Cercado de tabus e muitas vezes escondido na sociedade, o suicídio tem cada vez feito mais vítimas pelo mundo todo, sendo nos últimos tempos, mais prevalente entre jovens de 15 a 29 anos de idade. Desde 2003, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) utilizam a data 10 de setembro como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. A data é fundamental para que os países adotem estratégias de enfrentamento à causa. Apesar de o dia ser específico, ações ocorrem durante todo o Setembro Amarelo, campanha brasileira com a mesma finalidade: evitar o suicídio. No Brasil, o Setembro Amarelo é organizado, desde 2014, pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A campanha busca conscientizar a sociedade dos fatores de risco, dos sinais e sobre como o problema deve ser debatido o ano inteiro.
No dia 10, o objetivo principal é informar e alertar a sociedade para uma realidade dolorosa. O suicídio está associado a vários fatores de risco, dentre eles, socioculturais, genéticos, ambientais, entre outros. Com isso, a existência de um transtorno mental é um importante fator de risco para o suicídio. Já sabe-se que muitos dos casos de suicídio que aconteceram no mundo estavam relacionados a doenças mentais, principalmente não diagnosticadas ou tratadas incorretamente. Sendo assim, a maioria dos casos poderia ter sido evitada se os pacientes tivessem acesso a informações e tratamento de qualidade.
Giovane dos Santos é psicólogo do Sagrada Família, hospital que possui uma renomada ala de Saúde Mental em São Sebastião do Caí. Segundo ele, estima-se que nove a cada dez tentativas de suicídio poderiam ser evitadas. As medidas de prevenção podem ser adotadas por familiares, amigos, colegas de trabalho, professores, religiosos, profissionais de saúde e segurança, entre outros. “É importante observar quaisquer mudanças no comportamento das pessoas e manter um diálogo aberto e acolhedor, oferecendo ajuda e incentivando a procurar tratamento profissional”, destaca.
Aline Massena, coordenadora do CAPS de Montenegro, explica que falar sobre o assunto é uma maneira de prevenção, além da promoção de saúde. “Falar disso o ano todo é muito importante, para que a gente tenha o que fazer antes de chegar em uma situação de tentativa de suicídio. Assim, a gente pode auxiliar, encaminhar e tratar, evitando, muitas vezes, as situações mais trágicas que muito se tem presenciado em Montenegro”, destaca.
Segundo Aline, a família tem papel fundamental no suporte, apoio e acolhimento. “Muitas vezes, as primeiras pessoas que presenciam ou observam alguma alteração são da família. Estamos falando de situações em que a pessoa está acometida por um transtorno mental, então, está com seu juízo crítico comprometido. Assim, a pessoa não consegue ter condições de decidir se vai buscar ajuda ou não. O papel da família é neste sentido: ajudar para que a pessoa receba um tratamento profissional adequado”, afirma.
Tanto Aline quanto Giovane destacam a importância de observar os sinais. Os profissionais evidenciam que a depressão pode trazer diversos deles, como tristeza persistente, alterações de sono como insônia ou excesso de sono, inapetência ou alimentação exagerada, ansiedade, desesperança, isolamento, perda de prazer em atividades que antes se gostava e choro. “É preciso estar a tento a frases como “não quero mais viver”, “eu queria sumir”, “eu quero morrer””, destaca Giovane.
O psicólogo ressalta que geralmente a pessoa que tem uma ideação suicida traz falas de desistência em relação à vida. “Frequentemente são mais isoladas, têm mais sentimentos negativos, descuido consigo mesma e com a aparência, falta de planos e projetos para o futuro, queixas sobre angústias, desconforto e a busca de resolver questões pendentes para deixar tudo resolvido após sua morte”, alerta.
Depressão não é única motivação para o suicídio
É importante lembrar que não apenas a depressão é causa das tentativas de suicídio. Outros fatores como o uso abusivo de substâncias como álcool e drogas pode levar a pessoa ao problema. Giovane acrescenta que o abuso ou dependência de álcool e outras drogas pode colaborar com o quadro suicida. “A busca por drogas pode estar relacionada com a tentativa de aliviar momentaneamente outros problemas de saúde mental. Ao fazer o uso de drogas, a pessoa pode se tornar dependente química, agravando o quadro de saúde mental quando percebe que caiu numa armadilha, agora sendo escrava de uma droga, além dos problemas anteriores de saúde.” Segundo ele, estudos indicam que o suicídio está relacionado ao uso de álcool, o qual é ingerido antes da tentativa em torno de 21% dos casos, desinibindo a pessoa e potencializando a impulsividade para cometer o ato.
Ainda, Aline relembra dos fatores desencadeantes, algumas situações inesperadas que ocorrem na vida de uma pessoa e podem desencadear algum transtorno mental. “Riscos e tentativas de suicídio não se dão apenas pelo transtorno depressivo. Existem outros transtornos mentais que podem trazer esses pensamentos suicidas”, diz. Uma perda de ente querido, de emprego ou separação amorosa são alguns dos fatores desencadeantes. Por isso, mais uma vez, o papel da família e mais próximos se torna essencial. “Por alguma situação que aconteceu, a pessoa começa a ter sintomas e, se não tratar, pode evoluir para um quadro mais grave”, reitera Aline.
Giovane relembra que é muito importante que as pessoas tenham empatia. “Que consigam se colocar no lugar do outro, observando familiares, colegas de aula ou de trabalho, amigos, pessoas conhecidas, vizinhos e outras pessoas que possam estar sofrendo e vendo como única possibilidade acabar com a própria vida. Alguém próximo pode estar precisando de um apoio, uma palavra acolhedora, orientação ou ajuda profissional. Prevenir pode salvar muitas vidas”, conclui.
Por ano, 14 mil episódios de suicídio no Brasil
De acordo com a última pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019 foram registrados mais de 700 mil suicídios em todo o mundo, sem contar com os episódios subnotificados, pois, com estes, são estimados mais de um milhão de casos. No Brasil, que é o oitavo país em número de suicídios, os registros se aproximam de 14 mil episódios por ano, ou seja, em média, 38 pessoas cometem suicídio por dia. Segundo Giovane, 96,8% dos casos estavam relacionados a transtornos mentais. “A cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio no mundo sendo 32 pessoas por dia no Brasil. O Rio grande do Sul lidera as taxas de suicídio no país”, acrescenta.
Saúde mental precisa ser levada a sério
Muitas vezes, a saúde mental acaba não sedo levada a sério, por, muitas vezes, não se tratar de um sofrimento externo e/ou visível. “Algumas pessoas pensam erroneamente que os transtornos mentais são bobagem, frescura, falta de Deus, preguiça ou um jeito de chamar atenção. Assim, quem precisa, acaba não dando devida importância e não busca ajuda profissional adequada, o que pode piorar a situação”, destaca o psicólogo Giovane. Isso porque, assim, a pessoa acaba se sentindo incompreendida e se isola ainda mais, fazendo com que seu sofrimento mental possa culminar em tirar sua própria vida.
A saúde mental é, segundo a OMS, caracterizada por um estado de bem-estar no qual uma pessoa é capaz de apreciar a vida, trabalhar e contribuir para o meio que vive, ao mesmo tempo que administra suas próprias emoções. De maneira simplificada, isso quer dizer conseguir lidar com os próprios sentimentos positivos, como alegria, amor e coragem, como os negativos, como tristeza, ciúmes e frustrações. É por isso que a saúde mental é tão importante quanto a física.
No geral, alguns sinais indicam que você precisa olhar com mais atenção para sua saúde mental, dentre eles, se afastar de pessoas próximas; discutir ou brigar com os próximos sem motivo que justifique; ter alterações bruscas de humor, ou que comprometam o relacionamento com as pessoas ao redor; sentir a mente confusa; ter a sensação de medo, angústia, preocupação, raiva ou tensão em níveis exagerados; se sentir sem energia para nada; perder a noção de importância de situações ou pessoas; sentir dores no corpo sem razão aparente; sentir-se sem esperança, impotente ou sem perspectiva, entre outros.
Mas, qual a diferença entre transtorno mental e doença mental? O transtorno pode ser utilizado quando uma parte da vida da pessoa não está bem como deveria, mas ainda não há o diagnóstico se isso desencadeou ou não uma doença. Já quando se trata de doença mental, se refere à identificação de uma causa que compromete a saúde de uma pessoa. Neste caso, há um padrão de sintomas compatíveis com determinada doença, o que leva à necessidade de um tratamento específico. São doenças mentais: depressão, ansiedade, esquizofrenia, psicoses, transtorno de bipolaridade e distúrbios de personalidade e alimentares, por exemplo.
Centro de Saúde Mental Sagrada Família do Caí
Giovane destaca que o Centro de Saúde Mental do Hospital Sagrada Família conta com 32 leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) e 20 leitos particulares e convênios. São atendidas patologias como sofrimento psíquico e dependência química de homens e mulheres maiores de 18 anos de idade de todo o Rio Grande do Sul, através da central de leitos do Estado. Segundo Giovane, a internação ocorre mediante avaliação do médico psiquiatra quanto aos riscos.
“O paciente chega encaminhado pelos serviços de saúde dos municípios ou via emergência do hospital. Quando ele apresenta riscos para si mesmo ou outras pessoas, ou está em surto, risco de suicídio ou crise aguda, necessita de internação para estabilização do quadro”, explica o psicólogo. Assim, é logo atendido por uma equipe multidisciplinar, também com atendimento humanizado, como no CAPS. “Quando o quadro está estabilizado, o paciente é encaminhado para continuidade do tratamento em seu município, nos serviços de saúde como CAPS ou postos de saúde”, conclui.
CAPS realiza escuta, encaminhamentos e tratamento
Em Montenegro, o Centro de Atenção Psicosocial (CAPS), recebe pacientes por livre demanda, ou seja, sem a necessidade de encaminhamento, onde são imediatamente acolhidas. Aline Massena, coordenadora do Centro, explica que prioritariamente, o serviço de referência é o CAPS, mas que qualquer serviço de saúde do município está habilitado para receber pacientes que precisam de ajuda. A pessoa pode buscar ajuda com profissionais de saúde mental, como psicólogo ou psiquiatra, bem como nos serviços de saúde mental como CAPS e o Centro de Valorização da Vida (CVV) no telefone 188, ou, ainda, em qualquer um dos postos de saúde mais próximos.
Aline, juntamente da técnica de enfermagem Micheli Letícia Azevedo e a assistente social Jacilene Simas da Silveira, explica que, a partir daí, realizam a primeira escuta para, então, fazer o encaminhamento necessário. “É importante que as pessoas saibam que quando há uma ideação suicida, elas podem procurar qualquer serviço de saúde do município, como o posto de saúde, que é perto de casa e a pessoa está mais acostumada”, salienta Aline. Além dos encaminhamentos, algumas pessoas chegam ao CAPS por outras maneiras. “Atendemos diversos tipos de pessoas, desde aqueles que vêm mais abertos a buscar ajuda, mais declarados, até aquele que vem porque o familiar percebeu e está tentando buscar uma ajuda”, conta Aline.
Nos casos de urgência e emergência, em que a pessoa está em uma situação de risco, é necessário suporte hospitalar ou até uma internação em leito de saúde mental. No CAPS, assim como em qualquer serviço, tentativas de suicídio ou ideação suicida são recebidos. “Quando há um plano suicida, a gente encaminha para a emergência, que a referência é o Hospital Montenegro, acima de 12, 13 anos. A preferência é que a gente mande acima dos 14 anos”, afirma Aline. Se o Hospital Montenegro não tiver vaga, é solicitada a transferência para outro hospital de referência. Além do CAPS, há os serviços de Ambulatório de Saúde Mental e o Centro de Saúde Mental Infato-Juvenil, ambos também referência em saúde mental que podem recebem encaminhamentos.
Aline conta que a abordagem, desde a primeira escuta, é realizada de maneira humanizada. “A gente sabe que a pessoa tem muita resistência para buscar ajuda. Buscamos escutar a pessoa sem nenhum tipo de julgamento. O nosso único objetivo é ajudar, então nossa escuta precisa ser bastante acolhedora, para que a pessoa se sinta a vontade e queira receber a ajuda que o serviço vai disponibilizar”. O encaminhamento de cada paciente depende de sua situação quando chega até o CAPS. Geralmente, após a escuta, ocorre a avaliação e encaminhamento necessário, inclusive com orientações ao familiar ou responsável presente no momento sobre os cuidados de risco.
No CAPS de Montenegro, o atendimento multidisciplinar conta com cerca de 20 profissionais das áreas de enfermagem, assistência social, psicólogos, psiquiatras, terapeuta ocupacional, artesão, educadora física, sem contar colaboradores da recepção, serviços gerais e motorista. O Centro ainda não definiu programação deste ano.
Café com Fé debate o tema
Em alusão ao mês de prevenção do suicídio, na próxima terça-feira, dia 13, o Café com Fé da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, da Timbaúva, tratará sobre o assunto, a partir das 19h30min. As convidadas serão as psicólogas Eva Solange e Jéssica Prudente. A ideia é levar temas atuais da comunidade para dentro da Igreja, em um debate informal com os presentes. O evento é gratuito e aberto a toda a comunidade. Não é preciso ser membro da igreja para participar.