Cidadania italiana abre as portas para um “novo” mundo

Entrevista. Filho de montenegrinos, Guilherme Arpini abriu empresa que ajuda descendentes de italianos a conquistarem esse direito

ADVOGADO Guilherme Arpini

Pediram o valor de um carro zero e, com isso, o advogado Guilherme Arpini, hoje com 30 anos, desistiu de contratar o escritório de advocacia para encaminhar a cidadania italiana. Resolveu ele mesmo correr atrás da papelada para usufruir desse direito, já que seu bisavô emigrou de lá para o Brasil em 1876. Era 2010 e Guilherme, a partir do escritório de advocacia da família, foi tão determinado nas pesquisas que não apenas reuniu os documentos de que precisava, como também passou a ser procurado por familiares e amigos para fazer a mesma coisa. Deu tão certo que, há seis meses, ele formalizou uma empresa, a Arpini Cidadania, para ajudar as pessoas a conquistar, entre outros direitos, o desejado passaporte vermelho, que permite entrar, estudar e até trabalhar nos 28 países da União Europeia sem visto. Hoje, o escritório atende on-line a clientes de diversos estados e até brasileiros em outros países.

Filho de montenegrinos e com familiares na cidade até hoje, Guilherme conta que a cidadania italiana é uma das mais fáceis de se obter em relação a outras nações europeias, porque pelas leis daquele país o direito é transmitido pelo sangue, sem limite de gerações. Por isso, estende-se a praticamente todos os descendentes da etnia pela linha paterna, mas há exceções. Situações em que há uma mulher na linha de ascendência garantem cidadania somente aos filhos nascidos de 1948 em diante. Nascidos antes podem buscar o reconhecimento mediante processo judicial — casos em que a empresa também presta assessoria, porque é necessário um advogado italiano para cuidar do processo.

cidadaniA italiana pode ser exercida não apenas na Itália, mas em todos os 28 países da União Europeia

Contratar um especialista não é obrigatório, mas com a ajuda dele o processo é mais fácil e a demora é menor. Muitos que se aventuram sozinhos param no meio do caminho por necessitarem de certidões de nascimento emitidas na Itália, principalmente se muito antigas. É que antes de 1866 não havia cartório de registro civil no país da pizza, então os documentos precisam ser pesquisados em igrejas. “Nossa empresa tem parceiros lá que fazem essa busca. E outro fator complicador é que muita gente não possui registros dos seus antepassados, não sabem em que navio eles vieram para cá, não imaginam nem por onde começar a pesquisa.”

Moradores do RS precisam procurar o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre, onde a demora é de cinco a seis anos, em média, porque a demanda gaúcha é muito grande, e a equipe, pequena. Quem não pode esperar tem a possibilidade de requisitar direto na Itália, a partir de uma “comune” — órgão equivalente a Prefeitura, mas aí você precisa ter endereço fixo lá durante o processo, que leva entre 60 e 90 dias, em média. “Por aqui ou por lá, o processo é o mesmo. Exige-se os mesmos documentos. Lá não demora porque não há filas, como aqui, principalmente em cidades pequenas”, compara.

Fila pode ser agilizada
Outra vantagem de uma assessoria especializada são os “atalhos”, que não ferem nenhuma lei. É um recurso capaz de “acelerar a fila”, diz o advogado. Se o consulado em Porto Alegre não chamar em até 730 dias a partir do agendamento, é possível acionar o governo italiano, porque o consulado, por lei, não pode levar mais de dois anos para dar retorno. “Primeiro se faz uma notificação ao Ministério do Interior italiano, aí vem a ordem, por hierarquia, para que o consulado chame imediatamente a pessoa a apresentar os documentos e dar um resultado.”

Ainda assim, às vezes esse prazo não é respeitado e aí surge uma segunda possibilidade, que é recorrer à Justiça, cuja decisão é acatada pelos cônsules. Para isso, porém, é necessária a assistência de um advogado na Itália, e a conta sobe mais dois mil euros, em média, ou seja, R$ 8 mil.

Violência é o motivo número um da fuga dos brasileiros para a Europa
No dia a dia, Guilherme Arpini tem percebido aumento na procura pelas consultorias. A clientela da empresa se divide em dois perfis principais. O primeiro é formado por jovens de até 35 anos que estão saindo da universidade ou do Ensino Médio e querem construir a vida na Europa daqui para frente. “O fator número um é a violência e, depois, as questões econômicas. São pessoas desiludidas, que acham que o Brasil não tem jeito e que, se voltar a melhorar, vai demorar muito. As pessoas acham que, independentemente de quem estiver no poder, vai roubar. Mais ou menos, mas vai roubar”, conta.

O segundo perfil é de pessoas acima de 40 anos, com filhos, estabilizados do ponto de vista profissional, boa renda mensal e, apesar de também estarem muito descontentes com a nação, não querem fazer uma vida nova, mas sim deixar a cidadania italiana como herança para os filhos, dando-lhes a chance de mudar para a Europa no início da vida adulta. “Neste caso, um só processo é encaminhado para a família inteira e o bom disso é que os custos aumentam bem pouco, então vale a pena”, salienta.

Engana-se quem pensa que a dupla cidadania é procurada somente por gente interessada na Itália. Segundo Guilherme, é mais comum pessoas buscarem esse direito porque ser cidadão italiano significa liberdade para transitar, residir, estudar e trabalhar em qualquer país da União Europeia. “Depois que consegue a cidadania, bastante gente vai para a Irlanda, porque lá o mínimo é na faixa de 1.450 euros (cerca de R$ 5,8 mil) e a situação é de pleno emprego, enquanto na Itália, uma economia ainda em recuperação, fica abaixo de mil euros e a taxa de desemprego é mais alta. Para quem estuda, há uma série de vantagens e incentivos. Existem cursos em faculdades que custam 15 mil euros/ano para estrangeiros e cinco mil euros para europeus. Em vários países, há mestrados gratuitos para quem é do bloco”, enaltece. Inglaterra e Portugal também são destinos finais com boa procura pelos descendentes brasileiros.

Ter cidadania do Velho Mundo também significa contar com os mesmos direitos sociais — aposentadoria, direito a voto, seguro de saúde e auxílio-maternidade, por exemplo — do que as pessoas nascidas nos países da União Europeia. Até mesmo a entrada nos Estados Unidos é facilitada, pois o visto é requerido on-line e não há entrevista pessoal, algo não disponível aos brasileiros. Em países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, os vistos de turismo e de trabalho são mais fáceis de se obter graças a acordos que a Itália possui com essas nações. No ranking dos passaportes mais fortes do mundo, o italiano fica em oitavo lugar, sem contar que, em mais de 150 países, dispensam vistos.

Segundo Guilherme, há uma montenegrina na faixa dos 30 anos que fechou contrato com a Arpini e que irá para a Itália em fevereiro a fim de agilizar por lá a dupla cidadania. O objetivo final dela, porém, é ir para a Austrália. “Também temos bastante procura de várias cidades aqui de região. A verdade é que atendo brasileiros que estejam em qualquer parte do mundo”, enfatiza.

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