Cultura do remédio aumenta número de farmácias

Montenegro tem 26, o que representa uma a cada 2,4 mil habitantes. Recomendação da OMS é de uma a cada 8 mil

Basta caminhar pelas ruas de Montenegro para perceber a quantidade de Farmácias. Apenas na Ramiro Barcelos, no trecho entre a Rodoviária e a Caixa Econômica Federal, são 15 estabelecimentos. Quanto mais se aproxima da região central, maior é a concentração das lojas do ramo.

Outra curiosidade que se percebe é que muitas ficam nas esquinas, as cornerchops, estratégia adotada pelas empresas para dar mais visibilidade, além de atrair mais clientes. Nessa busca de oferecer cada vez mais qualidade, conforto e variedade, as farmácias oferecem chás, café, cadeiras de espera, estacionamento e até brinquedoteca.

Maurício Nin, presidente do CRF-RS diz que entre os perigos do excesso de farmácias está o descontrole da concorrência, estimulando o uso irracional, através da venda “casada” de produtos

Em Montenegro são 26 farmácias, o que representa um estabelecimento para cada 2,4 mil habitantes- do total de 63.551 mil, de acordo com a estimativa do IBGE para 2016. A recomendação da organização Mundial da Saúde (OMS) é de uma farmácia a cada 8 mil habitantes.

Em todo o Estado são 636 farmácias e outras 4.749 drogarias. Comparando os dados do Conselho regional de Farmácia (CRF/RS), apenas entre os meses de abril e maio houve um salto de 5.303 para 5.385 (número total de farmácias e drogarias).

De acordo com o presidente do CRF-RS, Maurício Schüler Nin, em muitas cidades existe uma concentração de farmácias além do recomendado. “Em países desenvolvidos, há em média 1 Farmácia para cada 3,5 mil habitantes. Aqui no RS há cerca de 1 farmácia para cada 2,1 mil. Entretanto no Brasil não há qualquer tipo de impedimento para que o número siga crescendo, já que não há previsão legal desta limitação”, defende.

Entre as vantagens da maior variedade de farmácias, Nin destaca que, dessa forma, há uma concorrência em um item que consome até 12% da renda mensal do brasileiro e possibilita um maior acesso à saúde. “Visto que a farmácia é, na maioria das vezes, o primeiro ponto de contato com ambientes de saúde, e eventualmente o único, e neste local há um profissional farmacêutico”, completa.

Porém, tem suas desvantagens, como o descontrole da concorrência, que pode gerar condutas danosas à população, estimulando o uso irracional, através da venda “casada” de produtos, ou a chamada “empurroterapia” de medicamentos, além da banalização do uso do medicamento, que não é isento de riscos.

Perigos da automedicação
Esse alto número de farmácias traz um temor. A grande oferta de medicamentos aliada à facilidade de aquisição causa a preocupação com a automedicação. O que, segundo o presidente do CRF-RS, é possível, principalmente quando a concorrência promovida por uma alta densidade em algumas cidades e locais promove um descomprometimento com a ética que envolve qualquer procedimento em saúde. “Sabemos que 75% da população faz uso de automedicação, e deste total, um terço aumenta a dose por iniciativa própria. Aí entra um importante papel do profissional farmacêutico, e é aí que também entra o papel do Conselho Regional de Farmácia, promovendo a fiscalização desses estabelecimentos”, defende.

O médico psiquiatra, Ricardo de Oliveira Silveira, afirma que há um desconhecimento dos potenciais malefícios que uma medicação pode causar quando utilizada de maneira equivocada. “Existem vários problemas decorrentes do uso inescrupuloso de antibióticos, por exemplo, que muitas vezes são utilizados, através da automedicação, sem motivo ou indicação adequada e isto pode levar a aumento de bactérias ultra-resistentes”.

Segundo Silveira, existem medicamentos que são mais utilizados na automedicação, como analgésicos, antiinflamatórios, remédios para insônia (benzodiazepínicos), estimulantes, que podem agravar os sintomas, como cefaléia, ou causar outros problemas como sintomas gastrintestinais, discrasias sanguíneas, intoxicações, ou ainda interagir com outros fármacos já utilizados e prescritos com adequação.

“Há um aspecto cultural, creio eu, facilitado pela ‘cordialidade’ do brasileiro ‘o meu vizinho toma o tal remédio e me indicou’, agravado pela dificuldade de acesso à saúde e de médicos e farmacêuticos à disposição pela rede de saúde publica”, acrescenta.

Variedade na oferta de produtos além dos medicamentos
Não é só de medicamentos que se mantém uma farmácia. Para chegar até o principal item vendido é preciso andar, pelo menos, uns cinco metros dentro da loja. Pedir ao atendente, ou farmacêutico e ai sim, se tem o remédio.

Fernanda Wolff, farmacêutica, diz que hoje existe uma grande variedade de produtos nas farmácias, que possibilitam oferecer aos clientes não só os remédios. “Ele consegue vir na loja e procurar tudo que necessita. Hoje temos material ortopédico que é quase uma venda casada. Geralmente o cliente precisa de outro material e assim conseguimos suprir essa necessidade, por isso se incorporou esses itens na farmácia”, argumenta.

Para a gerente de farmácia, Maiane da Silva Pereira, o número de lojas é uma forma de atrair mais clientes. “Até porque oferecemos um mix de perfumaria, além do medicamento, se pode fazer compras em outros setores”. Para ela, a grande variedade de farmácias, não estimula a automedicação.

Jaqueline defende a responsabilidade dos profissionais farmacêuticos na hora de orientar os clientes sobre as possíveis reações ao remédio

Jaqueline Kirch Vercelhese, farmacêutica responsável em um estabelecimento no Centro, defende que a variedade contribui para o aumento das vendas, além de facilitar para o próprio cliente, que não precisa andar muito para encontrar o que procura.

Para ela, a quantidade de estabelecimentos não influencia a automedicação, e sim a responsabilidade do farmacêutico e do atendente. “Acredito que depende muito da filosofia da farmácia. Nós optamos por não fazer mudanças nas indicações de medicamentos receitados pelo médico”, ressalta.

Jaqueline diz que existem muitas pessoas que procuram os estabelecimentos com indicações de vizinhos e que cabe ao profissional orientar sobre os perigos da automedicação. “Muitas vezes as pessoas chegam dizendo: ‘Ah…meu vizinho indicou tal remédio’. Ai vem a nossa responsabilidade de orientar sobre o risco de reações adversas. As vezes as pessoas indicam para uma coisa e nem é para isso. Ai precisamos explicar todas as reações da medicação. Acredito que temos que vender a medicação que é necessária para a pessoa e ela saber da importância do uso racional”, completa a profissional.

Farmácia ou drogaria?
A partir de 2014, através da Lei Federal 13.021 de 2014 temos a seguinte definição:
Farmácia sem manipulação ou drogaria- estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais;

Farmácia com manipulação– estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, compreendendo o de dispensação e o de atendimento privativo de unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica. Ou seja, hoje todas passam a se chamar Farmácia, tendo ou não manipulação de fórmulas.

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