CRISE NA EDUCAÇÃO. Já passa da metade do ano e problema na rede estadual continua
Quando se formou no quinto ano do Fundamental, o pequeno Carlos Lemos de Araújo, de 11 anos de idade, saiu de uma escola municipal no bairro Panorama e começou o sexto ano na Escola Estadual Adelaide Sá Brito. Só que as aulas tiveram início no final de fevereiro e já passa da metade do mês de julho sem que ele tenha tido sequer um período de Matemática. Não há professor para a disciplina.
Vice-diretora do Adelaide, Anelise Hilgert conta que quatro turmas são prejudicadas pela situação. São cerca de 90 alunos do sexto e sétimo ano que ainda não receberam o conteúdo da área de Exatas. Sem professor, um turno por semana eles têm ficado em casa. Nem precisam ir para a escola.
“É horrível, é péssimo”, lamenta a mãe de Carlos, Juliana Lemos. “A minha grande dúvida é como que vai ficar isso. Já são seis meses perdidos. Como é que ele vai conseguir absorver tanta matéria? Será que vão passar ele direto para o sétimo ano, assim? Ou vão fazer ele repetir o sexto? A culpa não é dele”.
A resposta aos questionamentos é incerta. A vice-diretora coloca que não sabe ao certo como deve funcionar essa questão. “Como a contratação de professores é feita pelas horas que faltam, então o contratado não vai ter carga horária para recuperar o conteúdo”, aponta.
Já a Secretaria Estadual de Educação coloca que, quando necessária recuperação de conteúdo, é elaborado um calendário pela escola, que é validado pela Coordenadoria Regional de Educação (CRE). “Além disso, está autorizada a utilização pelas escolas de até cinco sábados ao longo do ano letivo de modo a viabilizar a recuperação do conteúdo junto aos alunos.”
Só que sem uma contratação à vista, não é claro se esses cinco sábados seriam suficientes para que os 90 alunos recebam os conteúdos faltantes e, de fato, aprendam a Matemática de seus currículos. A reportagem questionou a secretaria se um novo professor seria “obrigado” a dispor horas extras para recuperar os conhecimentos “perdidos” antes de sua contratação, mas não foi respondida.
Das 17 escolas estaduais do Município, dez ainda sofrem com a falta de professores
A situação da Adelaide Sá Brito é uma amostra do que vem ocorrendo nas demais escolas estaduais de Montenegro. Das 17 instituições, dez sofrem com a falta de professores. Olhando para a demanda por demais servidores, como merendeiros, bibliotecários e monitores, a necessidade é ainda maior. Força diretores a se virarem como conseguem e acaba prejudicando a formação dos estudantes, alguns já prestes a fazerem vestibular ou realizarem a prova do Enem.
No São João Batista, a necessidade atual é de um professor de 60 horas para a área de Humanas, demanda existente desde o fim de maio. “Nós não temos substituto”, conta a diretora, Juliana Bender. “Quando possível, nós nos organizamos para dar alguma atividade aos alunos ou antecipamos os períodos para que eles saiam mais cedo ou cheguem mais tarde.” Mais de 200 estudantes do Ensino Médio estão nessa situação na instituição. A cobrança pelo novo contrato é feita constantemente, mas sem resultado.
No interior, a Escola José Garibaldi está sem professora de Ciências há algumas semanas. No quesito funcionários, está sem ninguém na limpeza e a própria direção que assumiu o serviço. É o que acontece na Osvaldo Brochier, de Santos Reis, desde o início do ano. Sobre as aulas lá, até duas semanas atrás, História e Geografia eram lecionadas pela coordenadora pedagógica, mesmo sem que ela tivesse formação específica na área. Agora, veio a profissional para dar ambas as disciplinas, mas a que estava na coordenação se aposentou. Abriu um novo “buraco” no quadro.
E se Aurélio Porto, Delfina Dias, Yara Gaia, Tanac e Manoel de Souza Moraes comemoram serem “fora da curva”, com todos os educadores, no Álvaro de Moraes há até incerteza se as turmas do nono ano do Fundamental conseguem passar para o Ensino Médio. Lá, cerca de 254 crianças do sexto, sétimo, oitavo e nono ano estão sem aula de Matemática. A professora entrou de licença em junho e deve voltar só em 24 de dezembro. De acordo com a vice-diretora, Marta Zago, os estudantes ficam no pátio durante o que seria a aula de Matemática, aguardando o próximo período.
SEM TURNO INTEGRAL NO CIEP
Falta um professor de Inglês e dois de Currículo para o segundo e o quarto ano do turno integral do Colégio Ivo Bühler, o CIEP. “Estão indo para casa em torno de 50 alunos, todos os dias, que não estão tendo o turno integral de direito, apenas o regular”, lamenta o diretor, Renato Antônio Kranz. Ele ainda aguarda a contratação e a definição de um calendário de recuperação alternativo. A instituição também tem necessidade de três funcionários para a limpeza, dois para a cozinha e um para o atendimento especializado.
JANUÁRIO PAGA DO BOLSO
O Januário Corrêa está sem merendeira e servente. O problema maior, no entanto, é a falta de um professor de Currículo para o segundo ano do Ensino Fundamental. Este é o educador responsável por toda a formação dos jovens alunos deste nível. Para não deixar ninguém sem aula, a direção está utilizando dinheiro próprio do CPM para pagar um professor substituto enquanto o Estado não faz a devida contratação.
PROFESSOR VOLUNTÁRIO NA PROMORAR
Na Escola junto ao Núcleo Habitacional Promorar, uma situação ainda mais atípica. A necessidade por um professor de Geografia existe desde o início do ano para os 40 alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Como uma das turmas está para se formar ao final do ano, um educador se dispôs a dar a disciplina voluntariamente. “A gente está colocando outro professor que se dispôs a cumprir a carga horária, porque, se não, os alunos não se formariam”, revela o vice-diretor, João Henrique Couto Scotto. “Mas é de graça”.
Do início do ano até maio, a instituição também estava sem professora de Português. A educadora estava em licença-maternidade. Com sua volta, segundo Scotto, a orientação da Coordenadoria foi de que as aulas do período “perdido” fossem recuperadas fora do horário para o qual a profissional foi contratada, como se fossem horas a mais, não gratificadas. “Eu não fiz isso. Ia ser até meio imoral, mesmo sendo uma ordem da Coordenadoria”, coloca o vice-diretor.
Com demissão certa, educadores não se interessam no contrato
O problema nos quadros de funcionários vai além. No Polivalente falta profissional para monitoria e merenda. Na Adão Martini, a necessidade é por uma orientadora educacional. Na Dr. Jorge Guilherme Moojen, falta gente na limpeza, na merenda, na supervisão e na biblioteca. A escola também está sem professor de Inglês há cerca de dois meses.
No A. J. Renner, a falta também é de professores. No turno integral do Ensino Médio de lá, hoje, falta quem lecione Artes, Ensino Religioso e a disciplina de Projeto de Vida. “Não temos substitutos. Às vezes, a gente consegue colocar alguns alunos na Educação Física; às vezes, eles são liberados”, coloca o vice-diretor, Humberto Moraes Silveira. Faz apenas três semanas que as aulas de Português iniciaram na instituição, com a chegada do profissional.
Com o vago esclarecimento sobre a recuperação dos conteúdos perdidos, na prática, a Secretaria de Educação colocou em nota que “todas as ações e esforços são permanentes e contínuos; e vão ao encontro de um propósito maior da Seduc, que é a busca pela qualidade na educação e a preparação dos nossos estudantes para o futuro”. Afirmou, ainda, que tem realizado a contratação de novos profissionais por contratos temporários, além da ampliação da carga horária de professores da rede.
Mas do contato da reportagem com as direções das escolas em Montenegro, um apontamento é claro: esses contratos temporários não estão servindo para suprir a demanda das instituições locais. É que nessa modalidade, as admissões já vêm com uma data de demissão certa. Os contratados só ficam com emprego garantido até dezembro, com o fim das aulas, o que inibe o interesse. “Essa desvalorização que está afastando os profissionais do banco de professores do Estado”, opina o vice-diretor da Escola Promorar, João Henrique Couto Scotto. Com isso, a Coordenadoria até busca atender a demanda, mas, muitas vezes, não consegue.
Realização de concurso público é uma das principais bandeiras do Cpers
A situação é crítica. De um lado, o número de alunos matriculados em escola pública aumentou. De outro, muitos professores buscaram a aposentadoria motivados pelo receio de mudanças impostas pela futura Reforma Trabalhista, deixando as instituições de ensino.
Para o Cpers – o sindicato dos professores – a relação entre a desvalorização da classe e a falta de novos profissionais que ocupem as vagas abertas pelos aposentados é clara. No atual sistema de contratação “emergencial”, os educadores, além de serem admitidos com data de demissão já fixada, estão sujeitos a salários parcelados e a insegurança legal. O Ibiá noticiou recentemente o caso de uma professora montenegrina que, nessa situação, foi demitida pelo Estado ao entrar em licença saúde. Sua história bem exemplifica o panorama atual.
É por isso que uma das principais bandeiras do Cpers, hoje, é pela realização de concurso público. É uma forma de garantir professores concursados, com carreiras “estáveis” e direitos garantidos. “Nós estamos lutando para o concurso para que estes contratados tenham os direitos que os outros já têm e não sintam que sua carreira é frágil”, coloca o vice-presidente da entidade, Edson Rodrigues Garcia. “Todas as nossas audiências com o governo têm sido pautadas por isso.” O último concurso ocorreu no governo Tarso Genro, há mais de cinco anos.
DESMOBILIZAÇÃO
Com o grande número de profissionais apenas com o contrato, a desmobilização da classe na busca por suas reivindicações também é um sintoma. “A instabilidade deles é muito grande”, comenta a presidente do núcleo local do Cpers, Juliana Kussler. “Tudo o que o governo mandar, acaba sendo acatado, porque eles têm medo de serem demitidos. Tem mais esse agravante. Nossa categoria já tem um número grande de colegas tomando medicação para dormir, para a ansiedade. É uma panela de pressão.”
A classe também luta pelo reajuste de seus salários. Busca, ao menos, o valor das perdas inflacionárias desde a última alteração, em 2015. Desde lá, ela segue no mesmo patamar. As perdas passam dos 28%. “Não é aumento, não é reposição que buscamos. É só essa perda inflacionária que significa poder de compra”, explica Garcia. A entidade tenta negociações com o governo Leite neste sentido.
Recuperação é incerta
Com tantas horas de aula perdidas pelos alunos do Município, o Cpers alerta que, nem sempre, a recuperação dos conteúdos acontece como deveria. “Existe uma coisa chamada ‘área de conhecimento’, que é uma forma muito cômoda de organização”, explica o vice-presidente da entidade, Edson Rodrigues Garcia.
“Aí tem a área de ‘Ciências da Natureza’, por exemplo, onde entra Química, Física e Biologia. A escola tem que dar tantas horas de ‘Ciências da Natureza’. Não tem professor de Física? Aí complementa essas horas com Química e Biologia; e fica com a carga horária fechada daquela área.”
Nessa lógica, o estudante acaba perdendo o conteúdo específico do componente, mesmo que, no papel, tenha recebido todas as aulas que teria que ter dentro da área. “O aluno fica com uma lacuna”, adiciona Garcia.
“O novo professor, quando for contratado, não tem a obrigação de repor tudo o que foi perdido enquanto ele não estava na escola. Embora algumas direções queiram isso, muito trabalham só dali para frente. Isso é um grande problema.”