Faixa preta coroa parceria de uma década no jiu-jítsu

MARI LOPES e Edna Vargas iniciaram juntas e conquistaram a nova faixa recentemente

Em 2014, duas mulheres entraram pela porta da academia Pinto BJJ com o objetivo de se desafiar em uma nova modalidade. De lá para cá, passaram-se 10 anos e a parceria entre Mari Lopes e Edna Vargas se fortalece dia após dia. Recentemente, no mês de junho, elas foram graduadas na faixa preta do jiu-jítsu e se tornaram as primeiras mulheres da escola e do município nesta faixa.

Mari ingressou no esporte por incentivo de Luciano Pinto, professor da academia e com quem tem uma filha. Já Edna trocou o muay thai pelo jiu-jítsu, e hoje considera o este seu esporte do coração. Na época, elas não imaginavam, mas o começo na modalidade, praticamente juntas (aproximadamente um mês de diferença), foi o início também de uma grande parceria.

Em entrevista exclusiva, Mari e Edna passaram a limpo suas trajetórias no esporte, recordaram conquistas, falaram sobre os desafios, exaltaram a amizade e celebraram a conquista da faixa preta.

O início no jiu-jítsu
Mari Lopes: Comecei por indução do Luciano. Começamos um relacionamento, ele sempre foi super apaixonado pelo esporte. A primeira coisa que ele me ensinou foi dar um mata-leão, para eu aprender a me defender. E ele foi mostrando como o esporte visava bastante a parte da defesa pessoal, para mulher é muito importante. Isso há 10 anos, imagina hoje. Comecei fazendo aulas particulares, e ele convidava pra vir para as aulas coletivas. Depois, vi outro lado do esporte, que tem a parte do acolhimento, de amizade, de família, e não saí mais do coletivo. Me apaixonei pelo esporte. Ele te mostra o quanto tu é capaz, mesmo quando tu não acredita em ti, há pessoas em tua volta que fazem tu acreditar em ti. O Luciano faz tu acreditar no teu potencial, e cada um tem seu potencial individualizado. Tu não és igual nem a A, nem a B, mas tu vais conseguir.

Edna Vargas: Venho de outro esporte, o muay thai, que pratiquei por dois anos. Então, surgiu o interessante para tentar a modalidade do jiu-jítsu, e marquei uma aula experimental… Em novembro vai fazer 10 anos.

Trajetória na modalidade
Mari: Tem dias que a gente não acredita em si mesma, é normal. Gostei de competir, antes da gestação, e depois que tive a Cecília (filha) competi também. Gosto da parte de ser aluna, mas também de ser professora, porque tem a turma baby comigo, os menores, tem uns alunos que tem fralda ainda e fazem aula, e sou auxiliar na aula dos kids. Essa parte é muito gratificante, pois tu tens o retorno. Em relação às conquistas nos campeonatos, sou bicampeã mundial da CBJJE, em 2019 e 2021 (nesse ano também fui vice no Absoluto). Fui campeã do Open no Paraguai em 2016, em Floripa, na Sakura Cup… Para mim são medalhas que têm histórias. Visamos bastante o Mundial, é um campeonato muito importante. Pretendo voltar a disputá-lo e tentar o tricampeonato.

Edna: Esses 10 anos têm muito significado. Tenho muito amigo, muita história, muita coisa que aconteceu nesse período. Perdas, conquistas, lesões, e era aqui, sempre, o meu conforto. O esporte, além de me fazer muito bem, me traz um conforto para o meu coração. O jiu-jítsu é o esporte do meu coração. Lutei dois mundiais, fomos entre vários colegas. É uma emoção, porque é um campeonato muito grande. É outra sensação. São pessoas do mundo todo, de lugares diferentes, de academias diferentes, muitas vezes tu encontra ídolos do esporte, que tu só vê na rede social. Isso é muito legal, fazer parte dessa competição, é uma experiência que tenho guardada no meu coração.

Desafios e dificuldades
Mari: Começa justamente dentro da família. É impossível uma mulher chegar para treinar sem que alguém dentro da família (pode ser um membro) ter dito “que não era pra ela, que era esporte de agarração”. As pessoas têm o costume de não ver o jiu-jítsu como uma prática esportiva e de defesa pessoal. Quando tu por um kimono e vir treinar, com a questão da defesa pessoal, pra mulher, é surreal. Se para um homem já faz bem, imagina para mulher. Pra mim foi maravilhoso. Eu instigo todo mundo que conheço, tirando essa parte do preconceito inicial dentro da família. Vindo pra cá, o preconceito vai ser tu contigo mesmo. Tu vai se desafiar. Os colegas te acolhem. Segundo desafio: tem que conciliar família, rotina, casa, filhos, trabalho, toda parte biológica feminina, que é contra a gente, toda a parte estética. Às vezes tu abre mão de ter uma unha mais longa, um cabelo melhor aparentado, abre mão de encontros com amigos, porque tu quer estar aqui para treinar. Eu sou a minha prioridade. A sociedade como um todo custou a aceitar, a modalidade foi muito maltratada no início, com toda história relacionada a briga. Hoje em dia a gente preza muito para tentar mostrar o lado positivo, que é a realidade. A disciplina. Ninguém se distingue aqui no tatame por valor de salário, por carro que está no estacionamento.

Edna Vargas e Mari Lopes são as primeiras mulheres na faixa preta do jiu-jítsu em Montenegro

Edna: No jiu-jítsu, tem uma modalidade que é o Absoluto (que reúne todos os pesos). E para nós mulheres, a gente tem um absoluto todos os dias, dificilmente terá um homem pesando a mesma coisa que tu, que tenha o mesmo tamanho, e de maneira nenhuma tem como comparar a força. São várias dificuldades, a gente é mãe, trabalha, tem casa. Por isso, é muito importante e sou muito grata aos meus colegas, pois eles dão força e incentivo pra gente continuar. Se fosse só pelo tamanho, a gente já teria desistido, porque não tem como competir e equiparar. Então, acredito que o incentivo dos colegas é o que mais motiva a gente a ter continuado nessa trajetória.

A parceria de uma década
Mari: Eu e ela (Edna) viemos lá do início, apenas um mês de diferença. Começamos a graduação juntas, tinha mais alguns colegas nos acompanhando, éramos entre cinco. Mas para chegar à faixa preta, chegamos só nós duas. Alguns ficaram pelo caminho, outro ainda treina, mas está na faixa marrom. A gente sempre disse: ninguém larga a mão de ninguém, vamos até o final. Às vezes uma está mais desanimada, mas vamos lá. Às vezes acontecia algum imprevisto, uma de nós ficava uns dias sem treinar. Nosso objetivo era chegar até a preta, e agora é seguir além. A gente sempre foi muito parceira. Se for ver, tanto a personalidade, quanto o biotipo, somos muito diferentes. Mas a nossa paixão pelo jiu-jítsu é igual, e essa parceria vem desde 2014.

Edna: Começamos a treinar na mesma época. Fazíamos as aulas em horários diferentes, mas começamos nós duas e outros três colegas. Esses colegas foram ficando a cada graduação. E nós tínhamos o mesmo objetivo: ninguém larga a mão de ninguém, vamos ficar até o final. E a gente sempre se apoiou muito. Eram pouquíssimas mulheres na época, então procuramos nos apoiar, seguimos fortes, a gente se apaixonou pelo esporte. Sempre fomos muito unidas, e estamos juntas até hoje.

As duas atletas iniciaram no jiu-jítsu juntas, em 2014. Foto: arquivo pessoal / Mari Lopes

Faixa preta
Mari: É super importante, por sermos as primeiras de Montenegro e região. Muito importante para a visibilidade no lado feminino. Não desqualificando os homens que são faixa preta. Nós começamos com 36 anos, já é difícil sair da tua zona de conforto e ingressar num esporte de luta, novo, sem conhecer ninguém e permanecer ali por 10 anos. Não é fácil. E juntas, ninguém derruba ninguém, nunca existiu competição entre eu e ela (Edna), parece um sonho. A gente almejava (a faixa preta), e agora é um novo início, a postura é outra, há novos aprendizados. É um sonho pensar que faz 10 anos, quantos colegas passaram pelo tatame e não persistiram.

Edna: Pratico o esporte há 10 anos, e nesse período tive lesões, percalços, sempre pensando que a faixa preta era algo muito distante… até que foi se aproximando, foi dando aquele medo, o frio na barriga. No dia da graduação, o professor falou: “hoje começa o jiu-jítsu”. Confesso que fiquei com um pouco de medo disso (risos). Foi a frase que me marcou e vou fazer jus a essa faixa preta e a confiança que ele teve em mim. Espero que outras colegas não desistam, persistam e cheguem aqui como nós duas chegamos. Fomos as primeiras da academia, e tenho certeza que não seremos as únicas mulheres na faixa preta da academia. É um esforço que vale a pena, porque é um esporte belíssimo, inteligente, sem falar nas amizades que construímos aqui. A faixa preta veio para coroar isso.

Últimas Notícias

Destaques