Equiparação de injúria racial ao crime de racismo: avanço contra discriminação racial

“NÃO EXISTEM ‘histórias’ sobre pessoas que passaram por injúria racial e racismo, há crimes que devem ser combatidos”

“Não existem ‘histórias’ sobre pessoas que passaram por injúria racial e racismo, existem crimes que devem ser combatidos e punidos”, a observação do presidente da Comissão de Igualdade Racial da subseção da OAB de Montenegro, Leonardo Santos Franco, traz à reflexão de que por trás de cada frase de cunho discriminatório há um ser humano e um trauma. Para quem passou por isso, relatar o caso que viveu causa nova dor e o sentimento de impunidade. Contudo, a sanção presidencial que equipara injúria ao crime de racismo dá esperança por mais igualdade e respeito.

A equiparação do crime de injúria racial ao de racismo, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, corrige uma distorção, afirmam especialistas ouvidos pela Agência Brasil. O crime de racismo está previsto na Lei 7.716 de 1989, mas em 1997, sofreu uma mudança que acabou criando a diferenciação entre as ofensas racistas dirigidas diretamente a uma pessoa e a discriminação racial. Assim, na prática, a injúria se tornou um crime menos grave, com pena menor, que poderia ter a possibilidade de punição extinta após um prazo determinado, diferentemente do racismo, que é imprescritível.

Do mesmo modo, a injúria racial previa a possibilidade de o acusado responder em liberdade com o pagamento de fiança, o que não é autorizado no caso de racismo. Mas agora as coisas mudaram. “A pena para o crime de injúria racial é de reclusão de 2 a 5 anos e multa, conforme preceitua o artigo 2º-A da Lei 7.716/1989, podendo ser aumentada em determinados casos”, explica Leonardo.

A curadora da página Montenegro em Negrito, Jordana Porto da Silva, diz que para quem sofreu injúria, e até mesmo para quem poderá vir a sofrer, a equiparação traz sensação de um pouco mais de justiça e proteção. “Essa alteração passa um recado às pessoas que cometem esse tipo de crime, deixando-as em alerta para a questão”, opina.

Jordana comenta que, até hoje, não sofreu injúria. Porém, pessoas à sua volta sentiram na pele a arrogância de seres humanos que não sabem se colocar no lugar do outro. A jovem relata que uma pessoa próxima a ela sofreu injúria em forma de comentário ofensivo. “A pessoa branca que estava contratando a mulher negra para trabalhar como cozinheira disse que seu sonho era ter uma negra gorda trabalhando na cozinha dela”, conta Jordana.

“Para a pessoa que fez a injúria e riu, foi como se não ofendesse. Aliás, foi motivo de orgulho. Como nos tempos do Brasil colônia. Porém, se isso ocorresse hoje seria uma forma de injúria racial, pois o crime inclui a forma recreativa do uso do racismo como pena”, destaca a curadora.

Jordana vê a mudança na lei como algo que demonstra evolução nas questões de combate ao racismo, e que deve estimular as denúncias por injúria. “Estamos caminhando para enfrentar o racismo, mas precisamos avançar muito. A realidade que temos nos leva a pensar que o Brasil precisa passar por letramento racial e mudanças na perspectiva educacional”, opina.

Leonardo Santos Franco. Foto: arquivo pessoal

O que configura injúria racial e questões relacionadas
O advogado Leonardo Santos Franco explica que, segundo a redação dada pela Lei 14.532/2023, a injúria racial ocorre quando alguém ofende a dignidade ou decoro de outra pessoa, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional. “É quando alguém ofende aquela visão que a pessoa tem de si mesma em função de sua raça, cor, que, nas infinitas vezes é em razão da pessoa ser negra.”

 

É preciso fazer mais

Jordana Porto da Silva. Foto: arquivo pessoal

Para o presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB, Leonardo Santos Franco, apenas a equiparação da Lei não trará grandes mudanças. É preciso aumentar a efetividade na punição a quem cometer crimes de racismo. “Deve haver mudança de mentalidade daqueles que devem punir, julgar, os racistas. Para isso entendo ser necessário mais delegacias especializadas em crimes de racismo/injúria racial”, fala o advogado.

“O racismo é um crime que destrói a imagem que a pessoa tem de si mesma, faz com que passe a não gostar de si em razão de sua cor. O racismo se perpetua dentro da sociedade há muito tempo de forma que sequer conseguimos enxergá-lo, passando a minimizar, humilhar e matar negros e negras diariamente”, ilustra Leonardo.

Jordana Porto também defende a necessidade da ampliação das discussões e debates que apontem para caminhos que possam ser trilhados rumo à democracia racial. “O racismo sendo estrutural e como engrenagem da nossa sociedade, sempre estará acontecendo. Cabe a nós, enquanto sociedade civil, educadores, legislativo e todas as demais esferas, procurarmos fazer cumprir a lei.”

Como denunciar crimes de injúria ou racismo?
Conforme o presidente da Comissão de Igualdade Racial, assim como qualquer outro crime, a denúncia deve ser feita na Delegacia de Polícia. Leonardo informa ainda que em Porto Alegre existe uma delegacia especializada de combate à intolerância que deverá ser acionada em caso de crimes de injúria racial. “O crime de injúria racial é inafiançável e imprescritível, conforme dispõe o artigo 5º, inciso XLII da Constituição Federal”, alerta o advogado.

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