Cemitério da cidade é rico em histórias e curiosidades

Separado como Municipal, Evangélico e Católico, local ocupa área de aproximadamente 10 hectares no Cinco de Maio

Chega o feriado de Finados e o cemitério de Montenegro fica lotado de pessoas que visitam o local para prestar homenagem aos que já se foram. Flores, lembranças, orações e algumas lágrimas marcam esse momento, principalmente nesta data, dentro de um lugar que, por si só, carrega muitas histórias e particularidades. Os cemitérios têm muito a contar.

“É ali que as pessoas expressam a sua fé e as suas crenças. Representado, em cada túmulo, está o ápice da vida e da relação daquela pessoa com a família dela. Todo o cemitério é uma grande expressão”, define Eduardo Kauer, pesquisador e diretor do Memorial do Imigrante Alemão. Dentro de seu trabalho, ele se propôs a pesquisar um pouco da relação de Montenegro com este local cheio de significado.

Eduardo explica que, muito antigamente, não existiam grandes áreas para enterro dos mortos. As famílias, donas de largas extensões de terra, uma distante da outra, enterravam seus membros em jazigos próprios, dentro de suas propriedades. Esse costume foi se perdendo com o crescimento da vila local, quando um espaço, onde hoje é o Hospital Montenegro, foi separado para ser o cemitério da cidade. A localização, ali, seguia uma tradição açoriana – povo colonizador da região – de não enterrar os mortos próximos da cidade, que, naquela época, se desenvolvia no entorno do Rio Caí.

Por esse motivo que, conforme o território ia aumentando, o cemitério foi movido. Sua instalação foi feita, então, nas proximidades da Estação da Cultura. Por razão parecida, anos depois, foi transferido para um terreno entre as ruas João Pessoa e Ramiro Barcelos, nas proximidades do prédio do Jornal Ibiá. Foi só no fim do ano de 1904 que ele passou para o bairro Cinco de Maio, onde está até hoje. De acordo com o registro, o primeiro sepultamento no cemitério atual foi o de Arthur Oscar Kauer.

O espaço, que atualmente se divide em Cemitério Municipal, Evangélico e Católico, começou como uma só unidade, gerida por uma Associação. Ele teve início bem no centro do terreno atual, onde hoje é o Cemitério Evangélico, e é ali que estão os túmulos mais antigos e ornamentados. Eduardo Kauer explica, inclusive, que, no entorno da atual caixa d’água, as lápides foram sendo organizadas em um formato de espiral e, por isso, ali se encontram as que têm mais tempo de existência. Algumas chegam a ter data anterior a 1904, por terem sido transferidas de outros locais.

Lugar de apreciação da arte
É no atual Cemitério Evangélico – a Associação mantenedora única se desfez em 1932, quando ocorreu a divisão – que estão os túmulos mais ornamentados. “As estátuas que estão ali são um patrimônio histórico e artístico inestimável. São testemunhos de um período de riqueza”, opina o pesquisador Eduardo Kauer. Anjos, santos e demais figuras, trabalhadas principalmente em mármore branco, enfeitam vários túmulos e merecem uma parada para a simples apreciação.

Algumas das figuras, inclusive, foram importadas diretamente da Alemanha no século passado. Apesar da iniciativa da organização do cemitério de tombar – particularmente, e não por meio de nenhum órgão oficial – estes túmulos, Eduardo lamenta que eles não sejam melhor cuidados. “Às vezes, o que fica de responsável não pode cuidar como deveria. E Montenegro também não tem essa cultura de preservar”, lamenta.

Segundo Eduardo Kauer, são poucos os cemitérios do Estado que têm tão belos ornamentos
Jazigo tradicional – O jazigo da família Piqueres, no Cemitério Evangélico, chama atenção por vários aspectos. Virado para uma direção diferente dos demais, ele tem uma construção cheia de adornos e carrega, imponente, o brasão da família de origem espanhola. Foi construído, de acordo com a aposentada Terezinha Gessi Flores Piqueres, pelos irmãos Lúcio, Alexandre e Encarnación, em meados de 1920, como um local para depositar seus entes queridos.
O banco no túmulo – No Cemitério Católico, um túmulo se destaca entre os demais por uma peculiaridade: existe um banco instalado sobre ele. A responsável pelo terreno, Asta Maria Bozzetto, explica a colocação. “Foi ideia da minha mãe, que tinha o banco em casa e resolveu levar pra lá, para que quem estivesse visitando ou trabalhando, pudesse sentar”, conta. Hoje, com a mãe também enterrada ali, Asta faz uso do banco quando realiza suas visitas. De acordo com ela, a colocação foi uma forma de levar um pedacinho de casa para o cemitério.
Herói da Revolução – Uma lápide célebre no Cemitério Municipal é a do Capitão Francisco Fontoura do Prado. Ele foi morto durante o Combate de Cafundó, na atual localidade de Vapor Velho, durante a Revolução de 1923. O corpo foi resgatado, após o conflito, por antepassados da família Piqueres, que fizeram o sepultamento em Montenegro. No túmulo – que quase foi perdido, muitos anos depois, sem o conhecimento de seu valor histórico – existe uma homenagem do Partido Libertador, exaltando o capitão como um herói da Revolução. A aposentada Terezinha Gessi Piqueres se orgulha por ter sido ela a responsável pela restauração e recuperação da lápide.
Depredação é problema geral – Não é só pela falta de cuidado dos donos que sofrem os túmulos. Não são poucas as ocorrências de depredação dos ornamentos que, dos mais simples ou os mais trabalhados, são arrancados, quebrados ou roubados. Só na área do Cemitério Municipal, a administração aponta mais de cem túmulos que, atualmente, estão sem as letras ou a moldura das fotos. No Evangélico, uma das estátuas teve a cabeça arrancada. A administradora do Municipal, Susana Souza, avalia, porém, que esse tipo de ocorrência tem diminuído nos últimos meses, e que a situação já foi muito pior.

Cemitério Público é alternativa para famílias carentes
Cada uma das três divisões do cemitério tem seus próprios regramentos e equipe de manutenção. A do Cemitério Municipal, de competência da Prefeitura, é gerida por Susana Souza, que, com uma equipe de três funcionários, cuida da limpeza e da pintura. Em um atual projeto de revitalização, os bancos estão sendo trocados e os banheiros reformados. Integra o local, também, uma área conhecida como Cemitério Público, onde os que não têm condições de adquirir um terreno ganham um espaço.

Susana explica que, dentro do Municipal, somente a área pública tem, hoje, lugar para sepultamento. Isso porque, ali, existe um sistema de rotatividade. “Hoje não tem mais terreno para vender. Então, se a pessoa não consegue no Católico nem no Evangélico, ou se não tem condições de pagar, tem a opção do público. Ali o corpo pode ficar por cinco anos. Depois, a família deve retirar a ossada ou, se não quiser, é feita a transferência para o ossário”, relata. Este ossário é uma construção, em forma de capela, onde é feito o depósito.

Túmulos públicos podem ser usados durante cinco anos, até a retirada do corpo pela família ou a transferência dos restos mortais para o ossário

O cemitério em NÚMEROS
– Data de inicio: 1904;
– Área total aproximada: 10 hectares, ou seja, 100 mil metros quadrados;
– No cemitério católico, existem mais de 2,6 mil túmulos;
– No cemitério evangélico, são mais de 1,4 mil;
– O cemitério Municipal não tem mapeamento de túmulos, mas a administração salienta que está projetando este controle.

*Informações foram divulgadas pelas mantenedoras no ano passado.

Trajetória cortada – Um dos túmulos destacado pelo pesquisador Eduardo Kauer é o pertencente ao Capitão Schwartz, que se apropria de uma simbologia da maçonaria, com a torre, cortada ao meio, em uma representação visual da trajetória de vida, interrompida pela morte. “É uma verdadeira expressão artística”, aponta Eduardo.

 

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