Do pião à realidade virtual. Com o objetivo de promover a socialização, a Escola Municipal Dr. Walter Belian incentiva os alunos a brincar à moda antiga
Nos últimos 20 anos, o conceito de brincadeira mudou consideravelmente entre as crianças. Amarelinha, polícia e ladrão, queimada, esconde-esconde, pega-pega, ciranda e bandeirinha eram algumas das muitas diversões que preenchiam tardes e finais de semanas da garotada até meados da década de 90.
Com o advento da tecnologia, muitos aspectos mudaram no comportamento da sociedade, onde a forma de brincar também sofreu alterações e ganhou outras proporções. Em plena era da informação, muitas crianças acabam se prendendo às telas de celulares e computadores e não têm a oportunidade de conhecer outras maneiras de se divertir. Foi diante dessa realidade que a Escola Municipal de Ensino Fundamental Dr. Walter Belian decidiu resgatar as brincadeiras de rua que fizeram a alegria de muitas gerações no passado.
A professora da instituição Liane Wagner Tibola, comenta que, após as mudanças ocasionadas pelas novas tecnologias, muitos problemas de saúde surgiram em decorrência do uso desproporcional desses meios. “As crianças estão com problemas de coordenação, equilíbrio, falta de atenção, estressadas e cada vez mais impacientes”, destaca a professora. “Então eu coloquei a situação na reunião de pais, propondo uma educação física diferente, e a reposta foi muito positiva. Teve até uma mãe que doou R$ 200,00 para a compra de materiais”.
Foi através de alongamentos, roda de massagem coletiva e atividade grupal que a professora conseguiu resgatar com os alunos antigas brincadeiras. A cada duas semanas, a educadora leva aos estudantes uma “novidade”, seja em forma de bambolê, de brinquedo vai e vem ou pula corda ou corrida de chapéus, o objetivo é fazer uma educação física direcionada, buscando o desenvolvimento saudável das crianças. “Em apenas seis meses de atividades, percebi uma melhora na coordenação motora ampla e fina, as letras estão mais bonitas e a integração entre eles evoluiu significativamente”, festeja Liane.
De acordo com a professora, um dos saldos mais positivos é a interação entre as crianças, principalmente no que diz respeito à inclusão social. Ela conta que tem dois alunos com deficiência e, no início das brincadeiras, notou certa resistência por parte dos demais, que não queriam incluir os dois nas disputas.
“Um dia, o time em que um desses alunos estava ganhou uma competição e abriu espaço para o debate, assim, podemos discutir essa questão em sala de aula e fomos muito além. Conversamos a respeito de pessoas com deficiência que participam de grandes competições e maratonas e a importância da superação”, revela a professora.
É a partir dessa iniciativa que as crianças aprendem a conviver e a dividir, o que é fundamental quando elas não têm a oportunidade de exercitar essas habilidades no âmbito familiar. Assim, as brincadeiras à moda antiga acabam por proporcionar novas experiências aos pequenos e uma infância mais rica e saudável.
O estudante Rafael Schu, 8, revela que brincar dessa forma com os amigos na escola está na lista das coisas que ele mais gosta de fazer atualmente. “Meu pai tem videogame em casa, mas eu nem pego, correr e jogar bola é mais divertido, eu gasto energia”, diz o pequeno artilheiro.
Brincar é saudável, especialmente em grupo
Longe das telas dos computadores e smartphones, a estudante Antônia Machado, 9, revela que até gosta dos jogos virtuais, porém, depois que conheceu as brincadeiras apresentadas pela professora Liane Wagner Tibola, passou a se divertir muito mais. “Aqui [na instituição] a gente aproveita melhor a companhia dos colegas e, juntos, nos divertimos com as atividades que a professora passa, mas a minha preferida é o bambolê”, diz Antônia.
Para a professora Liane Wagner Tibola, a tecnologia tem sua importância e é necessária no cotidiano da população, porém, é preciso ter um controle maior sobre o uso dessas ferramentas para que não surjam problemas futuros. “As crianças de hoje gastam muito tempo nas bases eletrônicas, por isso, eu defendo a idade de que tenha um momento só para isso, um controle maior”, ressalta Liane. “Isso serve para todos, adultos e crianças”.
Braço direito da professora, a monitora Eduarda Souza comenta que é das brincadeiras coletivas que as crianças mais gostam. “É automático: quando elas saem para as atividades, as que se desenvolvem em grupo são as mais requisitadas, elas já compreenderam o quanto é divertido e saudável essa forma de brincar”, salienta Eduarda.
Brincadeiras antigas que fizeram a infância de muita gente
Amarelinha: risca-se a amarelinha no chão, de 1 a 10, fazendo no último número um arco para representar o céu. Pula-se com um pé só, dentro de cada quadrado.
Bolinha de gude: essa brincadeira tem várias formas de se jogar, como box, triângulo, barca e jogo do papão, onde os participantes devem percorrer determinados caminhos, batendo uma bolinha na outra e, ao final, acertar as caçapas.
Pula corda: duas pessoas batem a corda e outra pula. Durante a execução da brincadeira os batedores vão cantando “um dia um homem bateu na minha porta e disse assim: senhora, senhora, põe a mão no chão; senhora, senhora, pule de um pé só; senhora, senhora, dê uma rodadinha e vá pro meio da rua”. Ao final, o pulador deve sair da corda sem errar.
Escravos de Jó: dois participantes cantam a música “escravos de jó, jogavam caxangá, tira, põe, deixa ficar, guerreiros com guerreiros fazem zigue, zigue zá”. Cada um com uma pedrinha na mão vai trocando-as e fazendo o que diz a música.
Pião: um pião de madeira enrolado num barbante. Puxa-se a ponta do barbante e este sai rodopiando. A grande diversão é observar o pião rodando até cair.
Empinando pipa: é preciso escolher um local adequado e amplo, onde não tenha fios de energia elétrica. Assim, a pipa vai subindo com o vento e os participantes a ficam observando. O legal é abusar das cores na hora de produzi-las.
Batata quente: os participantes sentam-se em círculo e uma pessoa fica de fora. Vão passando uma bola, bem rápido, de mão em mão e o que está de fora, de costas para o grupo, grita “batata quente, quente, quente, …, queimou!”. Quem estiver com a bola quando o colega disser ‘queimou’, é eliminado da brincadeira. O vencedor será aquele que não for eliminado.
Passar anel: os participantes ficam com as mãos juntas e um deles com um anel escondido. A pessoa que está com o anel vai passando suas mãos dentro das mãos dos outros participantes até escolher um deles e deixar o anel cair em suas mãos, sem que os outros percebam. Depois escolhe uma pessoa e pergunta-se “fulano, com quem está o anel?” e a pessoa escolhida deve acertar.
SAIBA MAIS
A brincadeira é uma atividade, seja individual ou coletiva, que se diferencia de tantas outras por ter caráter lúdico e por apresentar alguma forma específica de estrutura ou de regras. Em termos gerais, é uma prática estruturada de entretenimento ou distração, como, por exemplo, a queimada ou o esconde-esconde. As regras propostas em muitas brincadeiras são flexíveis e podem até ser modificadas, sendo interessante que os participantes interfiram e inventem sua própria forma de brincar.