É no bairro Faxinal, em Montenegro, que mora um caso raro de dextrocardia com situs solitus. Pode parecer improvável, mas o nome se dá a condição de “desvio” do coração, ou seja, o pequeno Eduardo, de cinco meses, nasceu com o coração do lado direito do peito. O cardiologista Paulo Ernesto Leães, chefe do Serviço de Cardiologia da Santa Casa de Porto Alegre, explica que esta é uma anomalia congênita e embriológica que pode ocorrer com, além de o coração, outros órgãos (dextrocardia com situs inversus totalis) ou de maneira isolada, que é o caso do menino. Ele pontua que pode ter uma evolução normal, sem outros defeitos, ou pode vir acompanhado de outros problemas cardíacos.
Segundo Leães, esta malformação decorre de uma rotação anômala do tubo primitivo do coração para a esquerda, em uma imagem especular do normal, o que ocorre por volta da oitava semana de vida embrionária. O cardiologista destaca que a doença é genética, recessiva e depende de alterações cromossômicas dos genes em ambos os pais. Ele atenta para dados da literatura que afirmam que a dextrocardia isolada acontece aproximadamente em uma a cada 20.000 pessoas, condição considerada rara.
Atualmente saudável e em acompanhamento com profissionais, Eduardo traz a tranquilidade que a família buscava durante a gravidez não esperada de Luciana Ribeiro Lopes, 28, sua mãe. Mesmo tomando contraceptivos orais, ela engravidou e, sem ter planejado um bebê, se acostumou com a ideia e o sentimento materno tomou conta de sua vida.
“Ninguém sabia ao certo o que o bebê tinha”
Um dia depois de seu aniversário no ano passado, Luciana deu entrada no hospital com uma pedra que ficou alojada em seu reto. Durante o processo de internação, descobriu a gravidez. Já no pré-natal, na primeira ecografia, o bebê apareceu com um “buraco no peito”, que, por alguns meses, foi dado como hérnia diafragmática (que permite que o conteúdo da cavidade abdominal passe para o tórax). “Eu entrei em desespero, chorei muito e foi horrível”, relembra a mãe. Depois, Luciana relembra que nenhum médico soube dizer ao certo o que o bebê tinha. “Tive que fazer ecografias de duas em duas semanas para tentar descobrir o que era. Foram mais de 20 no total”, conta.
Luciana e os profissionais temiam que seu bebê tivesse complicações ou doenças, ainda desconhecidas. Após muitas tentativas sem sucesso, Luciana descobriu em Montenegro que o seu bebê tinha um desvio do coração. “Logo que eu voltei a consultar em Porto Alegre o médico disse que já tinha visto o desvio, mas que não me contaram para não me preocupar”, relata. Em mais uma das consultas, Luciana soube que estava também com deslocamento da placenta.
A partir daí, o medo de um aborto espontâneo era corriqueiro na vida de Luciana. “Eu fiquei tão estressada, chorava bastante. Procurava sobre hérnia na internet, porque podia ser isso, e aparecia que menos de 10% dos bebês sobrevivem. Eu ficava apavorada. Os médicos me diziam que iam tentar fazer ele sobreviver se ele nascesse”, destaca. “Eu ficava cada vez mais medrosa, chorosa e menos esperançosa e animada. Eu chorava pensando na possibilidade dele nascer e eu perder ele. Eu também tinha possibilidade de perder ele ainda no meu ventre. Quando ele ficava algumas horas sem mexer na minha barriga eu ficava cutucando, então quando ele mexia, eu sabia que estava bem”, recorda emocionada.
Luciana lembra, ainda, que médicos e pessoas de seu convívio opinavam que o bebê tinha grandes chances de não sobreviver. “Me diziam que ele teria minutos de vida e me orientavam ao aborto caso eu estivesse sofrendo muito.” Em consenso com o marido, Luciana foi firme na decisão de ter o bebê. “Eu só pedia a Deus para me trazer meu filho bem e com saúde”, diz. “Mesmo que ele nascesse e falecesse, a gente queria ter ele nos nossos braços e por aquele momento ele ia ser nosso”, pontua.
Luciana lembra que próximo a data da concepção, soube que se nascesse, seu bebê precisaria de UTI, cirurgias, incubadora e médicos especializados, o que só aumentou a aflição. No dia 22 de novembro ela realizou o parto e seu bebê nasceu de 37 semanas, prematuro. Por incrível que pareça, o pequeno Eduardo não precisou de nenhum tratamento especial e veio ao mundo sem buraco algum no peito. “Ver ele perfeito limpou minha alma, foi um alívio. Quando ele abriu a goela eu só agradeci a Deus”, afirma. Ao voltar para casa, Eduardo teve e ainda tem acompanhamento médico para que nunca haja dúvidas sobre seu estado de saúde.
Leães afirma que, se o pequeno tiver apenas dextrocardia, pode ter vida normal. Porém, se associado a outros defeitos, problemas podem surgir. “Por isto, a consulta ao médico é necessária para avaliar os defeitos associados e repercussão na saúde dos pacientes com esta anomalia congênita”, salienta. Ele ainda pontua que, somente a consulta ao pediatra ou cardiologista poderá esclarecer a situação do paciente. Segundo o especialista, através do exame físico, análise dos sintomas e exames de imagem como raio X do tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma, tomografia computadorizada ou ressonância magnética.