Calamidade e evacuação de bairros nos dias de cheia do Rio Caí
Montenegro enfrenta a maior enchente da história, na semana em que completa seus 151 anos. Desde segunda-feira, dia 29 de abril, volumes elevados de chuva têm castigado o município.
Na quarta-feira, dia 1º de maio, às 17h, as autoridades de segurança confirmaram o que já se temia: o nível do Rio Caí atingiu 9,41 metros na cidade, estabelecendo um novo recorde de cheia. Mais tarde, às 21h, esse número subiu para 9,55 metros, de acordo com dados da CPRM. Anteriormente, a maior cheia havia sido em 1941, quando o rio alcançou 9,20 metros.
Já na manhã desta quinta-feira, dia 2, a água ultrapassou 10 metros de altura. Também pela manhã, o prefeito Gustavo Zanatta decretou situação de Calamidade Pública em Montenegro. A medida leva em consideração os prejuízos ocasionados pelos altos acumulados de chuva, que já totalizam cerca de 180 milímetros, quase o dobro da média mensal para este período.
Diante desse cenário crítico, o decreto autoriza a mobilização de todos os órgãos municipais para atuarem sob o comando da Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil. O objetivo é intensificar as ações de resposta ao desastre, reabilitação do cenário e reconstrução. Essas medidas visam facilitar as ações de assistência à população afetada, bem como a movimentação da conta vinculada do FGTS aos munícipes atingidos.
“O volume de água com certeza vai aumentar”, alerta Zanatta
Às 20 horas desta quinta-feira, 2, o nível do Rio Caí já havia superado os 10 metros. Antes disso, ainda na parte da manhã, o prefeito Gustavo Zanatta compartilhou um vídeo em suas redes sociais, informando sobre o monitoramento que vem sendo feito pela força-tarefa montenegrina em municípios da Serra, incluindo Nova Palmira. O aumento do volume de água em 4 metros nessa região aumentou a preocupação entre os montenegrinos.
Esta água está prevista para chegar a Montenegro no início da noite desta quinta-feira. O prefeito faz um alerta para que aqueles que ainda não deixaram suas casas o façam, considerando as previsões desfavoráveis para as próximas horas e para sexta-feira. Ele enfatiza a importância de as pessoas que estão no segundo andar saírem de casa, pois o volume de água certamente aumentará. “Nos perguntam se o nível do rio está baixando: não está. O volume de água com certeza vai aumentar”, afirma Zanatta.
Água chegou a locais onde nunca havia chegado
As cheias em Montenegro atingiram proporções inéditas, chegando a locais jamais antes inundados. Tradicionalmente, as esquinas onde estão situadas agências bancárias como a Caixa Econômica Federal e o Santander serviam como pontos de referência para avaliar o tamanho das cheias na cidade. Porém, agora, um novo marco se estabelece: a Praça Rui Barbosa.
Além de avançar pela rua Ramiro Barcelos, a água alastrou-se por vias como a Capitão Cruz e a São João, alcançando a Praça. Na rua João Pessoa, as agências Sicredi e Banrisul testemunharam a invasão das águas do Rio Caí até a esquina com a rua José Luis.
No Centro da cidade, na rua Apolinário de Moraes, o condomínio Floresta Montenegrina, situado em terreno mais elevado, teve um de seus blocos de apartamentos invadido pelas águas.
Já no bairro Municipal, vias como a Lá Paz também foram tomadas pelos alagamentos. Em períodos de cheias anteriores, o acúmulo de água limitava-se até a rua Antônio Lisboa, mas desta vez as águas transbordaram, invadindo as vias transversais.
Prefeito determina evacuação e bairros
O aumento constante do nível do Rio Caí em Montenegro e a incerteza a respeito de até onde as águas podem chegar, fizeram com que o Prefeito Gustavo Zanatta, juntamente da Defesa Civil, determinasse a evacuação total dos bairros Municipal, Industrial, Olaria, Ferroviário e Tanac. Os moradores foram orientados a sair procurar abrigo em locais seguros, junto a familiares e amigos ou os abrigos municipais.
Além disso, foi determinada a desocupação parcial nos bairros Aeroclube, Timbaúva e Centro.
AEROCLUBE: Ruas Carlos Edvin Endres, Bruno Gabriel Lampert, Benjamim Alves Barreto “Bebe”, Miguel Teixeira, Elita Ilsa Leipnitz Griebeler, Judith Provin Da Motta, Estrada Antonio Ignacio De Oliveira Filho, Doutor Fuaad Simões, 20 De Setembro, Atlanta e Espanha
TIMBAÚVA: final da Coronel Pedro Carvalho, final da Adelaide Sá Brito, Coronel Paulino Coelho ee Souza e Emilio Cornelius
CENTRO: Coronel Apolinário de Moraes do n° 1200 até o rio, Assis Brasil do n° 1167 até o rio, Dr. Flores do n° 1183 até o rio, João Pessoa do número 1259 até o rio, Rua São João do n° 1286 até o final do prolongamento da São João, Olavo Bilac 1323 até o 01, Ramiro Barcelos do n° 1772 até o rio, Capitão Cruz do n° 1907 até o rio, Capitão Porfírio do n° 2034 até o rio, Bento Gonçalves inteira, Osvaldo Aranha a partir do n° 1520 até a antiga Antarctica, Olavo Bilac do n° 1300 até o final, José Luiz inteira, Fernando Ferrari inteira, Capitão Machado inteira, rua do Comércio inteira, Julio de Castilhos inteira, Travessa Carlos W. Gottselig.
Mais de 300 pessoas desabrigadas
Até o final da tarde de quinta-feira, a cheia do Rio Caí já havia deixado 307 desabrigados em Montenegro. As famílias desalojadas encontraram abrigo nos ginásios Domingos dos Santos, localizado no Parque Centenário, e do Sesc, situado no Centro da cidade e Sesi, no bairro Senai.
Desde quarta-feira, um esforço conjunto de mais de 100 voluntários está em andamento para acolher e fornecer alimentos àqueles que necessitam desse tipo de auxílio.
Pessoas como Claudiomiro Bili mobilizaram-se para oferecer ajuda aos vizinhos na localidade de Porto Garibaldi. A comunidade demonstra grande união e prontidão em ajudar os afetados pela calamidade, mais de 14 barcos foram disponibilizados para auxiliar nos resgates.
Pontos de apoio
Diversos locais estão atuando como pontos de apoio para ajudar as vítimas da enchente. Na quarta-feira, uma cozinha solidária foi montada com o auxílio de voluntários na Escola São João Batista e, posteriormente, transferida para o Colégio AJ Renner, na quinta-feira.
Além disso, os ginásios Domingão, Sesc e Sesi também estão funcionando como pontos de apoio. Aqueles que não estão nos abrigos, mas que foram afetados pelas enchentes, podem procurar por assistência e doações nesses locais.
Onde e como ajudar
A Escola AJ Renner está recebendo doações de alimentos, materiais de higiene, roupas de cama e colchões. A Prefeitura está encarregada da triagem e entrega desses itens nos ginásios que abrigam as famílias desalojadas.
No Ginásio do Parque Centenário e no CRAS, estão sendo recebidas doações de alimentos, água, materiais de higiene e roupas. Esses recursos serão direcionados diretamente às pessoas necessitadas.
Para aqueles interessados em auxiliar no resgate de pessoas em áreas alagadas, o quartel dos Bombeiros é o ponto de referência. Além disso, no local, são bem-vindas doações de coletes salva-vidas para serem utilizados nas operações de salvamento e ajuda de voluntários que tenham suas próprias embarcações para atuar nos resgates.
A colaboração de voluntários também é necessária para a organização das doações nos ginásios, onde estão alojadas as famílias desabrigadas. Quem deseja ajudar nessa frente pode se dirigir aos locais de acolhimento para oferecer sua ajuda na organização de roupas e materiais.
Moradores ilhados na localidade de Pesqueiro
Moradores na localidade de Pesqueiro, no interior de Montenegro, enfrentam momentos de aflição enquanto aguardam o resgate. Vanessa Oliveira de Carvalho, 43 anos, entrou em contato com o Ibiá ainda pela manhã de quinta-feira e até as 17h continuava à espera das equipes.
“Estamos aqui aguardando a chegada da Defesa Civil, que prometeu nos resgatar. Cerca de 20 pessoas estão reunidas em uma única casa que não foi atingida pela água. A sensação de impotência é avassaladora. Perdemos tudo e agora dependemos da ajuda externa”, desabafou Vanessa.
Os momentos mais tensos foram enfrentados pelos mais vulneráveis, como os idosos na família de Vanessa, com idades de 84, 75 e 75 anos.
Segundo o chefe da Defesa Civil, Clóvis Pereira, a dificuldade de chegar até o local pode ter sido ocasionada por conta da demanda de outros resgates feitos naquela região. Na previsão dele, Vanessa e seus familiares deveriam ser resgatados nas próximas horas.
Idoso caiu do cavalo na enchente e segue desaparecido
A elevação do nível do rio Caí dificulta as buscas ao homem, de 68 anos, que desapareceu na área alagada da enchente em Montenegro. Os bombeiros iniciaram buscas, mas o idoso não foi localizado. Ele está desaparecido desde terça-feira.
Conforme os bombeiros, o homem teria sumido na altura da Lomba do Camboim, no trecho da rua Osvaldo Aranha entre o bairro Olaria e a antiga fábrica da Antarctica. Ele estaria a cavalo, recolhendo o gado no campo de uma propriedade, quando teria caído e não foi mais localizado. Apenas o seu cavalo foi encontrado.
O desaparecimento ocorreu no final da tarde, numa região de várzea do rio que é usada para pastagem do gado.
Casal encontrado
Um casal, que teve fotos divulgadas nas redes sociais como desaparecido na enchente do bairro Industrial, foi localizado com vida e ambos estão bem.
Outro homem, de 64 anos, teria desaparecido no Passo do Manduca, mas até o fechamento desta edição ainda não havia sido localizado.
Trabalhadores da JBS dormiram em ônibus por não ter como voltar para casa
No início da manhã de quinta-feira, 2, a reportagem do Ibiá recebeu a informação de que cerca de 60 trabalhadores do frigorífico da JBS teriam passado a noite em dois ônibus e na frente da empresa porque não tinham como voltar para casa. Eles são de cidades como Capela de Santana, Nova Santa Rita, Esteio, Sapucaia do Sul, Portão, São Sebastião do Caí e outras, cujas ligações com Montenegro estão bloqueadas devido às inundações e deslizamentos.
A reportagem esteve no local, conversando com funcionários da empresa. Eles informaram que começaram a trabalhar na quarta-feira, 1º, às 13h, até as 23h30, mas não puderam retornar para casa. Foi o caso de Jorge Alex Manoel Cardoso e Maiara, ambos de Capela de Santana. Lamentaram que quando foram levados de ônibus para o trabalho, pela BR-386, já havia o risco de bloqueio.
Um representante da empresa, Elias Rangel, que é coordenador, disse que se tentou a passagem por diversos acessos, mas estavam todos bloqueados. E a empresa não conseguiu hospedagens em hotéis e pousadas, que estão lotados. Disse ainda que foi disponibilizada alimentação e todas as medidas cabíveis estavam sendo tomadas
Logo após o contato com a reportagem, os funcionários foram chamados para o auditório da empresa. A direção da unidade da JBS em Montenegro informou que buscou rotas alternativas e que seria feito então um caminho diferente, por várias cidades, para que pudessem retornar para casa. Sobre não ter voltado ainda na noite de quarta-feira, o gerente da unidade disse que não poderia colocar os trabalhadores em risco. Informou ainda que nesta sexta-feira não terá abate e produção no frigorífico. E que a prioridade era o retorno dos colaboradores com segurança para suas casas.
A reportagem recebeu a informação que foi feita uma rota alternativa por estradas do interior da região para que todos os funcionários chegassem em suas residências.
John Deere e Tanac suspendem operações
Diante da maior enchente da História, diversas empresas suspenderam suas operações em Montenegro e região. O HM Regional, por exemplo, informou que está atuando com quadro reduzido de funcionários. “Devido a enchentes e estradas bloqueadas, muitos colaboradores estão impossibilitados de comparecerem à Instituição”, diz a nota divulgada.
A situação mais grave – e que dimensiona o nível a que já chegou Rio Caí -, é da empresa Tanac. Instalada às margens do Caí desde 1948, a indústria parou completamente pela segunda vez em menos de seis meses. O gerente geral da empresa em Montenegro, Luciano Valcarenghi, falou com a reportagem enquanto trabalhava como voluntário. “A primeira enchente de junho do ano passado, a gente foi surpreendido. Mas, de novembro, a gente teve várias perdas”, recorda. Naquela de novembro, a empresa ficou inoperante por sete dias, algo que nunca havia acontecido. Dessa vez, as operações foram suspensas às 12h de terça-feira, dia 30 de abril, e não há previsão de retorno. “Se tudo correr bem e a gente tiver sorte, eu acredito que, talvez em 30 dias, a gente possa voltar a operar”, afirma Valcarenghi. Mas, ele pondera que esta afirmação só pode ser confirmada quando a água baixar e as equipes conseguirem chegar à fábrica.
“É uma situação caótica, é uma catástrofe, e toda a empresa está debaixo d’água. Isso nunca aconteceu na história dos 76 anos da companhia”. Enquanto isso, o barco da Tanac foi cedido à Defesa Civil, e Luciano, junto de colegas, auxiliam nos resgates de afetados.
A John Deere também informou que também suspendeu atividades da empresa. “A John Deere se solidariza com as vítimas das enchentes que assolam o Rio Grande do Sul. A companhia informa que suspendeu suas operações na fábrica de Montenegro (RS) entre quinta (2/5) e sexta-feira (3/5), devido à situação climática na região, visando à segurança de seus funcionários. A empresa está atenta e acompanhando a situação, caso sejam necessárias novas providências”, diz a nota oficial da companhia.
O Sindipolo e Sindiconstrupolo denunciam que em outras empresas do Polo Petroquímico, as operações seguiram e os funcionários dobraram o turno, chegando a trabalhar 16 horas. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Polo Petroquímico de Triunfo (SINDIPOLO), Ivonei Arnt informa que quatro empresas suspenderam o pessoal que trabalha no administrativo, mas a operação e manutenção tem que ser mantidas, porque uma planta petroquímica não pode ser paralisada sem o devido condicionamento prévio. Para isso, diz ele, é exigido um processo complexo, que exige a atuação de muitas pessoas. A informação é de que nesta quinta-feira (02) as empresas conseguiram alguns reforços de técnicos de operação que moram em Montenegro, Triunfo e Taquari, para substituir os trabalhadores que estão mais cansados e alojou estes em hotéis nas localidades mais próximas cujas estradas ainda não foram interrompidas.
Prédio é interditado e garagem desaba
A garagem subterrânea do edifício residencial Mirante Progresso, no bairro Progresso, desabou durante a madrugada de quarta-feira, dia 1ª. Parte do barranco foi levado em direção ao jardim dos fundos da Estação da Cultura. Foi a sequência do colapso estrutural que levou à evacuação. A responsável pelo projeto, BR Incorporadora, disse que faria avaliação técnica para “extensão dos danos e o que precisa ser feito para garantir que tudo seja seguro novamente”.
Surpresa e solidariedade em meio ao caos
O que está ocorrendo em Montenegro é, sem dúvida, uma tragédia; em proporções que pegaram muita gente desprevenida e que ainda surpreendem. Morando na rua Olavo Bilac, bairro Industrial, há mais de 30 anos, André Becker viu pela primeira vez sua casa inundada. “Ali não pegava! Era difícil chegar ali. Pegava só na rua de baixo, a Prospero Mottin”, comentou, enquanto do pátio da Estação da Cultura observava vizinhos – tão surpreendidos quanto ele – andando com água no peito.
Em outra extremidade da cidade, a família de Anderson Santana Fernandes ficou incrédula quando o nível do Caí alcançou o segundo andar da residência, na rua Assis Brasil, há uma quadra do Cais. “Eu tenho 28 anos, moro ali desde que nasci, e nunca tinha visto coisa igual. A enchente de novembro já tinha sido algo inédito pra gente, porque chegou na parte mais baixa da casa”, revelou.
Anderson e os pais foram resgatados na noite de quarta-feira, dia 1º, por Bombeiros Militares de Porto Alegre que somaram esforços à corporação de Montenegro. A célula estava concentrada na rua Apolinário de Moraes, em frente ao Condomínio Floresta Negra, outro ponto que nunca havia sido afetado em enchentes. Ao menos um apartamento de térreo foi inundado através da rede de esgoto. Mas os moradores optaram pela solidariedade, e montaram uma base de apoio com comida, água e bebidas quentes, tanto à equipe de resgate quanto aos flagelados.