Dentre as sugestões do Executivo está o aumento no limite de andares dos prédios do Centro
A Prefeitura de Montenegro trabalha nos ajustes finais da revisão de seu Plano Diretor. Citada como uma das prioridades da secretaria de Gestão e Planejamento, a alteração é uma obrigação legal que deve ocorrer a cada dez anos. No projeto para a versão revisada, destacam-se as proporções de ocupação do solo e um novo cálculo, que deve permitir que prédios com maior número de andares sejam construídos na área central do município.
“A proposta é que se possa verticalizar mais a cidade”, explica o ex-titular da pasta, Tiago Feron. “É notável que faz muitos anos que não se constroem prédios grandes no Centro de Montenegro por causa da regra do Plano Diretor, que limita algumas coisas”. Tendo assumido em agosto a secretaria, Feron conta que acompanhou de perto as últimas tratativas do processo de revisão. Dias após conceder a entrevista, pediu exoneração do cargo.
Em linhas gerais, desde a última revisão do Plano, os prédios não podem passar dos seis andares. Como consequência, a cidade passou a crescer horizontalmente, com a população – hoje mais de 65 mil pessoas – buscando moradia em áreas distantes do Centro. A recente proliferação de loteamentos residenciais em localidades como Alfama e Porto dos Pereiras é exemplo disso.
“Nesse horizontalizar da cidade, é preciso levar, lá na ponta, serviços como escola, transporte escolar, saneamento, posto de saúde”, coloca o ex-secretário. “Então, o Poder Público acaba tendo que montar lá toda uma estrutura, já existente nas áreas centrais, porque a população se afastou demais.”
Segundo Feron, essa revisão está “pré-pronta”, mas ainda precisa de alinhamento a algumas demandas trazidas pelo Núcleo de Corretores vinculados à ACI antes de sair da secretaria. De lá, ela vai para discussão e aprovação junto ao Conselho Municipal do Plano Diretor (o Complad) e, então, para o Legislativo. A expectativa é que este primeiro passo seja dado ainda dentro deste mês.
Demanda da Construção Civil pesa na revisão. Empresários querem mais espaço
Ex-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas, Tiago Feron destaca como um diferencial da atual revisão da secretaria que estejam sendo ouvidos os empresários da Construção Civil e corretores de imóveis já nesta etapa. “Nos anos anteriores não se sentava com quem mais usufrui do Plano Diretor, que são eles. Estão sendo feitas reuniões para saber das demandas que eles têm”, aponta.
Há um interesse econômico pela construção de prédios maiores. Conforme Marcelo Cardona, corretor de imóveis e nome representante da ACI no Complad, a versão atual do Plano Diretor afasta o interesse de investidores por empreendimentos do tipo na área central.
“É inviável financeiramente construir condomínios verticais na região central da cidade por causa do custo do terreno e pelo que se pode construir em cada terreno”, expõe. O empresário investe muito na construção, mas, como não pode construir muitos apartamentos, acaba com pouco retorno financeiro e unidades caras para venda. A área de construção das garagens também é somada, limitando mais ainda as possibilidades.
“É essa conta que não está fechando”, adiciona Cardona. “E não é um pleito de que aumente para 10, 15 pavimentos. Eu defendo que seja só um pouco mais que seis para viabilizar os empreendimentos em termos de índice construtivo.” A expectativa do Executivo é de que, aprovadas as mudanças, elas possam dar fôlego à Construção Civil, estimulando a geração de emprego e renda no Município.
Infraestrutura e características visuais ainda precisam ser consideradas no Plano
Mesmo que fechada na secretaria de Gestão e Planejamento, a revisão do Plano Diretor ainda tem pela frente o Conselho Municipal do Plano Diretor, a Câmara de Vereadores e uma audiência pública para ser debatida. E outros critérios devem ser pesados nessas etapas. Em tese, levando em conta os interesses de toda a comunidade e não de apenas um segmento da sociedade.
No que se refere aos índices construtivos e de ocupação do solo, há pontos a serem considerados. “O grande desafio é ver a estrutura do solo nas regiões centrais”, adianta o ex-secretário, que acompanhou as mais recentes tratativas. “Se sairmos de seis para dez andares, como é a atual proposta, será que o solo suporta o que vai ter? Também terá que ser feito um planejamento para estruturar a região.”
Tem mais. Se hoje, o Plano permite que 70% dos terrenos seja de área construída, aumentar o índice precisa levar em conta, ainda, a necessidade de espaço para que a água das chuvas penetre no solo. Se impensada, a alteração pode acarretar em ainda mais alagamentos nas áreas centrais em dias de enxurrada.
Outro ponto que deve ser discutido tem relação à identidade do Município. Prédios muitos grandes podem tornar o “Monte Negro” invisível para os moradores de Montenegro. A visibilidade do Morro São João já foi levada em conta em outras revisões, inclusive com algumas ruas que são mais baixas, já pensando nesse fator “visual”. E um dos mais importantes cartões postais do Município deve contar bastante na aprovação (ou não) da atual proposta de revisão. “É uma discussão boa de se fazer com a comunidade”, destaca Feron.
Grupo denuncia irregularidades no cumprimento da versão atual do Plano
Apesar de o projeto de revisão da Prefeitura parecer estar focado na questão dos pavimentos e taxas de ocupação do solo, o Plano Diretor é um mecanismo legal muito mais abrangente. É uma ferramenta de planejamento que direciona todo o desenvolvimento urbano, apontando para onde a cidade deve crescer e de que forma.
Considera, assim, a preservação da natureza, a memória, o desenvolvimento econômico, o combate às desigualdades sociais, a infraestrutura, o aumento da demanda por serviços, o trânsito, dentre muitos outros pontos. Só que também acaba levando em conta alguns interesses pessoais.
Essa é a queixa de um grupo de arquitetos e urbanistas do Município – alguns deles integrantes do Complad. “O Plano deveria ser um pacto social, mas acaba sendo subordinado a uma série de interesses”, opina Odyr Dupont, um deles. “Também falta capacidade de mobilização. A sociedade pouco se habilita e sofre silenciosamente por uma má utilização do Plano.” Uma cidade sem distâncias “absurdas”, melhor preenchimento dos espaços vazios e maior integração são alguns dos pontos citados a melhorar.
Mas o que o grupo denuncia é que a Lei do Plano Diretor, de 2007, prevê uma série de instrumentos para auxiliar no atendimento destas necessidades. O texto até traz os prazos em que elas deveriam ser devidamente regulamentadas. Só que esses prazos venceram e, até hoje, a regulamentação não foi feita. É parte da lei que não está sendo cumprida.
“São ferramentas que flexibilizam o Plano para deixá-lo mais aplicável”, define o arquiteto Leonardo Garateguy. Para auxiliar nessa gestão, estão até citadas na lei algumas delas: instrumentos de planejamento, jurídicos, tributários, de regularização fundiária, dentre outros. Mas, não regulamentados, não há o que diga como eles teriam que ser aplicados na prática.
A Câmara Municipal de Vereadores e o Ministério Público já receberam denúncias, assinadas pela União Montenegrina de Associações Comunitárias (UMAC), sobre esta situação. Ainda não há definições.
PARA MELHOR
Garateguy coloca que entende a demanda da Construção Civil pelo aumento do número de pavimentos, mas avalia que esta deva ser a consequência de uma discussão mais ampla. “Esses instrumentos existem para viabilizar as coisas na cidade e é preciso desmistificar isso”, opina. “Os empresários estão vendendo apartamentos no Centro por um valor, mas tu passa por uma esquina e sente cheiro de esgoto vindo da boca de lobo, por exemplo. Então, se a cidade for mais bela, mais organizada, até os apartamentos vão valer mais.”
Apesar da existência do Conselho Municipal do Plano Diretor, que conta com a participação de entidades representativas de diferentes segmentos da comunidade, o grupo aponta que há uma disputa de forças na própria entidade que analisará o projeto de revisão assim que ele sair do Executivo. “Até mesmo as audiências públicas têm sido mal conduzidas”, adiciona Garateguy. “O povo não tem consciência do que está em jogo.” A defesa é por um “pacto social”, de fato, onde todos participem da decisão e seja aceita a vontade geral e não interesses pulverizados.