Recomeço. Estudo científico aponta que terra precisa de análise para recuperação
Na operação de avaliação dos danos ao solo causados pelas enchentes de maio, técnicos visitaram duas propriedades em Bom Princípio e três na Feliz, no Vale do Caí. O serviço foi realizado de forma conjunta entre Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), Emater-RS/Ascar e o Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da UFRGS, resultando na Nota Técnica nº 1 (disponível para download gratuito).
O coordenador do Plano ABC+RS, pesquisador Jackson Brilhante, alerta os produtores rurais para que “não façam nada na terra antes de realizar a análise de solo”. Essa conclusão saiu do diagnóstico da fertilidade do solo, alcançada através da coleta de amostras em diferentes pontos destas propriedades, capaz de embasar um panorama geral à região ao longo do Rio Caí.
“Pois em cada ponto da propriedade pode ter havido deposição de areia e de outros, onde houve perda de solo”, explica. Desta forma, antes de qualquer outra ação, é necessário conhecer a composição química atual dessa terra. Jackson revela que alguns resultados preliminares das amostras no Vale apontam valores de pH em torno de 7, o que é elevado e resultam em condição inadequada para implantação de culturas agrícola, forrageira e florestais.
Os agricultores que desejarem análise sem custo podem procurar a Secretaria Estadual de Agricultura. Em geral, análises de solo são feitas pelas prefeituras; enquanto os escritórios da Emater fazem gratuitamente a interpretação dos resultados destas. O chefe da Unidade Montenegro, Everaldo Vinicius, apontam ainda a realização de assistência técnica para a recuperação das áreas.
Ainda não há programa para análises
Jackson, que é pesquisador do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária (DDPA), observa que fazer uma coleta exige orientação técnica; mas um programa específico para atender produtores de forma individual ainda está sendo avaliado. Ele concorda que o mais importante no momento é seguirem as orientações das Normativas (poderão chegar a seis) para restaurar a fertilidade das terras.
O supervisor regional da Emater (Escritório Lajeado), engenheiro agrônomo Fábio André da Encarnação, esclarece que ainda não há nada oficial e orientação interna sobre coleta de solo para análise laboratorial. “Por isso é complicado expor e depois causar ida aos escritórios procurando. Acredito que em breve teremos essas orientações”, define. Já a interpretação das Normativas pode ser solicitada à Emater e Secretarias.
Cenário nunca visto antes no RS
O diretor do DDPA, Caio Efrom, revela a surpresa em relação a uma diversidade de situações encontradas, muitas vezes dentro da mesma propriedade. “São situações inéditas. Por exemplo, das análises preliminares de solo observamos aumento no pH, situação na qual uma tentativa de aplicação de calcário, sem embasamento de recomendação pela análise, incorreria em agravamento da situação”, alerta.
O chefe do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da UFRGS, professor Élvio Giasson, aponta para a novidade desta enchente, que foi a formação de grandes pontos de sedimentação nas áreas planas. Segundo os pesquisadores, o maior desafio será trazer as terras afetadas de volta aos níveis de produção pré-existentes.
Hora de adotar o “Plano ABC+”
Jackson Brilhante entende que a recuperação dos solos atingidos passa pela adoção de tecnologias do Plano Agricultura de Baixa emissão de Carbono (Plano ABC+RS). Entre estas, plantio direto; utilização de bioinsumos; integração lavoura-pecuária-floresta; e as práticas de recuperação de pastagens. “Essas tecnologias promovem a melhoria da qualidade do solo, como, por exemplo, o aumento nas taxas de infiltração de água no solo”, destaca. O Plano ABC+RS é hoje a política pública de adaptação às mudanças climáticas no setor agropecuário gaúcho.
O professor Giasson indica ainda adoção adequada de planejamento do uso das terras, já que estes fenômenos climáticos, como aponta a Ciência, devem ser cada vez mais frequentes. Este deve considerar não somente a organização das propriedades agrícolas, mas também a integração com propriedades vizinhas e dentro das bacias hidrográficas. Neste caso, para considerar os fluxos e a disponibilidade de água, para se adequar a períodos de excesso e de falta. “A água não respeita cercas, passa de uma propriedade para outra, por isso a necessidade de ações conjuntas”, finaliza.
Recomendações da Nota Técnica Nº 1
As terras agrícolas precisam de reparos biológicos, físicos e químicos, para recuperar a fertilidade do solo antes de retornar à produção. Entre as práticas recomendadas estão:
– remoção de detritos orgânicos;
– remoção de depósito de sedimentos;
– realização de amostragem e análise química do solo contemplando acidez e disponibilidade de macro e micronutrientes;
– reparo de sulcos de erosão e voçorocas;
– compactação superficial do solo.
*as próximas Notas Técnicas deverão tratar de recuperação da fertilidade; das áreas atingidas por voçoroca; do tipo de mecanização a ser utilizada na recuperação de áreas e na remoção de sedimentos, entre outros assuntos