O êxodo rural é uma realidade que preocupa as cidades que têm sua economia baseada na produção primária. O fenômeno é caracterizado por pessoas – principalmente jovens – que optam por sair do campo e buscar melhores oportunidades nos centros urbanos. Dados do IBGE demonstram que, no Estado, a população rural diminuiu 17,85% de 2003 para 2015. Já a urbana teve um crescimento de 11,18%.
As consequências são múltiplas. Com a migração, o crescimento populacional desordenado das cidades acaba acarretando, dentre outros problemas sociais, a ampliação da mão de obra barata e aumento do desemprego, o crescimento das periferias e das ocupações urbanas irregulares. Na outra ponta, sem os jovens, o futuro do meio rural, da agricultura e da produção de alimentos corre perigo.
Na onda contrária a este fenômeno, o Jornal Ibiá traz a história de três jovens que não só ficaram no campo, mas largaram empregos na área urbana para atuar no meio rural. Na faixa dos 25 aos 31 anos, os agricultores trazem o espírito empreendedor e a preocupação com o meio ambiente de sua geração para dentro das propriedades. Os sonhos para o futuro são grandes.
Casal que empreende unido permanece unido
Na localidade de Costa da Serra, vive e trabalha o casal Débora Biachi Falleiro, 25 anos, e Jorge Moisés Griebeler, 31. Débora iniciou sua vida profissional na área de estética e Jorge trabalhava no Pólo Petroquímico já há sete anos. Mesmo sem experiência anterior, ambos largaram tudo no ano passado para se dedicarem à agricultura. No campo, projetam uma agrofloresta, uma iniciativa de “Colha e Pague” e uma rede de distribuição de produtos via WhatsApp. É o espírito empreendedor jovem no meio rural.
“Nós fomos em busca de mais qualidade de vida”, resume Débora. Com um filho de um ano e cinco meses, Jorge conta que a rotina acelerada do emprego anterior deixava pouco tempo para o contato com o pequeno. Este foi um dos motivos para a mudança. Na propriedade de um hectare e meio, a produção iniciada em setembro já oferece alface, rúcula, pepino, agrião e couve. Em poucos dias – eles anunciam – já haverá aipim, beterraba e abobrinha. A produção é ecológica, não usa agrotóxicos e os insumos são gerados dentro da própria propriedade.
A preocupação com o meio ambiente e a qualidade do alimento é o foco dos dois. “Aqui não é para encher o bolso de dinheiro. Se fosse, eu usava veneno, produzia e só saía vendendo”, declara o agricultor. Ele revela que, mesmo ainda trabalhando no Pólo, começou a se interessar pela área. Passou a estudar diversas técnicas e cita como inspiração o agricultor suíço Ernst Götsch, que é conhecido pela produção agrícola conciliada para a recuperação de áreas degradadas.
Dentre os procedimentos aplicados pelo casal – alguns são ensinamentos da cultura indígena – estão faixas de vegetação nativa mantidas para o controle de pragas e a busca de bons polinizadores. Nos canteiros, ainda, várias culturas são plantadas misturadas, como forma de “driblar” os insetos. Ali, uma curiosidade: cascas de ovos são colocadas em todo o perímetro, seguindo o conceito de que as borboletas não costumam colocar ovos em locais onde já existem ovos maiores. Além das verduras e legumes, a propriedade tem produção de mel e chás.
Alimento saudável para o consumidor via WhatsApp
Um dos projetos comerciais de Débora e Jorge é a “Cesta Viva”, que começou a funcionar na segunda quinzena deste mês. Para isso, o casal criou uma lista de transmissão no aplicativo de mensagens WhatsApp, onde anuncia os produtos para venda. Os clientes, então, fazem os pedidos e a dupla realiza as entregas que, atualmente, ocorrem nas quartas e nas sextas-feiras.
“O Whats é uma ferramenta muito importante de trabalho”, avalia a agricultora. Ela conta que, em um primeiro momento, a lista foi enviada somente para conhecidos. Mesmo com pouco tempo, o “boca-a-boca” foi fazendo efeito e a procura já é grande. “O pessoal está gostando bastante. Já temos até pedidos para a próxima semana”, conta Jorge.
O empreendedor relata que descobriu a prática em outras cidades e resolveu aplicá-la no município. Seus clientes, ele aponta, são moradores, principalmente, do Centro da cidade, mas já venderam até para consumidores do Pareci Novo usando a ferramenta. A “Cesta Viva” pode ser contatada pelo número (51) 9.9724-0485.
Modelo de negócio diferenciado
Ainda em fase inicial, o casal de Costa da Serra está colocando em prática o projeto “Colha e Pague”. A exemplo dos já conhecidos “Pesque e Pague”, a iniciativa prevê a visita de pessoas que queiram passar pela experiência de colher o próprio alimento. “É uma oportunidade de contato com a natureza. Tem muita criança que nem sabe de onde vêm as coisas”, coloca Jorge. A propriedade já recebeu a visita de algumas famílias e pensa em determinar dias específicos da semana para o projeto.
Além da produção, Débora e o marido possuem uma área de doze hectares de terra na localidade de Muda Boi. Lá, estão planejando uma agrofloresta, com os alimentos sendo produzidos em meio à mata nativa. Sustentável, a prática possibilita uma produção sem danos drásticos à natureza, permitindo, ainda, a recuperação da floresta.
Incentivo ao agricultor busca manter o jovem em atividades no campo
Buscando conter o êxodo rural, algumas políticas públicas tentam incentivar os produtores rurais a burcar melhores resultados. Dentre elas, destaca-se o Plano Safra, com linhas de crédito como o Pronaf; o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE); e, inclusive, as ações da Emater, que presta assistência técnica a centenas de famílias na região.
Em nível local, a secretaria municipal de Desenvolvimento Rural (SMDR) oferece o serviço de máquinas para a abertura de acessos às propriedades, o transporte de materiais e diversas outras atividades. “Este é um povo tão fácil de lidar, que pede tão pouco, mas que pode salvar este país”, afirma o titular da pasta, Ivan Lopes.
Outro importante incentivo existente é a estrutura da Casa do Produtor Rural. Ali, a produção de Jorge e Débora já está com lugar certo para o comércio. Com a atividade ainda em fase inicial, eles planejam iniciar as vendas somente em abril, mas já estão com todas as autorizações necessárias. Neste mês, as últimas vagas da Casa foram preenchidas. Além do casal de Costa da Serra, entraram a Associação Montenegrina dos Fruticultores, a agroindústria Doces Vapor Velho – que produz geléia de bergamota – e o jovem produtor Alexandro de Oliveira Almeida.
“Já morei na cidade, mas não é pra mim”, diz Alexandro
A afirmação de Alexandro Almeida, 29 anos, resume a alegria que ele sente por poder viver no campo. Morador da localidade de Vendinha, ele atua na agricultura há apenas seis meses. Produz, dentre outras culturas, alface, tomate, brócolis, rabanete e aipim. Já tendo morado na área urbana e voltado para a “roça”, descarta qualquer possibilidade de nova mudança. “Lá para fora é um sossego. Para mim, quanto mais para o interior, melhor”, declara.
Na Vendinha, Alexandro viveu do corte de mato, mas diante do baixo rendimento, resolveu trabalhar com os alimentos. A rotina, ele conta, é trabalhosa, mas gratificante. Ele ainda não tem o selo orgânico, mas trabalha sem o uso de agrotóxicos, buscando qualidade no alimento. Hoje, além de sua banca na Casa do Produtor, também tem registro de ambulante. No futuro, ele pensa em abrir uma fruteira.
“A Casa do Produtor é um bom incentivo. Eu estou bem contente que as coisas estão se encaminhando. O alimento é uma coisa que todo mundo compra”, comenta. Tendo aberto a banca há pouco mais de quinze dias, Alexandro percebe um aumento crescente da clientela – muitos voltando de férias neste período. O dinheiro ganho tem sido um importante acréscimo na renda da casa, onde vive ele com os pais e uma irmã. O sonho é crescer ainda mais.
Como conseguir vaga na Casa do Produtor
Para ter uma banca na Casa do Produtor Rural, o agricultor deve abrir um protocolo junto à Prefeitura, fazendo a solicitação. Se houver vaga, a secretaria municipal de Desenvolvimento Rural agenda uma vistoria na propriedade onde, dentre outros pontos, é verificado se o empreendimento é, de fato, familiar e se a unidade disponibilizará uma boa oferta de produtos. Com a autorização, há uma contribuição de cerca de R$ 50,00 para água, luz e limpeza do local.