CPI do Bela Vista acusa sete pessoas de negligência

Ex-diretores e secretários de Habitação, representantes do Movimento de Luta pela Moradia e o ex-prefeito Percival de Oliveira estão na berlinda

A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou irregularidades na construção do Loteamento Bela Vista, no bairro Estação, concluiu seus trabalhos com a apresentação do relatório final. No documento, a vereadora Josi Paz (PSB), relatora do processo, pediu o encaminhamento do material ao Ministério Público para a responsabilização de sete pessoas. São ex-integrantes do governo Percival (Leone Kaiser Bozzetto, José Carlos Ávila, Dorivaldo da Silva e Adriano de Mello), que atuaram como diretores e secretários de Habitação; o próprio ex-prefeito e integrantes do Movimento de Luta pela Moradia (Janir Teodoro e Clecy Aparecida da Rosa Mendes), indicados pela ONG para acompanhar a execução dos trabalhos.

Durante as investigações, foram analisados milhares de documentos e ouvidas dez testemunhas. Segundo o presidente da CPI, Talis Ferreira (PR), os acusados produziram provas que permitiram à empresa responsável pela execução das 166 casas, a construtora ProjetoCidades, receber, junto ao banco Economisa, agente financeiro do programa, por obras inacabadas e até mesmo não realizadas. A comissão concluiu que houve omissão do poder público e dos seus agentes no acompanhamento e na fiscalização.

Segundo a vereadora Josi, durante as oitivas, várias vezes foi dito que os ocupantes das casas, apesar dos problemas, estão vivendo em situação melhor do que antes, quando se abrigavam em barracos e embaixo de lonas. “Na verdade, a Prefeitura tirou estas pessoas de uma situação de risco e as colocou em outra, pois há casas que podem desabar a qualquer momento sobre os seus moradores”, ataca.

A comissão se ateve à postura dos agentes públicos envolvidos no projeto, segundo o presidente Talis Ferreira, porque a empreiteira, o banco Economisa e a Prefeitura já estão respondendo pelas irregularidades em uma ação judicial, proposta pelo Ministério Público. Como este programa habitacional era do governo federal, a Prefeitura apenas aderiu. O agente financeiro havia sido definido pela União e a empreiteira escolhida pelos futuros beneficiários, a partir da análise de algumas propostas.

“Está muito claro que as pessoas envolvidas se omitiram na tarefa de fiscalizar a execução e garantir que as casas tivessem boas condições de habitabilidade”, afirma Josi. No relatório, há um levantamento fotográfico mostrando moradias sem forro, sem piso, com janelas e portas apodrecidas, fios expostos, vigas e paredes rachadas. “Estas construções jamais poderiam ter sido liberadas para ocupação”, acrescenta.

Contratos definiram o papel do Município na execução do projeto
O relatório aponta que a responsabilidade dos agentes públicos na situação fica evidente a partir da leitura do contrato entre o banco Economisa e a Prefeitura. O texto prevê que o projeto arquitetônico, especificação dos materiais, serviços e métodos cabiam ao Município. “Ou seja, o Município de Montenegro assumiria a integral responsabilidade pela produção das unidades habitacionais, comprometendo-se a providenciar o seu planejamento, administrando o trabalho social de mobilização dos beneficiários e zelando pela sua construção, de forma que acompanharia a obra até o término de sua execução e reportando ao banco Economisa qualquer irregularidade”, aponta o relatório. Obviamente, isso não ocorreu.

PISOS quebrados nos banheiros são problema comum na maioria das residências

Josi ressalta que, na mesma linha, no contrato firmado com o governo estadual, constou que era dever do município acompanhar e fiscalizar os acertos com terceiros para execução dos objetivos do convênio, responsabilizando-se pelos recebimentos provisórios e definitivos relativos às obras e/ou serviços de engenharia. “E muito embora a obra tivesse acompanhamento de fiscais da Prefeitura Municipal, de uma comissão de obras com futuros moradores e do Conselho Municipal de Habitação, os atos se deram de forma ineficiente, causando execuções inadequadas e finalizações indevidas do Loteamento”, acusa a relatora. A Administração também teria sido irresponsável ao permitir a ocupação de muitas casas sem que estivessem prontas.

PORTAS e janelas apodreceram rapidamente e até pedaços de parede já caíram

Sexta-feira, o relatório final, de 27 páginas, foi entregue ao presidente da Câmara, Cristiano Braatz (MDB), que deverá colocá-lo em votação nesta quinta-feira, dia 28. Em caso de aprovação, será enviado ao Ministério Público. Além dos vereadores Talis e Josi, a comissão teve a participação de Juarez Vieira da Silva (PTB), Joel Kerber (Progressistas) e Valdeci Alves de Castro (PSB).

Saiba Mais
– O Loteamento Bela Vista, construído no bairro Estação, é fruto de uma parceria entre a União, Estado e Município. Para cada unidade, foram destinados R$ 10.500,00;
– para a implantação do núcleo, o agente financeiro escolhido pelo governo Federal, por meio de leilão, foi o Banco Economisa, de Minas Gerais, que contratou a empresa ProjetoCidades, de Lajeado, para a obra, após opção feita pelos beneficiários da obra. Ao Município coube a infraestrutura da área e a fiscalização do trabalho;
– a Administração Percival sempre alegou que, com o dinheiro disponível, não havia como construir moradias melhores;
– sobre a qualidade das obras, o governo garantiu que enviou relatórios ao Banco Economisa. Uma arquiteta da Prefeitura foi a Minas Gerais para alertar os técnicos da empresa. Engenheiros mineiros teriam vindo à cidade depois disso e informado que, pelo valor, os serviços estavam dentro do esperado;
– a Empresa ProjetoCidades foi vendida e a nova proprietária não foi localizada. Contudo, a administradora na época da construção do Bela Vista, Naiá de Souza Flech, diz que, quando assumiu o empreendimento, o valor já estava defasado;
– a isso, teriam se somado outras dificuldades, como a falta de infraestrutura dos lotes. Muitos terrenos não teriam sido deixados em condições de uso pela Prefeitura;
– o maior problema, entretanto, teriam sido os roubos e o vandalismo. Durante a noite e aos finais de semana, bandidos invadiam as casas e levavam fios, canos, pias, sanitários, portas e janelas, o que teria exigido inúmeros consertos.
– No dia 2 de maio de 2012, o promotor de Justiça, Thomás Henrique de Paola Colleto, ingressou com uma ação civil pública na Justiça buscando a reforma e a reconstrução das 166 casas. Embora os réus (Prefeitura, construtora ProjetoCidades e banco Economisa já tenham sido condenados, as obras ainda não foram realizadas, graças a recursos judiciais.

O que disseram os citados?
– Leone Kayzer Bozzeto –
Explicou que, durante a construção do loteamento, ocupou dois cargos na Administração, inicialmente como procuradora geral do Município e, posteriormente, como secretária de Habitação. Ressaltou que quem escolheu a Construtora Projeto Cidades foram os próprios beneficiários. Apontou que o projeto era de um embrião e não de uma casa completa, de forma que os moradores deveriam, às suas próprias custas, realizar as devidas melhorias. Também garantiu que não fez a “liberação” de casas para pagamento e repasse aos moradores, alegando que, no período em que respondeu pela Secretaria, não houve conclusão de unidades. Contudo, entregou à CPI documentos em que aparecem o nome e a assinatura do ex-diretor Dorivaldo da Silva e do ex-prefeito Percival, que teriam sido usado pela construtora para receber os valores referentes a obras que não foram devidamente executadas.

APARENTEMENTE, a quantidade de ferro usado nas vigas não foi suficiente

– Dorivaldo da Silva, o “Dorinho” – O ex-diretor de Habitação alegou que, quando iniciou no Executivo, a obra do PSH já estava em andamento. Revelou que, basicamente, seu cargo estava “no papel”, uma vez que não era chamado para reuniões e seu trabalho se resumia em buscar os apenados que ajudavam na execução da obra e a realizar serviços de pedreiro. Sobre seu nome e assinatura em documentos atestando a entrega de casas “prontas” para pagamento à empreiteira, disse que recebeu ordens superiores da então secretária Leone.

– Adriano Mello – Também ex-diretor de Habitação do Município, explicou que, enquanto esteve no cargo, era responsável pelo recebimento das obras, além do ex-prefeito Percival e de um representante do Movimento de Luta pela Moradia. Porém, enquanto exerceu a função de diretor, não teria recebido nenhuma casa. Inclusive, teria se negado a assinar documentos. Relatou que o ex-prefeito Percival chegou a chamá-lo para uma conversa, pois a liberação da última parcela do repasse dependia do recebimento das casas. Mesmo assim, não teria assinado os papéis, acreditando que tenha sido este um dos motivos de sua exoneração. Relatou que visitava a obra uma vez por semana e que alertou que a construtora não era de confiança, pois não encerrava a construção de nenhuma das casas.

– Percival de Oliveira – Garantiu que não tinha conhecimento de como eram realizados os pagamentos das casas, uma vez que se tratava de responsabilidade do secretário da Habitação. Informou que havia fiscais da Prefeitura acompanhando a obra e que nunca recebeu qualquer notificação de problemas acerca da execução. Segundo o ex-prefeito, seus secretários tinham autonomia para tomar decisões nas suas respectivas pastas, de forma que não tomava conhecimento de vários ocorridos nas obras do loteamento. Assegurou que as entregas das unidades habitacionais foram feitas pelos técnicos da Secretaria Municipal de Habitação. Ressaltou que o objetivo do projeto sempre foi a entrega de um embrião e não de uma casa inteiramente pronta. Por outro lado, observou que não recordava de muitos fatos em razão de um Acidente Vascular Cerebral de que foi vítima no final do segundo mandato.

– José Carlos Ávila (também ex-diretor de Habitação) e Janir Teodoro e Clecy Aparecida da Rosa Mendes (integrantes do Movimento de Luta pela Moradia) encarregados de acompanhar a execução e a liberação das obras, embora também tenham sido acusados de negligência, não foram ouvidos pela CPI. A reportagem do Jornal Ibiá não conseguiu fazer contato com eles.

NESTA CASA, a parede de alvenaria simplesmente desabou e foi substituída de forma precária por pedaços de madeira

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