Com uma população 54% negra, a representação política no Brasil é na maior parte branca, segundo o IBGE
O Dia da Consciência Negra, celebrado nesta sexta-feira, 20, no Brasil, sendo feriado em algumas cidades, além de relembrar a data da morte de Zumbi dos Palmares, ícone da luta contra o preconceito racial no país, é também um momento de reflexão sobre a inserção dos negros na sociedade brasileira. Poucos dias após a eleição municipal, a data faz refletir neste ano, em especial, sobre a participação dos negros na política. Em 147 anos de história, Montenegro nunca teve um vereador negro. E, nas eleições que ocorreram no último pleito, dia 15, dos 103 concorrentes, somente oito aspirantes à Câmara declararam-se descendentes de africanos, e desses, nenhum foi eleito para o próximo mandato.
“O negro ficou muito tempo sem poder votar; sem ter propriedades; sem estudar, no pós-abolição, tudo isso deu esse atraso na construção da democracia brasileira. Sem falar que a gente pode dizer que isso reflete na construção política do nosso país”, diz o jornalista, sociólogo, e coordenador geral da Central Única das Favelas (Cufa) em Montenegro, Rogério Santos. Segundo ele, a representatividade no legislativo é uma caminhada a ser feita no município.
Rogério cita a representação política extremamente desigual à população que existe. “O homem branco sempre está no poder e sempre esteve no poder. A gente tem uma democracia que funciona de forma racializada e invertida, com homens brancos discutindo, debatendo e produzindo serviços para o homem negro”, explica. “Nós negros e negras tentamos participar de alguma forma da política montenegrina, mas o espaço sempre é muito pouco, independente se é partido de direita, centro ou esquerda”, fala.
Em contrapartida à realidade do município, diversas cidades brasileiras mostraram um pouco de evolução na representatividade negra no legislativo. Em Porto Alegre, por exemplo, depois de 24 anos da primeira e única negra eleita na Câmara, cinco negros foram eleitos no último domingo, sendo quatro mulheres.
“A importância de ter uma pessoa negra no nosso legislativo ou executivo é de ter uma referência e uma representatividade negra. De ser uma pessoa que represente uma administração visando o todo, que está na nossa constituição, mas não acontece isso no Brasil, por isso que a política está muito segmentada”, declara o jornalista Rogério.
Na opinião de Rogério, todos os dias devem ser valorizados, não só o 20 de novembro. “Hoje a gente está tendo um dia 20 de novembro para empoderar e mostrar para as pessoas que todas as raças contribuíram de alguma forma, e a raça negra foi a primeira a começar a contribuir, desde a questão de matemática, física, de trabalhar com ferro; não aquilo que eu aprendi quando criança que nós só servíamos para ser escravos”, completa. Ele ainda ressalta: “A minha geração se descobriu negro, não nasceu negro. Já a geração do meu filho, nasceu negra”.
Valorização da inteligência e do trabalho
Presidente da União Montenegrina de Associações Comunitárias (Umac) e ativista social Airton Quadros, 65, do MDB, foi um dos oito candidatos negros do pleito deste ano no município. Com uma caminhada de mais de 30 anos na comunidade de Montenegro, essa foi a segunda vez que ele se candidatou ao legislativo. “Enquanto eu estiver respirando vou continuar fazendo o meu trabalho”, declara.
Airton iniciou o seu trabalho na área social dentro do bairro Germano Henke, junto com a mãe dos seus filhos, e hoje é uma das principais lideranças em busca de uma travessia segura na RSC-287. “Pra mim o importante é o plural das coisas, se o meu vizinho estiver mal eu vou estar mal, se o meu vizinho estiver bem eu vou estar bem”, comenta. Na sua visão, os seus antepassados usaram somente os braços para ter hoje o que o município possui, mas todos os negros têm hoje condições de usar a inteligência para desenvolver a nossa cidade.
Para o ativista e aposentado, é importante valorizar todos os dias, e não só os que simbolizam algo. “Nós iremos fechar, logo, 150 anos de cidade, é muito tempo, mas muitas vezes a minha etnia peca no envolvimento junto ao lugar que é merecido”, completa.
Também candidata neste pleito, a estudante de gestão pública, Fabrícia de Souza, 42, do Progressistas (PP), também é ativista no município, e considera válido a participação dos negros na política de um município que tem um histórico negativo em relação a isso. “Todos esses anos nunca teve um vereador negro, e eu defendo muito a minha raça como cidadã”, fala.
Com 496 votos computados, Fabrícia questiona porque não há negros trabalhando no cartório, em banco ou em escritórios de advocacia. “A maioria da população é negra, e aonde que estão os negros? Não estão sendo valorizados, eu creio. Por isso que eu sou a favor da cota, porque assim a gente pode ter o tempo e dar a disposição que o negro, sim, tem capacidade para fazer a mesma coisa que o branco”, declara.
Segundo ela, a sua campanha foi bem aceita, porém se tivesse mais negros apoiando a sua candidatura e a dos colegas algum deles poderiam ter entrado. “Eu fico feliz pela quantidade de pessoas que me abraçaram, que me apoiaram, a maioria foi branca. Eu tive em uma casa, por exemplo, que foi uma coisa sobrenatural. Eu estava conversando e o senhor perguntou para quem eu estava pedindo voto, e disse ‘é pra ti? mas é bem capaz que eu vou votar em ti’, como se dissesse ‘bem capaz que eu vou votar nessa negra’, é muito impressionante, aqui em Montenegro existe muito racismo sim”, reflete Fabrícia.
Presidente do movimento afro do seu partido, a montenegrina declara que irá sempre buscar inserir mais negros na sociedade. “Pra mim a gente passou muitas dificuldades, as pessoas sempre vão me colocar a trabalhar mais no braçal do que no mental. Se eu estivesse no Legislativo, eu daria o máximo de mim, porque como a cidade é meio fechada, então eu iria trabalhar mais, porque eu iria querer mostrar o meu trabalho”, completa a montenegrina.
Saiba mais
O Dia da Consciência Negra foi criado para coincidir com a data da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, quando liderava o Quilombo do Palmares, principal refúgio dos negros que resistiam contra a escravidão à época. A data foi instituída oficialmente pelo projeto Lei nº 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003. No entanto, apenas em 2011 a presidente Dilma Roussef sancionou a Lei 12.519/2011 que cria a data, sem obrigatoriedade de feriado.