Mesmo que em um curto período, suplente já encaminhou pertinentes projetos à Câmara
Ao assumir o cargo de suplente na manhã da última sexta-feira, 4 de fevereiro, Fabrícia de Souza fez história. Tornou-se a primeira pessoa negra a ocupar o cargo de vereadora em Montenegro. Filiada ao Progressistas, a parlamentar assumiu no lugar de Talis Ferreira, que está como prefeito em exercício na ausência do titular, Gustavo Zanatta, e do vice-prefeito, Cristiano Braatz. Será uma passagem curta – Talis deve retornar já nesta quarta-feira -, mas Fabrícia conhece bem a importância da conquista. Com ela, já fez encaminhamentos relevantes ao Legislativo.
“Para mim é muito emocionante assumir, porque a gente vem de lutas grandiosas”, declara. “Eu sempre analisei isso e eu vejo que o negro não tem representatividade em parte alguma do Município. Eu não vejo negros em bancos, em cartórios, nesses lugares importantes, porque a gente não tem essa abertura. Hoje, eu estou me dedicando e estou estudando pra tentar mudar isso no nosso Município. Para que as pessoas vejam que nós, negros, temos capacidade”.
De encontro ao sentimento que carrega consigo em seus 43 anos de idade, a vereadora já protocolou, na manhã dessa segunda-feira, 7, projeto de lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial de Montenegro. Amplo, o dispositivo propõe ações voltadas a garantir a igualdade de oportunidades e o combate à discriminação da população negra. Ele trata de vários aspectos.
Na Saúde, por exemplo, aponta pra ações concretas de combate a doenças prevalentes entre os negros. Na Educação, à garantia do ensino da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena. Na Cultura, no incentivo à celebração de personalidades e datas relacionadas ao samba e outras manifestações de matriz africana. Na Administração pública, com 30% do total de cargos garantidos a pessoas negras; e com capacitações aos servidores para o combate ao racismo institucional. O projeto será lido na sessão desta quinta-feira, dia 10, para entrar em análise na casa.
“Mas eu não tenho uma bandeira só”, adiciona a legisladora. “E também não atuo sozinha. Eu busco as pessoas que têm algum conhecimento pra acrescentar. Como são muitas coisas a se fazer, eu fui buscando com a amiga tal, com os protetores dos animais”, exemplifica. Fabrícia protocolou indicações e também outros dois projetos de lei: um que cria a Semana de Conscientização da Saúde Bucal e outro que determina, mensalmente, a realização de uma sessão de cinema adaptada a jovens e crianças com transtorno do espectro autista.
Histórico de ações voluntárias impulsionaram a candidata
Montenegrina criada no bairro Santo Antônio e moradora do Centenário, a primeira pessoa negra a assumir cargo na Câmara de Vereadores de Montenegro se filiou ao Progressistas em 2016. Sua relação com a política, ela destaca, nasceu da vontade de ajudar o próximo e transformar a cidade pra melhor. “Eu sempre fui voluntária. Se alguém me liga que precisa de ajuda, eu vou atrás, busco doação, vou pro Facebook. As redes sociais ajudam bastante nisso”, lembra Fabrícia.
Nas eleições do ano da pandemia, foi justamente nas redes que a suplente conseguiu chegar a mais pessoas, realizando lives em sua página no Facebook. “Eu sou bem envergonhada para falar, mas foi indo e eu consegui desenvolver”, relata. Fabrícia conquistou 496 votos, quantia relevante que lhe colocou em segundo lugar entre os suplentes do Progressistas. À sua frente estava a amiga Sarita Silva, que acabou optando por deixar o partido e abriu mão do posto.
Pega de surpresa quando soube que assumiria a cadeira de Talis horas antes da posse, a vereadora ainda se emociona com o feito. “Parece que não caiu a ficha ainda”, confidencia. “Muitas pessoas estão me abraçando, felizes por mim. Foi de Deus mesmo isso.”
A posse, na sexta-feira, ocorreu no Plenário Edgar de Oliveira, na Câmara. Na correria, apenas uma das três filhas de Fabrícia conseguiu folga do trabalho para acompanhar o ato, ao lado de alguns vereadores. Titular do cargo, o prefeito em exercício, Talis Ferreira, também esteve lá. “Quando as eleições encerraram, eu falei pra Fabrícia que ela tinha perdido a batalha, mas não a guerra. Que mais para frente o sucesso viria. E veio”, declarou.
Após esse período, a vereadora deve voltar a assumir cargo no Legislativo no período de licença do vereador Ari Müller, também do PP, que ainda não tem data definida. Talis também é pré-candidato do partido a deputado estadual e, no caso de sua eleição, cederá o cargo na Câmara para a suplente pelos dois anos finais de mandato. Fabrícia já dá como certo que volta a concorrer em 2024. De planos para o futuro, destaca um grande sonho que carrega consigo: tirar do papel a criação de uma casa de amparo para os jovens órfãos que deixam o abrigo na maioridade.
Voltada à Educação
Fabrícia destaca ser grande defensora do papel transformador da Educação. Em sua trajerória de vida, a falta de chances de estudar foi marcante. Por isso, ela lembra que, quando optou por concorrer ao cargo, também decidiu que iria buscar se qualificar a ele. Foi quando iniciou os estudos para sua formação em Gestão Pública, que estão por ser concluídos no ano que vem. “Ainda é um pouco difícil, porque eu tenho que trabalhar e estudar, mas é que eu não tinha tido essa oportunidade antes”, relata.
“Eu saí de casa bem cedo, com treze anos. Trabalhei como empregada doméstica e eu não tinha como estudar porque, quando a gente mora no emprego, o empregador não dá essa possibilidade de estudar de noite. Na minha época, tinha que ficar no trabalho a semana toda ou ir pra casa só de quinze em quinze dias”, conta. Apesar das dificuldades, ela conseguiu concluir o Ensino Médio antes de buscar a graduação. Hoje, Fabrícia trabalha como promotora de vendas, mas também já atuou como funcionária da JBS e como cuidadora de idosos. “Eu me viro nos trinta”, brinca.