O próximo dia 24 é destinado a uma luta de grande importância para a população: o Dia Mundial de Combate à Tuberculose. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil ocupa o 17º lugar entre os 22 países responsáveis por 82% do total de casos de tuberculose no mundo. Embora seja uma doença que pode ser prevenida, tratada e curada, ainda mata cerca de 4,7 mil pessoas todos os anos no país. Mas, afinal, o que é a tuberculose? É uma doença infecciosa causada por uma bactéria, o bacilo de koch. Marcelo Basso Gazzana, chefe do Serviço de Pneumologia e Cirurgia Torácica do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, destaca o que muitas pessoas não sabem: essas bactérias podem contaminar qualquer órgão do corpo, mesmo que em 85% das vezes, o sistema respiratório seja o mais acometido. Pode ocorrer tuberculose óssea, renal, menígea, no fígado entre outros.
A enfermeira do ambulatório de infectologia da Secretaria Municipal de Saúde de Montenegro, Zaira Motta da Rosa, lembra que nem todas as pessoas infectadas pelo bacilo desenvolvem a doença. Ela pode permanecer no organismo durante anos, sem que o indivíduo adoeça por tuberculose. O nome disso é infecção latente por tuberculose, a ILTB.
Mas, você pode prevenir! Segundo o Gazzana, a tuberculose é transmitida de uma pessoa para outra, por meio das vias respiratórias. “O indivíduo contaminado, quando tosse ou fala emite gotículas nas quais estão os bacilos. Pessoas que possuem contato próximo com tuberculose pulmonar, tuberculose respiratória, em que o bacilo vem na tosse, podem se contaminar”, explica.
Por isso, afirma que a melhor forma de prevenir é reconhecer precocemente os pacientes sintomáticos, principalmente os que têm sintoma de tosse persistente. “É preciso diagnosticar e começar a tratar porque, com o tratamento, normalmente em duas semanas essa chance de contágio diminui bastante”, pontua. Gazzana lembra que ainda existem as vacinas que são uma importante forma de prevenção. Dentre elas, a Bacillus Calmette-Guérin, a BCG, que protege contra as formas graves de tuberculose que são a miliar (que se espalha pelo corpo) e a menígea. A vacina está disponível no Sistema Único de Saúde, o SUS, em Montenegro. Segundo Zaira, a BCG deve ser dada às crianças ao nascer, ou, no máximo, até os quatro anos, 11 meses e 29 dias de idade.
Zaira ainda destaca que ambientes fechados, mal ventilados ou com ausência de luz solar e aglomerado de pessoas tornam maior a chance de transmissão. Previna! “É importante manter a casa arejada, permitir a entrada de luz solar e manter as janelas abertas para adequada circulação do ar”, destaca. A enfermeira pontua que é de extrema importância que o paciente leve a mão ou o braço até a boca e nariz ao espirrar/tossir para diminuir a disseminação dos bacilos. São medidas essenciais durante a fase de transmissão.
Fatores que influenciam
Marcelo Basso Gazzana aponta que existem faixas etárias mais vulneráveis à tuberculose, que são abaixo dos cinco anos de idade e acima dos 60/65 anos. Mas, este não é o único fator que influencia na probabilidade de contrair a doença. Pessoas que tenham defesas baixas como pacientes que fazem quimioterapia; que tenham deficiência de anticorpo; com HIV que não estejam em tratamento adequado ou pessoas com câncer estão mais suscetíveis. “Esses indivíduos possuem uma imunidade menor e têm chances de, se tiverem contato, desenvolver tuberculose”, explica. Não confunda: pessoas imunocompetentes, ou seja, que não tenham nenhum problema de saúde, também podem ter a doença. “É uma doença endêmica, ela nunca sumiu, nunca se conseguiu erradicar e é muito comum ao longo da vida ter contato com uma pessoa com tuberculose”, afirma.
Sintomas
Quanto aos sintomas da tuberculose, depende do órgão acometido. Segundo Gazzana, quando o pulmão é comprometido, em geral, o paciente tem tosse prolongada por mais de duas semanas; catarro com sangue; emagrecimento; febre; suor noturno; cansaço e falta de ar. Entretanto, o paciente não precisa necessariamente estar com todos os sintomas para estar com a doença.
Eventualmente, só a tosse mais prolongada por tempo mais prolongado pode ser suficiente, ou só o sangramento. “Se for em outros órgãos, é comum na tuberculose em qualquer órgão a perda de peso, febre e sudorese. Se for a tuberculose da meninge, a dor de cabeça também é um sintoma”, salienta. O médico adianta: pacientes com esses sintomas devem procurar uma assistência médica sem demora.
Diagnóstico
Após procura por um médico, o bacilo pode ser visualizado em microscópio e identificado por “cultura”, que, na explicação de Gazzana, é um método que faz com que ele cresça. São várias as técnicas de laboratório que podem ser feitas para identificar o bacilo. “A mais comum é a baciloscopia do escarro, ou seja, o diagnóstico é feito a partir do exame de microscopia para encontrar o bacilo. O mais utilizado para identificação é o exame do catarro”, destaca.
Já nos outros órgãos, depende. “Eventualmente precisamos fazer uma biópsia, ou seja, tirar um fragmento de uma parte do corpo — do pulmão, da pleura, ou de algum outro órgão comprometido — para fazer o diagnóstico”, conclui.
Tratamento tem acompanhamento e busca ativa
O tratamento para a doença está disponível no SUS, em Montenegro. Ele é disponibilizado pela Secretaria de Saúde e através de todas as UBS’s e ESF’S do município. Zaira adianta que o tratamento inclui a realização e monitoramento de exames além de disponibilização dos medicamentos e acompanhamento médico e de enfermagem. Em casos de abandono também é feita a busca ativa do paciente pelo serviço social.
O tratamento é feito com antibióticos específicos para a tuberculose. Gazzana pontua que esta é uma doença que precisa de tratamento que é feito com quatro medicamentos que devem ser utilizado por seis meses. “É fundamental que o paciente complete todos os seis meses, mesmo que ele melhore muito antes, porque o tratamento incompleto pode fazer a doença voltar até mais resistente”, alerta. Os medicamentos não são comprados em farmácia para evitar o uso inadequado. Eles são distribuídos pelo sistema público.
“O paciente precisa pegar esse tratamento nos postos de saúde, no setor de tuberculose. Eles podem ter alguns efeitos colaterais, mas, em geral, são efeitos tratáveis para que o paciente possa permanecer com o tratamento”, acrescenta. Após a descoberta da doença, os pacientes devem ser acompanhados por seu médico durante todo o tratamento para ajustá-lo se houver efeitos colaterais e também para seguir adiante. “A longo prazo, também é importante avaliar se o paciente vai terminar o tratamento adequadamente”.
A assistente social montenegrina Ana Paula da Silva Martins explica que a busca ativa ocorre por conversas com o paciente, onde é explicado para o mesmo a ideia de que ele tem o dever de se tratar, já que a doença é altamente transmissível e um risco para a saúde pública. “Na maioria dos casos, conseguimos trazê-los de volta. É uma questão de não desistir do paciente, fazer um papel para sensibilização. Muitos deixam de vir pela desinformação”, relata.
Gazzana diz que um dos maiores desafios após descoberta da tuberculose é evitar que o paciente abandone o tratamento quando se sente melhor, ou então porque está tendo muitos efeitos colaterais. Por isso, é importante fazer visita domiciliar dos pacientes que não vão ao posto. “Normalmente, eles têm que ir uma vez por mês pegar o remédio. Se eles não forem ao posto, é fundamental ir atrás desses pacientes para evitar o abandono ao tratamento, que acaba causando multirresistência por uso inadequado dos remédios”, salienta.
Outro desafio é identificar e orientar as pessoas com quem o paciente que teve tuberculose pulmonar convive e, nesses casos, investigar quem está com sintoma respiratório. “É muito importante avaliar os pacientes precocemente, tratar precocemente e investigar os contactantes para ver quem pode ter tuberculose para também tratar o quanto antes ou usar medicamento preventivo”, afirma.
Casos diminuem e pandemia pode ter afetado dado
Apesar de disponibilidade gratuita de tratamento da tuberculose pelo SUS em Montenegro, apenas em 2019 o município registrou 58 casos; destes, 41 tiveram cura; sete abandonaram o tratamento; cinco obtiveram transferência e cinco foram a óbito. Em 2020, 36 registros foram coletados, sendo 21 curados; novamente sete abandonos; duas transferências e seis óbitos, um a mais do que o ano anterior. Já em 2021, o número de casos caiu para 37, sendo 10 curados; três abandonos; uma transferência e dois óbitos.
Na Secretaria Estadual de Saúde, SES, os números também têm uma queda. Em 2017, foram registrados 4.868 novos casos; seguido por 5.073 em 2018; 5.374 em 2019 e, último dado, 4.587 em 2020. A SES adianta que os indicadores de tuberculose relativos ao ano de 2021 serão analisados e detalhados somente no final do mês de março de 2022.
A assistente social Ana Paula da Silva Martins credita a constante diminuição de casos à pandemia da Covid-19. “O uso da máscara de lá para cá e até mesmo menor aglomeração podem ter impactado diretamente nesse número, já que a tuberculose é transmitida de maneira muito parecida com o coronavírus”, afirma. Porém, mesmo que em diminuição, os dados ainda preocupam. “Isso porque o paciente pode não ter buscado o seu posto de saúde após ter os sintomas, justamente por medo da pandemia, então esse registro não ocorreu, mas ele pode ter a doença”, aponta.
Programa Estadual de Controle da Tuberculose
Você conhece o Programa Estadual de Controle da Tuberculose, o PECT-RS? Ele foi criado na década de 70, pelo médico sanitarista Werner Paul Ott, que organizou todos os fluxos para o controle da enfermidade no Rio Grande do Sul. Desde 2007 o setor está sediado na Divisão de Vigilância Epidemiológica do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, o CEVS, em Porto Alegre. Segundo Carla Jarczewski, médica pneumologista e coordenadora do PECT, o programa tem atribuições bem definidas.
Dentre elas, gerencia e executa as ações de controle da tuberculose e realiza articulações intra e intersetoriais que possam fortalecer tais ações. Além disso, monitora os indicadores epidemiológicos e acompanha o cumprimento das metas estabelecidas pela gestão do SUS; monitora os casos em tratamentos especiais; realiza visitas de monitoramento aos municípios prioritários para controlar a doença; realiza o controle logístico, calcula a demanda e armazena os medicamentos para tuberculose e insumos no nível estadual entre outros.
Carla destaca que a PECT trabalha de forma integral e próxima com a esfera Nacional, como com as Coordenadorias Regionais de Saúde e com os municípios com alta carga de tuberculose no RS, a qual Montenegro está inclusa. Ela ainda relembra que durante a pandemia, o PECT necessitou reinventar estratégias de trabalho, realizando treinamentos, reuniões virtualmente e resolução de problemas através de contatos telefônicos.
A coordenadora ressalta que a tuberculose segue sendo um grave problema de saúde pública, apesar de seu diagnóstico e tratamento estarem disponíveis há muitos anos na rede pública de saúde. “Perceber os sintomas, acessar a rede para realização de exames e seguir com o tratamento até o final são ações fundamentais para o controle da doença”, alerta. Ainda, destaca um dado importante: no RS, cerca de 15% dos pacientes com tuberculose são também diagnosticados com HIV. “O início do tratamento das duas enfermidades em tempo oportuno é muito importante para redução das taxas de mortalidade neste grupo vulnerável específico”, conclui.