Ver a rua alagada, a água entrar no pátio e até mesmo na sua residência faz parte da rotina da dona de casa Isabel Pinheiros e de boa parte dos montenegrinos que moram em área de enchente. Aos 35 anos, ela acumula mais de três décadas de moradia na rua Otaviano Moojen, no bairro Municipal, que normalmente é coberta pelas águas durante as cheias do Rio Caí.
Quando criança, ela bem que gostava de brincar na água das enchentes e até a lama deixada após o recuo. “A gente queria brincar, mas claro que a mãe não deixava”, recorda. Consciente dos riscos de contrair doenças pelo contato com a água suja, Isabel tem os mesmos cuidados com seus três filhos, Miele, Vicente e Pérola, com 10 anos, 3 anos e de 11 meses, respectivamente. “Eles sabem que não dá pra brincar na água suja, mas a gente tem que ficar de olho”, acrescenta.
Isabel conhece bem os riscos gerados pelo contato com água suja. Ela cresceu na rua Otaviano Moogen, mas morou algum tempo em Sombrio com seu marido. O casal mudou para o município catarinense, onde ele costumava nadar em um rio. “Meu marido teve leptospirose e o médico disse que devia ser da água suja”, recorda.
Trata-se de uma doença bacteriana, que afeta humanos e animais, transmitida pela água ou alimentos contaminados pela urina principalmente do rato. Há mais risco depois de enchentes, pois as pessoas andam sem proteção em águas contaminadas. Isabel afirma que não ficou muito tempo fora de Montenegro. O casal retornou em busca de trabalho e seus três filhos nasceram em solo montenegrino.
Eles têm uma infância semelhante à da mãe, vizinhos do Rio Caí. Durante as cheias, Isabel muda com os filhos para a casa de uma irmã até que as águas recuem e liberem sua moradia. O marido, no entanto, fica para cuidar do imóvel, uma medida de segurança comum entre os moradores de áreas alagadas. No retorno ao lar após o recuo das águas, a preocupação é com a limpeza para evitar problemas de saúde em decorrência da enchente.
Esse receio é comum entre os moradores dos bairros que sofrem com o avanço das águas do Rio Caí. A dona de casa Paloma da Silva de Mello, 20 anos, cuida para que o filho Vinícius, 3 anos, não tenha contato com a água das cheias do Caí. “Se dependesse só dele, brincaria, mas não dá. É muito suja”, salienta Paloma.
“Tenho medo da doença do rato”, diz moradora
Em uma casa de madeira construída com alicerce alto para reduzir o impacto da enchente, Vera Lúcia dos Santos mora há cinco anos, vizinha do Rio Caí. A cada cheia, a casa fica ilhada. “Não chega a entrar dentro de casa, mas o pátio fica alagado e a gente acaba se molhando”, observa a moradora.
Vera observa que a água leva muita sujeira e tem consciência dos ricos de contrair doenças pelo contato, mas alega que não há alternativa. Ela diz que não adiantaria usar suas botas porque estão furadas. “Eu tenho medo da ‘doença do rato’ (Leptospirose)”, acrescenta. Após o recuo das águas, ela se esforça na limpeza da moradia para reduzir os riscos.
A moradora mudou para o bairro Municipal há cerca de cinco anos para fugir do aluguel. Seu antigo endereço era fora da área de enchente, mas tinha dificuldades em manter o aluguel. “Aqui eu não preciso pagar”, afirma.
Com o Rio Caí fazendo parte do cenário urbano de Montenegro, as enchentes fazem parte da rotina da cidade em época de chuvas mais intensas. Essa situação é uma razão a mais para a Vigilância Sanitária alertar para os riscos de doenças transmitidas pela água. Em um aviso divulgado pelo órgão, é observado que uma das principais ocorrências epidemiológicas após inundações é o aumento dos casos de leptospirose, diarréias, hepatites virais tipo “A”, dermatites, e outras doenças de veiculação hídrica.
Para alertar a população sobre esse assunto, a Vigilância Sanitária de Montenegro emitiu um alerta epidemiológico durante a última enchente. O documento, assinado pela coordenadora do setor, Silvana Schons, e pela enfermeira responsável, Kátia Kern, informa que, nessas situações, as pessoas que entraram em contato com lama ou água podem se infectar. Além disso, é observado que a população pode sofrer com sintomas de doenças, tais como: febre, dor muscular, cefaleia, icterícia (amarelão), ou outros sinais clínicos no período de até 30 dias após contato. Nestes casos, a orientação é a procura de ajuda médica junto aos postos de saúde, emergência ou pronto atendimento mais perto de sua casa, para tratamento e investigação.
Previna-se
– Evite contato direto com água e a lama após as enchentes;
– Não deixe as crianças brincarem em águas paradas ou lama;
– Não consuma alimentos que tiveram contato com a água da enchente ou inundação;
– Não beba água de fontes atingidas por enchentes ou inundações (poços, cisternas, rede pública) sem antes desinfetá-la: filtre e ferva ou adicione hipoclorito de sódio. Se a água apresentar cor, cheiro ou gosto estranho, pode estar contaminada por produtos químicos tóxicos. Não utilize;
– Ao retornar para casa, após as águas baixarem, limpe e desinfete o chão, as paredes, os objetos e as roupas atingidas, usando luvas e botas de borracha. Utilize água sanitária (uma xícara para cinco litros de água) e enxaguar com água limpa;
– Evite lixo e entulhos nos arredores de casa e acondicione o lixo adequadamente;
– Aranhas, cobras, escorpiões e roedores podem ter buscado abrigo em sua casa. Inspecione com cuidado;
– Enxurradas, enchentes e inundações podem causar a morte de animais. Enterre as carcaças em covas profundas ou solicite apoio do serviço de limpeza municipal, para evitar a contaminação ambiental e a possível transmissão de doença.
Fonte: Vigilância Sanitária de Montenegro
Algumas doenças transmitidas pelo contato com água contaminada
Diarréia Diarréia A diarréia pode ser provocada por micróbios adquiridos pela comida ou água contaminada. As diarréias leves quase sempre acabam sozinhas. No entanto, é preciso beber líquidos para evitar a desidratação, que é muito perigosa. Crianças e idosos correm maior risco de desidratação.
Cólera A cólera é transmitida principalmente pela água e por alimentos contaminados. Quando o vibrião é ingerido, instala-se no intestino do homem. Esta bactéria libera uma substância tóxica, que altera o funcionamento normal das células intestinais. Surgem, então, a diarréia e o vômito. Os casos de cólera podem ser fatais, se o diagnóstico não for rápido e o doente não receber tratamento correto. O tratamento deve ser feito com acompanhamento médico.
Leptospirose A leptospirose é uma doença bacteriana, que afeta humanos e animais, causada pela bactéria do gênero Leptospira. É transmitida pela água e alimentos contaminados pela urina de animais, principalmente o rato. É uma doença muito comum depois de enchentes, pois as pessoas andam sem proteção em águas contaminadas. Em humanos a leptospirose causa uma vasta gama de sintomas, sendo que algumas pessoas infectadas podem não ter sintoma algum. Os sintomas da leptospirose incluem febre alta, dor de cabeça forte, calafrio, dor muscular e vômito. A doença também pode causar os seguintes sintomas: olhos e pele amarelada, olhos vermelhos, dor abdominal, diarréia e erupções na pele. Se a leptospirose não for tratada, o paciente pode sofrer danos nos rins, meningite, falha nos rins e problemas respiratórios. Em raras ocasiões a leptospirose pode ser fatal. Muitos desses sintomas podem ser confundidos com outras doenças, de modo que a leptospirose é confirmada através de testes laboratoriais de sangue ou urina.
Hepatite É uma inflamação no fígado que pode ser provocada por vários tipos de vírus. Os sintomas são parecidos com os da gripe e há também icterícia (coloração amarelada da pele causada pelo depósito de uma substância produzida pelo fígado). A pessoa precisa ficar em repouso e seguir as orientações médicas. Algumas formas de hepatite são transmitidas por água e alimentos contaminados por fezes (Tipo A e E). Outros tipos são transmitidos por transfusão de sangue (B, C) ou por relações sexuais.
Esquistossomose É também chamada Xistose, ou doença do caramujo. Ela é provocada por um verme chamado esquistossomo. Os vermes vivem nas veias do intestino e podem provocar diarréia, emagrecimento, dores na barriga, que aumenta muito de volume (barriga-d’água), e problemas em vários órgãos do corpo. Além de tratar o doente com medicamentos, é necessário instalar um sistema de esgotos para impedir que os ovos atinjam a água.
Fonte: Ministério da Educação – blog do professor