As mulheres nunca estiveram ausentes de nenhum cenário social que se possa imaginar. Assim também é no campo. Há anos elas são esteio das propriedades, equilibrando atenção à família com a lida de sol a sol. E em tempos em que a caminhada do empoderamento cresce, sua presença é finalmente reconhecida. A agricultora Elisandra Kehl, de 37 anos, e sua filha Brenda, 18, personificam a luta de todas.
A trajetória de Elisandra é recente e imbuída de coragem, ao ombrear com o esposo, Everton Kehl, em uma mudança de vida que muitos classificaram como loucura. Há pouco mais de cinco anos ela era vendedora de carros. Então venderam tudo em Montenegro e compraram um lote de boa terra – porém em propriedade desestruturada – na localidade de Fortaleza.
Para ele talvez não fosse algo tão ousado, visto que traz o DNA de seu avô, João Edvino Derlam, descobridor da Bergamota Montenegrina. Everton inclusive cresceu em meio aos pomares do pai, onde trabalhou até optar em ser industriário. E as poucas vezes que ajudou o esposo e o sogro na colheita, foram as únicas experiência de Elisandra com a plantação.
Então, o jeito foi aprender. Aprender a respeito da terra, do plantio das mudas, da poda das árvores, do raleio à colheita. “Eu toco a propriedade aqui, porque ele ainda precisa trabalhar lá”, salientou, a respeito do esposo ainda não pode largar definitivamente o emprego. São 7,5 hectares próprios e outros 4 ha arrendados, de onde ela tira 2 mil caixas de Bergamota Montenegrina por ano.
Foi preciso convencer os compradores
No começo, o máximo da safra na Buenos Citrus era mil caixas de frutas. Na verdade, tudo foi difícil, pois o casal precisou derrubar arvoredo, cortar capim e transformar um antigo galpão em lar. Passados cinco anos, tem ar de casa rústica, cercada de grama, com uma piscina e lago. A família tem à disposição hortaliças, ovos, mel e, em breve, leite. Nada mau para quem começou com apenas uma enxada ganhada de amigo secreto.
Também o começo dos negócios foi preciso atitude. O pomar deles é o único naquela região da Fortaleza, o que encarece o transporte e torna o produto menos atraente. E é Everton que conta o episódio no qual a esposa pegou três amostras de frutas e foi bater à porta dos compradores até fechar negócio. Começava a jornada para garantir uma colheita em toneladas que mantivesse o interesse dos pakins house.
O esposo alterna o trabalho na cidade com horas nos pomares. Mas a mulher trabalha de sol a sol, pilotando o trator, colhendo e vendendo. “Não tem muita escolha. Se já agendou a venda, precisa colher”. Na verdade, apenas a pulverização não é realizada por ela. O restante do trabalho braçal, a agricultora pega parelho com o homem, que confirma nem se envolver nas vendas. “Na verdade, ela que comanda tudo, 100% da propriedade. Eu sou só um auxiliar do serviço braçal”, descontrai Everton, revelando que apenas informa à esposa o que precisa ser comprado ou substituído. Isso justifica o nome Bueno na propriedade ser o de solteiro de Elisandra e o financiamento do trator estar em seu nome. E no futuro próximo, graças à esposa, Everton retornará às suas origens na terra.
Mãe e filha são líderes na região
O empreendedorismo de Elisandra alçou-a em outro desafio. Um desafio de representatividade. Ela é a primeira presidente da Associação de Citricultura do Vale do Caí, fundada em 2019. Sua ideia era fazer parte do conselho fiscal, mas o consultor do Sebrae no projeto de criação, Júnior Utzig, apontou qualidades para o cargo máximo. Ela teve medo, e foi com medo mesmo.
“As mulheres também estão dentro da propriedade e não têm o mesmo reconhecimento”, declarou, ao observar que entre 77 associados não há mais do que seis mulheres. Cenário justificado pela tradição de o pai sempre deixar a propriedade para o filho, e nunca para a filha. “O mundo é machista. Sempre foi machista. É cultural”, confirma o esposo da presidente.
O resultado é visto quando uma agricultora fica viúva, e chega ao sindicato desesperada para saber o que fazer para tocar a propriedade. Por isso, em sua gestão, Elisandra quer propõe trazer as esposas dos associados a participarem da entidade. “A gente tem que ser valorizada como uma mulher produtora”, defende ao recordar que na direção tem apenas a companhia da conselheira Izana Diogo. No vídeo anexo, conheça mais a respeito da opinião de mãe e filha sobre empoderamento feminino no campo.
Todas querem ser reconhecidas como mulheres agricultoras
Não é fácil colocar lugar de fala em um ambiente dominado pelos homens. Mas a vantagem da liderança feminina está na capacidade de diálogo, de questionamento sem medo de se indispor, na ousadia para ‘abrir portas’. Essas qualidades – vistas na mãe – foram lembradas pela filha. E certamente Brenda se inspirou na mãe para ingressar na Coordenação de Jovens na Regional Sindical Vale do Caí da Fetag.
Ela já percorreu o Brasil em seminários e congressos de lutam para reacender o interesse dos jovens em permanecer na terra. “Esse trabalho da Brenda é muito importante para a região”, estimula a mãe. A filha diz que ficará na propriedade, mas hoje seu trabalho é mais “da porteira para fora”. Inclusive, assumiu a Coordenação Regional, em substituição a outra montenegrina, Jaçiara Maria Müller, que foi ser secretaria geral da Fetag.
“Para nós é ótimo ver as mulheres da região evoluindo”, declara Elisandra. Mãe e filha lembraram ainda da liderança de Maria Regina da Silveira, primeira presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Montenegro. Para Brenda, a presença de uma mulher neste posto facilita o diálogo a respeito de lutas e demandas do setor.