Dia Internacional da Mulher. Empreender é a carreira escolhida por cada vez mais mulheres, que buscam valorização, felicidade e realização pessoal
Outro Dia Internacional da Mulher chegou e, bem mais do que distribuição de flores e homenagens – que todas amam, é claro – esse é um momento para avaliar os avanços conquistados e o que há para ser perseguido. De todas as bandeiras defendidas pelas mulheres, o direito de estar no mercado de trabalho é uma das mais relevantes, com impactos sociais e econômicos em toda a família. A verdade, porém, é que nem sempre o mercado de trabalho trata as mulheres com o devido respeito.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a diferença entre a carga de trabalho feminina e masculina só fez crescer na última década. De 2005 até 2015, a diferença cresceu de 6,9 para 7,5 horas semanais. Isso inclui o trabalho dentro e fora de casa. E a renda? Essa ainda é 25% inferior a dos homens, em média, aqui no Brasil, mesmo que essa diferença venha caindo ano a ano.
Essa é uma das razões a que os especialistas em mercado de trabalho creditam o aumento do empreendedorismo entre as mulheres. Mas está longe de ser o único ou principal motivo. Conseguir independência financeira está lado a lado com a possibilidade de fazer o próprio horário de trabalho e, com isso, dar atenção aos filhos e, principalmente, ter liberdade para fazer o que gosta. Em geral, a mulher abre uma empresa para se realizar como profissional e como pessoa.
A pesquisa “Quem são elas?” realizada pela Rede Mulher Empreendedora, divulgada no segundo semestre de 2016, apontou o perfil da mulher disposta a abrir mão da carteira assinada pelo próprio negócio. A sondagem ouviu 1.376 mulheres com vínculo empreendedor. Dessas, 85% já empreendem e 15% pensam em empreender. O estudo mostrou que a maior parte das empreendedoras são mulheres maduras – média de 39 anos – casadas e com filhos.
Alguns fatores de suas vidas foram decisivos na hora de se tornar “chefes” e assumir as responsabilidades que vêm junto. A maternidade surgiu como fator decisivo, já que 75% resolveram empreender após serem mães. 40% afirmaram ter empreendido na busca por uma renda melhor e 34% disseram ter ido em busca de um sonho.
Entre esmaltes, lixas e alicates, nasce uma empreendedora
Uma menina de sorriso fácil, olhos sonhadores e metas firmes. Roberta Peres, uma empreendedora de apenas 20 anos, pode ser definida dessa forma.
Engana-se quem pensa que pode lhe faltar experiência. Ela “trabalha” desde os 13 anos como manicure e algumas das atuais clientes a viram crescer.
Sua história profissional começou indo até a casa de conhecidas para embelezar suas unhas. A mãe de Roberta é cabeleireira e, vendo na filha a paixão pelos esmaltes, jamais deixou de incentivá-la. “Eu imitava as manicures que trabalhavam com a mãe. Adorava fazer a minha unha e a dos outros. Quando podia escolher um presente, sempre pedia que fossem esmaltes”, conta.
Ali tinha início uma trajetória profissional fundamentada nos sonhos de infância. Ainda muito jovem, Roberta deixou de atender em domicílio para atuar em salão de beleza. O tempo foi passando e ela viu a clientela aumentar. A menina que aprendeu a fazer unha sozinha, trocando o próprio esmalte três vezes ao dia, agora se capacitava em outras áreas da beleza. Surgiu então o desejo de ter o próprio espaço. “Eu nasci pra trabalhar pra mim. Sempre soube disso e fui muito incentivada”, comenta.
No espaço inaugurado no dia 7 de fevereiro, ela oferece outros serviços, além do que a fez se apaixonar pela área da beleza. Há depilação, maquiagem, design de sobrancelha e micro pigmentação. E, no futuro próximo, ela irá investir em cabelo. “Esse ano, eu faço os cursos de cabelo”, diz ela, já ansiosa pela nova função.
A “menina Roberta” mora com a mãe e, enquanto realiza o sonho de ter o próprio salão de beleza, aprende a lidar com as dificuldades de quem precisa cuidar de um negócio e não apenas fazer aquilo que gosta. “Eu comecei o salão sem ter nada além do meu material de trabalho. Então tudo foi escolhido, cada detalhe é como eu gosto”, diz ela, que escolheu a sala e lida com as questões administrativas do negócio com bastante tranquilidade.
Hoje Roberta trabalha nos três turnos, numa rotina bastante puxada. Não será assim para sempre, ela faz questão de dizer. Apesar de amar o que faz e realizar algumas “ginásticas” na agenda para sempre achar um horário que atenda a necessidade das clientes, Roberta diz que chegará o momento de reduzir a carga de trabalho. “Hoje eu não sou casada, não tenho filhos. Então prefiro me dedicar mais agora ao trabalho”, observa. Ser tão correta e dedicada, porém, não a faz deixar de aproveitar a juventude ao lado do namorado. Ele, que é barbeiro, entende bem as dificuldades de sua profissão.
Mas ela mantém tempo para si. “Eu não deixo de viver. Mas trabalho muitas horas porque gosto do que faço”, finaliza.
O empreendedorismo feminino em números
75% das empreendedoras decidem empreender após a maternidade. Na classe C, a porcentagem aumenta para 83%.
Mais de 40% iniciou seu negócio há menos de três anos.
Quase 60% atuam na área de serviços, enquanto 31% empreenderam no comércio e apenas 7% escolheram a indústria.
Preferindo agir de forma individual, 55% não têm sócios.
Trabalhar em casa é realidade para 68%.
O faturamento de 33% das empreendedoras é superior a R$ 10 mil por mês, enquanto 36% faturam até R$ 2,5 mil.
Para 41%, o recurso para investimento veio da poupança.
66% dizem trabalhar com o que gostam, enquanto 34% dizem que empreender é realizar um sonho. Já 40% procuram por uma renda melhor do que trabalhando para outros.
*Fonte: Pesquisa ‘Quem são elas?’, organizada pela Rede Mulher Empreendedora.
O ofício das avós no sonho da neta
Uma casa de bonecas. Assim se parece a Escola Ziper e Botões, um local para quem quer aprender a costurar, seja por motivos profissionais ou simplesmente para experimentar o relaxamento que as linhas e agulhas proporcionam. A escola inaugurada no último dia 20 de janeiro por Tuanny Peltz, de 28 anos, nasceu em sonhos da infância. É que essa montenegrina, filha de pais professores e avós costureiras – que faziam coisas mais para casa – cresceu transformando retalhos em roupas de boneca.
Antes de realizar esse sonho, porém, ela trilhou uma longa trajetória profissional, iniciada aos 17 anos. Iniciou curso técnico em Mecânica, mas não se formou. Foi para a área da beleza e chegou a iniciar uma faculdade de Estética, mas viu que também não era isso. Graduou-se em Administração e teve passagem por grandes empresas, até que fez concurso público e foi para Porto Alegre. Lá, fez cursos de costura e comprou as máquinas. Tudo por gostar do ofício. “Fazia presentes para família e amigos. Peças que eu costurava por gostar”, recorda. Ela então abriu mão da estabilidade do concurso público e retornou a Montenegro, trabalhando em outra empresa, enquanto organizava seu futuro negócio.
Casada e por enquanto sem filhos, Tuanny contou com o apoio do marido para abrir o negócio. Ele poderia manter a casa, caso a escola demorasse a dar resultados. Na prática, tudo ocorreu melhor do que ela esperava. “Foi tudo bastante planejado, fiz plano de negócios e não abri antes para manter a segurança do emprego fixo até tudo estar preparado”, relata. Ela garante, porém, que não se arrepende de ter aberto mão da tranquilidade do concurso e da carteira assinada. “Essa insegurança de não ter trabalho fixo e salário na conta no fim do mês não é ruim. Ela só é diferente. E é algo que eu trabalhei na minha cabeça antes de abrir a escola”, conta.
Hoje Tuanny tem alunas dos 18 aos 56 anos, em turmas com apenas quatro vagas cada, onde se aprende o manejo das máquinas, além de costuras retas e curvas. No futuro, haverá turmas de modelagem na escola e outras possibilidades podem surgir. Quem sabe, atividades para crianças ou também utilizar as máquinas para serviços de costura. As possibilidades são infinitas, mas o que a proprietária mais valoriza hoje é o seu tempo e qualidade de vida. “Eu quero acompanhar tudo de pertinho, cada detalhe, cuido de tudo de uma forma muito minuciosa. Mas hoje mudei o objetivo da minha vida. Não é só trabalhar, é ser feliz. E estou feliz fazendo o que gosto, enquanto ensino um ofício às pessoas, que pode ser desgastante, mas também é muito prazeroso. Quero trabalhar o suficiente para ser feliz, não mais do que isso”, finaliza.
Tatiane não gosta de cozinhar, mas ama administrar seu restaurante
A vida de Tatiane Hortência da Silva, de 31 anos, é daquelas em que cada segundo precisa ser aproveitado. Ela administra, ao lado do marido, o restaurante Riograndense e cuida da organização de festas realizadas no local e eventos fora. Toda a parte de Recursos Humanos – são 15 pessoas – e de compras é de sua responsabilidade, além do pagamento de fornecedores. Em meio a tudo isso, ela não abre mão de, no horário de almoço, cuidar da reposição do buffet. “Essa tarefa eu não consigo passar para outra pessoa. Tenho que estar ali, conferindo se está tudo em ordem, se falta algum prato”, comenta.
Entre uma ligação e outra, numa agitada e corriqueira manhã, Tatiane conta que, desde pequena, auxiliou seus pais nesse ramo. Por 14 anos, eles atuaram no economato do Grêmio Gaúcho. Até que, em 2009, seu pai abriu o Riograndense. Até seus 22 anos, ela ajudou a família e, de alguma forma, sempre soube que seu futuro profissional estaria a
li no restaurante. Mesmo assim, saiu e dedicou-se a outras experiências. Em 2010 retornou para ajudar o pai para, em 2016, assumir a gestão. “Eu não gosto de cozinhar. Mas aqui eu não faço a comida, faço a gestão do restaurante. E, em casa, no domingo, o almoço é feito pelo marido”, brinca.
Hoje o restaurante serve entre 300 e 350 almoços por dia e agora Tatiane inicia o desafio de também gerir a galeteria que estão abrindo. Ela não esconde a empolgação. “Novas coisas pra aprender, novo horário, novos fornecedores”, relata. A rotina é corrida, em especial porque é necessário tirar um tempo para a filha Luíza, de 10 anos. É isso o que Tatiane faz logo cedo, antes de ir para o Riograndense. É também a hora de organizar a casa. Por volta das 8h30min, ela chega à empresa e começa o serviço administrativo. É nesse horário que as panelas começam a esquentar, já que, às 11h, as refeições já estão prontas e entregues nas escolas Sinodal e São José e logo o movimento no restaurante começa.
Poder ter a família perto enquanto trabalha é de grande ajuda, afinal, eles passam mais tempo no restaurante que em casa. São seis anos sem férias. Para aguentar, só amando muito o que faz. “O último recesso foi de quatro dias e nós trabalhamos aqui, mesmo não estando aberto ao público. Mas se eu parar, enlouqueço. Não consigo”, diz.
Luíza já deixou claro que quer um irmão. Por enquanto, ele não virá, mesmo bastante desejado por Tatiane e o marido. “Um dia. Eu quero outro filho, mas só quando souber que vou dar conta. Nesse momento, é muito trabalho”, pondera.
Dedicada e detalhista, a empresária garante que tudo passa por seus olhos. “Se o molho não está como deve, volta pra cozinha e vamos fazer novamente. Se continuar assim, fazemos pela terceira vez. Tem que ser perfeito e isso é muito o olhar do dono. E eu ainda tenho a vantagem de ter uma equipe muito parceira, que abraça junto”, diz, reconhecendo o quão detalhista é. “Ela é uma super mãe. Faz tudo e não deixa nada pra trás”, concorda a filha. Essa, aliás, parece ser uma característica de toda mulher empreendedora. Nada menos que a perfeição é aceito.