Instituições sobrevivem às transformações da sociedade para estimular o pertencimento e o orgulho em relação às origens
Na rua, o silêncio é cortado apenas por um ou outro veículo que passa pela estrada de chão batido. Alguma vaca muge ao longe, enquanto os onze alunos ocupam apenas uma das salas do prédio aprendendo, juntos, os conteúdos do primeiro ao quinto ano do Ensino Fundamental. Ali, a professora também é a diretora. Ela é apoiada por uma auxiliar, que cuida da limpeza e da merenda dos pequenos.
A realidade da escola Jacob Haubert, em Sobrado – que após anos de existência, só na semana passada passou a ter água potável encanada – expressa a realidade de muitas das instituições de ensino pelo interior de Montenegro. Como ela, as mais retiradas atendem a poucos alunos em turmas multisseriadas e são diretamente atingidas pelos efeitos do êxodo rural.
Incentivar as pessoas a seguirem no campo, em uma das mais importantes atividades da sociedade – que é a agricultura – tem sido um desafio das políticas públicas há décadas. Para a Prefeitura Municipal, até poderia ser mais barato fechar instituições como a Jacob e direcionar os alunos ao Centro por meio do transporte escolar, mas a existência dela evidencia o esforço para semear o pertencimento entre quem vive no campo.
“É uma política que o município vem fazendo para manter as escolas em função da importância delas para aquelas comunidades”, destaca Marcia Farias, educadora que atua na Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Smec) como coordenadora específica das escolas do campo. “Este histórico de ter poucos alunos não é de hoje e isso oscila. Simplesmente trazer para a cidade é algo que vai descaracterizar o lugar.”
Hoje, existem 17 instituições de ensino na área rural de Montenegro. 14 são municipais e três do Estado. Ao todo, elas atendem a cerca de 1400 crianças e têm portes variados, com a quantidade de alunos influenciada pela proximidade com a área urbana e com a oferta dos anos finais do Ensino Fundamental. Das 17, só seis passam do quinto ano e duas têm a Educação Infantil. Nove delas atuam com turmas multisseriadas, com mais de uma “série” funcionando em uma mesma sala.
Marcia Farias destaca que a variação de estudantes difere de uma localidade para outra, embora a média de atendidos por instituição tenha se mantido nos últimos anos. Na Jacob Haubert, as salas vazias são o resultado de um prédio construído há décadas, quando o número de crianças na localidade era maior. “Sobrado é uma das localidades que mais sentiu o impacto do êxodo, porque tinha bastante população e isso se reduziu há uns 15, 20 anos”, aponta. Em outros locais – na Henrique Pedro Zimmermann, no Passo da Serra, por exemplo – a quantidade cresceu e apertou o espaço.
Opção pelas áreas rurais próximas do Centro da cidade
Neste ano, a Henrique Pedro Zimmermann, no Passo da Serra, passou de 30 para 60 alunos atendidos. Com isso, a instituição, que funcionava apenas na parte da manhã, passou a atuar também nas tardes, com uma turma multisseriada do quarto e do quinto ano; outra do primeiro e do segundo; e uma tradicional com um terceiro ano.
A Henrique tem quase 50 anos de existência e observa um fenômeno também identificado em escolas de localidades como o Faxinal e o Porto dos Pereiras: a característica rural, aliada com a proximidade com a área urbana, tem atraído moradores – muitos vindos de fora – e expandido as comunidades. “Acho que o pessoal procura por ser uma área mais central, só que fora da agitação da cidade”, analisa a diretora da instituição do Passo da Serra, Andrea Paula Rosa.
“Em muitas localidades, a escola é a única coisa que tem”
Não se pode falar em escolas do interior sem pensar na importância das instituições para a comunidade onde estão inseridas. Coordenadora das escolas do campo, Marcia Farias aponta que, principalmente nas localidades mais distantes do Centro, “a escola é a única coisa que tem”. “Acaba sendo uma referência não só para o ensino. Acontecem eventos e até outras coisas, como a Unidade Móvel da Saúde, que acabam sempre indo para a escola”, destaca.
Há comunidades onde isso é muito importante. “Eles têm essa concepção da importância da escola estar em funcionamento. Os moradores têm uma defesa bem importante delas”, acrescenta Marcia.
Quando assumiu a EMEF Bárbara Heleodora, na localidade de Lajeadinho, no ano passado, Larissa Pinto de Paiva pôde observar de perto essa constatação. “Na primeira reunião com os pais, a escola tinha dez alunos e eles comentavam do medo que tinham de a escola fechar”, conta.
Inaugurada em 1977, a Bárbara tem, neste ano, 14 alunos em uma turma multisseriada que atende primeiro, segundo, quarto e quinto anos simultaneamente. Ela “absorve” também algumas crianças de Linha Catarina. Para 2019, a diretora já sabe – pelo contato direto com a comunidade – que sairão cinco alunos formados e entrarão outros dois, que cresceram nas redondezas até a idade da matrícula.
Ali, toda a comunidade participa dos eventos da escola – mesmo os que não têm filhos matriculados. Foram os próprios pais que edificaram uma área coberta para eventos e que, agora, estão se organizando para a construção de uma “casinha” para os pequenos brincarem. “A instituição é uma referência e todos participam e ajudam a trabalhar”, destaca a diretora Larissa. A escola é o “centro” de Lajeadinho e atividades como a conscientização sobre a separação do lixo, por exemplo, acabam transformando toda a localidade.
Trabalhando o pertencimento ao campo
A última escola do interior a fechar em Montenegro foi a Anitta Machado Rosa, no Pesqueiro, há cerca de dez anos. A instituição era estadual e sofreu o impacto de uma política de governo que, para cortar gastos, fechou as escolas consideradas “pequenas”. A notícia foi um baque para a comunidade que, até hoje, lamenta o encerramento das atividades.
Mas as políticas têm mudado. Incentivando a lida no campo, o Ministério da Educação conta com projetos como o “Escola da Terra”, que recentemente formou alguns professores em necessidades específicas das escolas rurais. Os próprios livros didáticos também são diferenciados. A mesma lição das instituições urbanas é passada, mas com conteúdos que dialogam com a realidade em que os alunos estão inseridos.
Na Smec, a busca pelo pertencimento se destaca, principalmente, no fomento dos projetos anuais que são focados na territorialidade. São eles que são expostos na tradicional FeRural, que já ocorre há 24 anos no município. “Eles ficam o ano todo com uma temática que valoriza o local e envolve a comunidade”, destaca a coordenadora Marcia Farias.
Na Henrique Pedro Zimmermann, por exemplo, o projeto deste ano traz a empresa John Deere como tema de fundo para a abordagem das máquinas agrícolas e seus impactos na vida do homem do campo, trabalhando o cuidado e a preservação e destacando o valor da atividade. Na Bárbara Heleodora, o trabalho é sobre a bergamota montenegrina, que buscou a apreciação do trabalho rural em atividades como o acompanhamento de uma colheita, a visita de uma engenheira agrônoma e o encontro com uma descendente do descobridor da qualidade.
Em Lajeadinho, a diretora Larissa destaca que a pergunta ‘o que você quer ser quando crescer’ já é respondida por grande parte dos aluninhos como: citricultor. “Só algumas meninas que eu ainda não sei se ficarão no campo. Deles, muitos já trabalham com os pais e alguns já até dirigem trator”, comenta. A educadora salienta que o desafio, além de incentivar o pertencimento, é fomentar a continuidade da educação após a saída da escola.
A qualificação, hoje, tem se destacado como importante característica no meio rural. Para Marcia, da Smec, o interior está diferente. “Não é só tu pegar uma enxada. Hoje, para trabalhar, tem que ter conhecimento. Existem equipamentos diferentes e inovações e a própria gestão da propriedade precisa ser feita para a pessoa conseguir crescer”, pontua.
Os reflexos da silvicultura e da citricultura
A migração de pessoas em busca de trabalho para a área rural de Montenegro não é um fenômeno muito acentuado. À frente das escolas do interior, Marcia Farias observa que, em relação à área da silvicultura – mais forte na região de Muda Boi – o aumento populacional não é considerável, visto que a atividade abarca, principalmente, a mão de obra local.
No que se refere à região da citricultura, existe certo impacto, já na época do raleio da bergamotinha verde. Marcia destaca que escolas como a Bárbara Heleodora, em Lajeadinho, e a Profª Mafalda Padilha, em Campo do Meio, sentem a vinda de algumas famílias. “A gente percebe que algumas vêm para trabalhar, mas aí ficam morando. Não chega a ser uma sazonalidade de ficar três, quatro meses e sair”, aponta.
Como funciona, na prática, uma turma multisseriada
Marcia Farias aponta que a existência de turmas multisseriadas – com diferentes séries funcionando em uma mesma sala e com um único professor – vem de anos e acaba sendo a única opção em localidades com dois ou três alunos em cada nível. Existem formações específicas para a condução de turmas do tipo, que só são aplicadas nas séries iniciais – entre o primeiro e o quinto anos do Ensino Fundamental.
A educadora explica que o ponto principal de uma multisseriada é o planejamento. “Eu vou ter que procurar instrumentos variados”, ressalta. “A professora tem que ter uma flexibilidade e saber que não pode dar atividades em que todos vão precisar dela no mesmo momento. Tem que ser dinâmico e tu até pode propor a mesma atividade para todos, mas cobrar o desenvolvimento de habilidades diferentes.” Enquanto uma série mais autônoma realiza uma atividade, outra recebe explicações e assim sucessivamente.
A coordenadora observa que o método vai ao encontro da nova Base Nacional Comum Curricular, que já prevê conhecimentos que perpassam os cinco anos iniciais, mas com cobranças diferentes. “No geral, o objetivo é que a criança possa construir o conhecimento com atividades criativas e desafiadoras”, conclui.