e cadeirante, é uma cidadã que diariamente tenta usar as calçadas da cidade. Tenta. No trecho que vai do Ferroviário até o Centro, por grande parte do caminho, precisa usar a rua para circular. “Quando eu vou no Centro, é difícil. Tem calçada com buraco, com desnível, tem rampa em que a cadeira quase vira, porque fazem uma nova e não respeitam o nível que ficou da velha. Aí fica uma rampa capaz de derrubar a gente”, conta Dora.
No caminho que faz até a Fisioterapia, pouco mais de duas quadras, são pelo menos três buracos que impedem a professora de utilizar o passeio público. “Aqui na frente da farmácia, desmoronou a calçada. Ali, onde tem uma estética, tem um buraco na calçada e ela é oca por baixo. E depois, na pracinha dos Ferroviários, tem um desnível tão grande entre as calçadas que tenho que ir pela rua, e quando vou pelo asfalto, quem passa de carro vai me xingando”, assevera.
No Brasil, quase 24% da população é composta por gente que possui algum tipo de deficiência, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse percentual representa 45 milhões de Pessoas com Deficiência, os chamados PCDs.
Em julho de 2015, foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, visando à sua inclusão social e cidadania. No artigo 3º, a Lei estabelece acessibilidade como possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação.
Eventos para conscientizar
De 21 a 28 de agosto, ocorre a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla. Em Montenegro, as atividades iniciam no dia 21, na Praça Rui Barbosa, com a abertura oficial. No dia 22, o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Montenegro (CMDPDM) prepara um seminário na Câmara de Vereadores, com o tema “Desafios da pessoa com deficiência no mercado de trabalho”.
Neste ano, o debate da Semana terá como tema “Pessoas com deficiência: direitos, necessidades e realizações”. De acordo com a Federação Nacional das Apaes (Fenapaes), as atividades têm como objetivo quebrar tabus e vencer as barreiras da desigualdade, lutando pelos direitos das pessoas com deficiência, que têm a necessidade de apoio em diversas áreas: social, familiar, escolar e trabalhista. Para que a inclusão se torne efetiva e as pessoas com deficiência estejam mais preparadas e amparadas diante das dificuldades.
“Profe” que inspira alunos
Doratildes lecionou por 25 anos. “Profe” de Matemática e de Química, tentou fazer o magistério, mas não aceitaram a sua matrícula. Investiu na licenciatura e, depois de graduada, fez concurso para o Estado e passou. Teve medo de não passar no exame médico, mas superou o desafio.
“Estou na cadeira de rodas agora, mas eu nem sempre estive. Até os 10 anos, eu fiquei sem caminhar, depois comecei a caminhar perfeitamente. Depois me locomovi com a ajuda de órteses e, desde novembro de 2013, voltei à cadeira de rodas”, explica.
Durante o período em que foi professora, a única aceitação que não teve, por parte dos alunos, foi por ser “profe” de Matemática. “Falavam que não iriam me aceitar porque professor é modelo de virtude e físico, que eu não era aquele modelo e os alunos não iriam aceitar”, conta ela. Mas a reação dos estudantes foi diferente.
Hoje aposentada, a rotina de Dora é mais tranquila, passa grande parte do dia em casa e sai para ir ao Centro buscar aviamentos e ir até a Fisioterapia.
o que diz a Prefeitura?
A reportagem do Ibiá procurou a Prefeitura para saber as estratégias que têm sido adotadas, ou planejadas, para beneficiar os deficientes e promover mais acessibilidade, mas não houve retorno.
Na Diretoria de Trânsito, o responsável pelo setor, Alex Sandro da Silva, explicou que cabe a ele somente demarcar as áreas de estacionamento para deficientes, fiscalizar a aplicação, orientar e emitir credenciais para utilização destas vagas (documento que pode ser retirado pelos motoristas). A Diretoria está localizada na rua Doutor Flores, 76.
Conselho luta por direitos
Criado em 2010, por meio da Lei 5.228, o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de Montenegro (CMDPDM) é um órgão representativo e colegiado, deliberativo e fiscalizador da Política Municipal da Pessoa com Deficiência, vinculado administrativa e financeiramente à Secretaria Municipal de Saúde e Ação Social. Em 2012, o órgão perdeu força e deixou de atuar tão efetivamente. Em 2015, foi retomado com apoio de vereadores.
Hoje o grupo de representantes, seis da sociedade civil e seis de órgãos governamentais, reúne-se para debater estratégias de apoio aos deficientes. Valdair da Rosa Silva, presidente do Conselho, diz que, em termos de Município (Prefeitura), não há ações que beneficiem os deficientes. “O Município deixa muito a desejar. A gente, como Conselho, tenta fazer alguma coisa”, afirma.
Nos espaços públicos, a infraestrutura não leva em consideração os detalhes que possibilitam o acesso de cadeirantes, deficientes visuais, auditivos, ou até mesmo pessoas de mais idade. “O Município não se preocupa em nada com a acessibilidade”, lamenta.
A Prefeitura, segundo ele aponta, é um grande exemplo de falta de acessibilidade. Primeiro pelos degraus já na entrada e, depois, pela escada caracol que leva até o gabinete do prefeito. “Se uma pessoa com deficiência quiser falar com o prefeito, ou ele desce até lá embaixo ou então não fala. Porque, lá em cima, não tem como subir”, constata Valdair.
Para ele, a acessibilidade vai muito além da arquitetônica. “O grande problema que nós enfrentamos em Montenegro é a conscientização da população. A comunidade não tem consciência da dificuldade das pessoas, da diferença, do que é uma calçada bem conservada, o que é preparar uma pessoa com dificuldade, independentemente da deficiência”, alerta.
A sugestão dele é de que as pessoas olhem mais uns aos outros. Ter empatia, de modo geral, tendo deficiência ou não. “A partir do momento em que a pessoa olha para o seu semelhante ela vai perceber que pode fazer alguma coisa”, defende o presidente.
Valdair tinha 42 anos quando perdeu a visão em um acidente de trabalho. Hoje com 52, mantém-se forte na luta por política públicas que contemplem os deficientes. “Moro aqui (em Montenegro) desde 1994, mas pouco parava aqui, sempre estava viajando a trabalho. Depois que perdi a visão, percebi o quanto falta de acessibilidade. Aí fui buscar mias informações para poder fazer algo”, conta. Foi assim que a rotina de encontros, debates e reuniões surgiu em sua vida.