Como as religiões encaram a morte?

É na fé que muitas pessoas encontram conforto após a perda de um ente querido

Um tema que, de tão doloroso, ninguém gosta de falar. Mas todos, em algum momento de sua existência, irão chorar a perda de alguém querido. Um pai, um filho, uma mãe. Amigos queridos. São laços que se mantêm pela saudade. Sofrer sua ausência. Perceber a falta, seja no cotidiano ou em alguma data especial. Fato do qual não se pode fugir, a morte precisa ser enfrentada pelos que seguem. O fechamento de um ciclo para alguns, apenas a sequência para outra etapa da existência a outros. Seja qual for a crença, costuma ser na fé que se encontra um conforto no momento de dor.

Jean Lucas Martins, em memória. Fotos: Arquivo pessoal Mari Isabel Martins

 

Desde 10 de janeiro deste ano, Mari Isabel Martins, de 46 anos, e seu esposo Jonas José Martins, de 51, vivem esta dor. Nesta data, os moradores de Harmonia perderam seu filho em um acidente de moto. Jean Lucas Martins perdeu a vida na ERS-124, divisa entre Pareci Novo e São Sebastião do Caí, quando tinha apenas 28 anos de idade.

Mari, que já teve de conviver com outras perdas – há dez anos perdeu seu pai, que na data tinha 74 anos – guarda na memória as lembranças no filho e nelas se apega para ultrapassar os momentos difíceis. Três anos atrás, a vida levou dois irmãos seus. Mari relata, ainda, que em 26 de dezembro de 2018, se despediu de Maria Eroni Martins. “Minha sogra estava sentada assistindo TV e sofreu um aneurisma cerebral, foi instantâneo, perdi uma amiga”, conta Mari.

Mas na perda de um filho, a dor alcança níveis difíceis para qualquer um imaginar. Para Mari Isabel e sua família, nada foi tão insuportável quanto a partida de Jean. “Quando meu filho faleceu, não sabia onde buscar apoio, fiquei vinte dias trancada em casa. Ele nunca me deu trabalho, era trabalhador, amoroso, obediente”, comenta a mãe. O conforto recebido pela família Martins veio através do espiritismo. Por meio da psicografia, ela recebeu uma mensagem do filho, passados cinco meses e nove dias da sua partida. Jean dizia na mensagem que não era para se preocuparem, pois estava bem. Contudo, o lar ainda tem um vazio, pela falta do rapaz, sua foto está eternizada em um quadro na sala da casa de seus pais até hoje.

Em meio à diversidade de religiões existentes no Brasil, como Espiritismo, Cristianismo com algumas divisões – entre elas Catolicismo, Protestantismo o Ortodoxismo, Anglicanismo, Luteranismo, Mormonismo – Religiões Afro-Brasileiras, Budismo, a reportagem do Ibiá questionou representantes de diversas crenças. Confira:

Como os católicos encaram a morte?
Quem nos dá o seu depoimento, sobre o ponto de vista em questão é o Bispo Dom Carlos Romulo. “Nós cristãos encaramos a morte olhando para Cristo. Ele, o Filho de Deus, também enfrentou a morte, e ‘morte de cruz’, mas ele ressuscitou. Olhando para Cristo e seguindo os seus passos, encontramos em primeiro lugar, o sentido para viver, e desde o batismo somos chamados a viver a ‘vida nova’, a vida com sabor de eternidade, que se expressa no amor, no serviço e na doação. Antes de encarar a morte, portanto, somos chamados a encarar a vida. Viver acolhendo o amor de Deus e expressando este amor, com a nossa existência”.

“Nossa profissão de fé: creio na ressurreição da carne. O Senhor que revelou o Seu amor por nós, nos dando a vida, nos concederá compartilhar a vida, plenamente, na eternidade do seu amor. Deus é amor. Crer na ‘ressurreição da carne’ é professar que, cada pessoa é única e amada por Deus, e por isso, vocacionada a expressar com sua existência, este amor de Deus, na história. Cada pessoa é chamada a dar um recado de amor com a sua vida. A morte não é um fim, mas revela a finalidade de cada existência”.

O ciclo da vida, segundo a doutrina Espírita
Regina Simões, presidente da Sociedade Espírita Missionários da Luz, esclarece que na doutrina Espírita o ciclo da vida é interpretado e seguido da seguinte forma. “Nascemos, vivemos, morremos e renascemos”!

“Nascemos numa família previamente por nós escolhida. E não é por acaso que a escolhemos. Uma razão existe! Concomitante, antes ou depois desta escolha, somos preparados para reencarnar e, junto a mentores, traçamos o nosso planejamento do novo renascer, isto é, da nova encarnação. A morte é exclusiva do corpo físico, o espírito sobrevive sempre e retorna, numa viagem, a uma das Moradas do Pai. Junto a ele, todas as vivências na Terra, boas ou ruins. Entre as boas, alguns resgates nessa encarnação, superados.

Somos tão imperfeitos que necessitamos de diversas reencarnações e precisamos acordar para a verdadeira razão pela qual estamos neste Planeta, a Reforma Íntima. Como a conseguimos? Só há uma forma, o trabalho no bem. ‘Vigiai e orai!’ A morte existe exclusivamente para o corpo físico e deve chegar, naturalmente, quando Deus assim designar. O amor aqui praticado estará no espírito que é eterno.”

Religiões de matriz africana
Mãe Mary de Oyá, dirigente espiritual da Casa Ilê Agbara Oyá Ati Oxalá, oferece a visão de seu trabalho espiritual sobre o tema. “A morte, na perspectiva em que acreditamos, é recebida naturalmente por aqueles que já cumpriram sua missão terrena, não havendo mais necessidade desse permanecer em nosso meio, para então retornar a sua verdadeira morada.

Para a Umbanda, a crença baseia-se no fim da vida material para o início de uma nova experiência advinda da evolução espiritual. Torna-se importante frisar que morte do corpo físico não significa o fim da vida, nós a entendemos como o fim de um ciclo e início de outro, cujo espírito será encaminhado para uma esfera condizente com seus atos e vibrações emocionais acumuladas durante a passagem terrena.

Chamamos a este outro plano de Aruanda, lugar onde os seres espirituais que alcançaram graus mais elevados de evolução são atraídos, para retomar suas atividades no auxílio a outros que precisam de sua ajuda ou na preparação de sua nova encarnação caso seja necessário.

Já na Nação ou Batuque, também acreditamos que a vida não tem fim em si mesma, mas apresenta continuidade em outra dimensão. O nosso culto traz a sensação de acolhimento e proteção diante da morte. Consistindo em ritos longos, em alguns casos, que buscam além do encaminhamento do espírito, seu desligamento do Aiyê (Terra) e passagem para o Orum (mundo espiritual). Se você viveu esta experiência com um ente querido, exale sentimentos bons para essa pessoa, por mais doloroso e triste que seja este desligamento material, o espírito é vivo e fará sua passagem com mais tranquilidade.

Igreja Evangélica Assembleia de Deus
Pastor Jair Menezes Ibaldo explica à luz do evangelho. Como é a morte? É como um sono. A Palavra de Deus nos ensina na epístola de 1 Tessalonicenses 4:13. “Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais como os outros que não têm esperança”.

A morte não é o fim? No livro do Profeta Isaías 26:19 podemos verificar. “Os teus mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó; porque o teu orvalho é orvalho de luz, e sobre a terra das sombras fá-lo-ás cair.”

O poder da ressurreição vem de Cristo. “Porque, assim como por um homem veio a morte, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Pois como em Adão todos morrem, do mesmo modo em Cristo todos serão vivificados.” Conforme citação bíblica, na epístola de 1 Coríntios 15:21-22.

Ambos os justos e os ímpios serão ressuscitados. “Não vos admireis disso, porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida, e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo.” Explica o evangelho segundo João 5:28-29.

Segundo a Evangélica Luterana
“Na perspectiva da fé cristã os acontecimentos do fim não estão soltos, eles estão interligados à vida, à obra, a primeira e a segunda vinda de Jesus Cristo, sobretudo, a sua promessa de ressurreição e vida eterna. Esta é a nossa esperança! Esta é a nossa confissão de fé!

Assim como declaramos no Credo Apostólico: Creio em Jesus Cristo, o qual foi crucificado, morto e sepultado. Desceu ao mundo dos mortos, ressuscitou no terceiro dia, subiu ao céu e está sentado à direita de Deus Pai, Todo-Poderoso, de onde virá para julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na santa Igreja cristã, a comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição do corpo e na vida eterna”, relata Marcio Simões da Costa, Ministro Ordenado da Paróquia Evangélica de Confissão Luterana.

“A morte é uma passagem desta vida para a eternidade com Deus. Com ela morre o pecado. Na volta de Cristo, haverá o julgamento final e como resultado a segunda e eterna vida aos que creram ou a segunda e eterna morte para os que não creram, como Jesus mesmo afirmou: ‘Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado’. (Marcos 16.16) No Antigo Testamento, no livro do profeta Daniel 12.2 lemos.
“Muitos dos que tiverem morrido viverão de novo: uns terão a vida eterna e outros sofrerão o castigo eterno e a desgraça eterna”, completa o ministro.

Feridas que não saram
Zulma Lemos da Silva, 72, esteve no Cemitério Municipal de Montenegro nesta quarta-feira, 28. Foi limpar o túmulo dos pais, avó e esposo. Ela perdeu o esposo há 32 anos e sente muita falta de sua companhia.

Zulma Lemos da Silva e sua amiga Mara Jéssica Camargo limpando o túmulo da família

“É triste perder um ente querido. Quando perdi meu marido parece que meu mundo caiu, é muito triste”, lembra Zulma muito emocionada e completa. “Quando Getúlio partiu toquei a vida em frente, mas até hoje se eu falo no assunto eu quero engasgar para chorar, não é fácil sabe. Vivemos juntos durante 24 anos, iríamos completar bodas de prata”. A perda aconteceu quando ela tinha 39 anos e seu esposo Getúlio Flores da Silva, estava com 42 anos quando partiu.

Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

“A resposta para quem não tem fé é: como ‘um ponto final’, porém para quem tem fé não é um ponto, mas “reticências”, abre espaço para o mistério, o futuro, o por vir. Assim cremos que será em nossa morte, ao darmos o suspiro final, estaremos nas mãos amorosas de Deus. Então ter fé não é ter as respostas para tudo, mas crer no Amor de Deus e na Salvação e Ressurreição, garantidas pelo sacrifício de Jesus na Cruz. A nossa doutrina pode ser encontrada nas liturgias constantes em nosso Livro de Oração Comum e nele há o Ofício Funeral onde lemos.

‘O povo cristão sempre acreditou que há esperança, tanto na vida quanto na morte, e que há vida nova em Cristo, mesmo após a morte física’. E acrescenta que seu sentido é ‘pascal’ e todo o seu significado se concentra na Ressurreição. Visto que Jesus foi ressuscitado da morte, nós também o seremos. Porque nem a morte, nem a vida, em todo o universo não há nada que nos possa separar do amor de Deus, que é nosso por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. Concluímos com as palavras de Jesus diante do túmulo de Lázaro: ‘Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em mim, ainda que morra viverá. E todo aquele que vive e acredita em mim, não morrerá para sempre’. E Ele acrescenta uma pergunta: ‘Você acredita nisto?’ “(João 11.25-26). Declara o Reverendo Ives Vergara Nunes, paroco da Igreja Anglicana.

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