Em debate no STF, habeas corpus de Lula divide o meio jurídico

Polêmica. Tentativa de impedir a prisão do ex-presidente será julgada hoje

O julgamento do habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF), marcado para esta quarta-feira, 4, tem movimentado o país e gerado intenso debate no meio jurídico. A medida busca evitar a prisão de Lula após condenação pela segunda instância da Justiça Federal no caso do tríplex do Guarujá (SP), antes de serem esgotadas as possibilidades de recursos.
Movimentos pró e contra o petista estão marcados para ocorrer em Brasília e em diversos cantos do país. Também existe uma articulação no campo político. Ainda na segunda-feira, magistrados e membros do Ministério Público que compõem o Fórum Nacional de Juízes Criminais (Fonajuc) protocolaram no STF uma nota técnica contra uma possível mudança na decisão da Corte que autorizou a prisão de condenados após a segunda instância da Justiça, em 2016. O documento obteve 5 mil assinaturas.

No mesmo dia, um grupo de advogados criminalistas entregou na Corte um abaixo-assinado defendendo a prisão de condenados apenas após o fim dos recursos nas Cortes Superiores. O documento conta com 3,6 mil assinaturas. Eles defendem a mudança do entendimento firmado em 2016.
Há um ar de incerteza sobre as possíveis consequências de uma aprovação do pedido. “O resultado da decisão desta quarta-feira é imprevisível. Mesmo que seja concedido o habeas corpus, isso não estaria, necessariamente a significar, que tenha havido uma mudança no entendimento do Supremo”, analisa o professor titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), Eduardo Kroeff Machado Carrion.

Já o advogado criminalista Gustavo Harres de Oliveira, de Montenegro, defende a tese segundo a qual, caso a decisão do Supremo seja pelo início do cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado, a defesa terá uma maior segurança jurídica. “Pois, muitas vezes, um cidadão inicia o cumprimento da pena após o julgamento de 2º Grau e, depois do julgamento pelos Tribunais Superiores está decisão é modificada. No entanto, o cidadão já cumpriu boa parte da pena, então, de forma injusta”, explica.

Professor titular de Direito Constitucional da UFRGS e da FMP, Eduardo Carrion

Eduardo Carrion

O julgamento do habeas corpus gera um embate no meio jurídico. Qual a sua posição sobre o tema?
Além deste habeas corpus impetrado pelo presidente Lula, existem duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) a espera de exame por parte do plenário do STF. Talvez o mais conveniente tivesse sido o exame dessas duas ADCs antes mesmo do exame do habeas corpus, solucionando, de forma definitiva, a controvérsia sobre a possibilidade ou não de prisão após deliberação de órgão colegiado, ou seja, deliberação de órgão de 2º Grau.
No exame do habeas corpus, cujo o resultado é imprevisível, pois o plenário do Supremo está claramente dividido, mesmo que se mantenha o entendimento predominante até o momento, de que seja possível a prisão, isso não significa, necessariamente, no caso concreto, que se decrete a prisão. A prisão é uma mera possibilidade, nada mais.
No que diz respeito as pressões feitas, de lado a lado, isso a rigor não pode influenciar a deliberação do Supremo Tribunal Federal. A decisão deve resultar da convicção fundamentada dos ministros. Entende-se que o momento seja de uma certa tensão, porque a decisão judicial pode ter um desdobramento no plano político. Mas, respeitados os parâmetros jurídicos e constitucionais, isso significa consolidação e amadurecimento do processo democrático.

A concessão do benefício gera jurisprudência para presos por crimes violentos requeiram a liberdade?
O resultado da decisão desta quarta-feira é imprevisível. Mesmo que seja concedido o habeas corpus, isso não estaria, necessariamente a significar, que tenha havido uma mudança no entendimento do Supremo. Pode, eventualmente, ser mantido o mesmo entendimento, o de que seja possível a prisão após deliberação de órgão colegiado, mas é uma mera possibilidade. Então, mesmo mantendo-se a convicção majoritária anterior, pode se concluir que, no caso concreto, não caiba a prisão.

Diversas possibilidades ficam em aberto. Primeiro, mantém-se a jurisprudência, ficando autorizada a prisão. A decretação ou não da prisão será do juízo do 1º Grau. Outra possibilidade, mantém-se a jurisprudência, mas entende-se que no caso concreto não caiba a prisão e concede-se o habeas corpus. Terceira possibilidade, altera-se a jurisprudência por voto majoritário, o que não deixa de ser um atendimento do pedido de habeas corpus.

O fato do habeas corpus ter como foco um ex-presidente da República pode influenciar a decisão dos ministros?
No meu entendimento, os desdobramentos políticos de uma decisão judicial não retiram dela a sua natureza jurídica. Por isso, os elementos balizadores da decisão judicial devem ser as regras legais e constitucionais, independentemente dos desdobramentos políticos. Agora, seguramente, uma Corte como o Supremo Tribunal Federal deve levar em conta, muitas vezes, certas circunstâncias políticas, mas sem que isso signifique um desrespeito às normas legais e constitucionais.

Como o senhor avalia o embate acalorado entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes no STF?
No contexto de uma Corte constitucional, como é o caso do Supremo Tribunal Federal, sobriedade por parte dos seus membros é indispensável. Como se diz tradicionalmente, os juízes devem falar nos autos, nos processos, e com mais razão membros da Corte Suprema. Manifestar-se sobre casos em julgamento ou sobre a circunstância política do país, quando questões políticas estão sendo juridicamente examinadas, é no meu entender inconveniente, para não dizer despropositado. Quem deve falar em nome do Supremo é presidente esclarecendo a opinião pública.

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