O câncer é uma doença de pessoas mais velhas. Dos 600 mil novos casos que ocorrem no Brasil ao ano, apenas 12 mil se dá em crianças ou adolescentes. Dos outros 588 mil – mesmo não havendo estatísticas precisas – a grande maioria se dá em pessoas com mais de 50 anos. Se em números reais eles representam pouco, em letalidade não. Câncer é a principal causa de morte entre os adultos jovens, classificação que vai dos 20 aos 39 anos.
Os mais comuns são, de tireóide, de testículo, ovário e ósseos e os linfomas. Já o tumor no cérebro, apesar de ser menos comum, é o que mais mata pessoas com câncer na faixa etária dos 20 aos 28 anos.
A palavra câncer denomina uma série de doenças com diferentes tratamentos e implicações. O câncer que afeta alguém idoso, num jovem tende a ser mais agressivo e evoluir mais rápido. Em contrapartida, em alguns casos, a resposta ao tratamento é melhor. O chefe do serviço de oncologia pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Mario Corrêa Evangelista, explica que câncer é a proliferação de células sem uma função no organismo, que tomam conta de outras, que tinham diferentes funções no corpo.
Alguns tipos de câncer, como o de mama, têm causas hereditárias. Sabe-se que a mulher cuja mãe teve câncer de mama precisa se precaver mais cedo que as demais. Outros tipos de tumores têm ligação com hábitos de vida. Quem fuma tem muito mais chance de desenvolver câncer de pulmão. Mas quando se fala em câncer em crianças, adolescentes e jovens adultos não há como explicar o surgimento da doença. “Não sabemos a origem. A maior parte não tem base genética. Muito provavelmente os pais não tiveram câncer e seus filhos não terão”, diz Evangelista.
O também oncologista do Hospital de Clínicas, mas do serviço que atende casos em adultos, Gustavo Alves, explica que a causa está em mutações de DNA dentro das células adquiridas ainda no útero e que se modificam durante a vida. Mas a causa dessa mutação no início da vida a ciência ainda não descobriu. O que se sabe é que o câncer que ocorre numa criança ou jovem será muito diferente do que afeta alguém com mais idade. E as pesquisas a respeito de casos de câncer na faixa dos 20 aos 39 anos são muito mais recentes que as outras. “Só a partir de 2010 passou a se ter mais publicações científicas específicas do câncer no adulto jovem. Isso é muito recente. Até então havia pesquisas do câncer em crianças e da ocorrência em adultos, que no geral atinge pessoas muito mais velhas”, diz Alves.
O chefe do Serviço de Oncologia Clínica da Santa Casa de Porto Alegre, Carlos Eugênio Escovar, considera natural que a sociedade tenha um estranhamento aos casos de câncer em jovens, já que esses são raros se comparado ao número total. Porém, ele lembra que existem tipos de câncer mais comuns em determinadas faixas etárias. Em crianças ocorrem mais os chamados linfomas, leucemias, sarcomas ou tumores germinativos (em testículo ou ovário). Apesar de serem manifestações agressivas das doenças, a chance de cura alcança 90%. “Diferente de quando ocorre em outra faixa etária, é possível utilizar uma quimioterapia mais forte ou um tratamento mais intensivo”, exemplifica Escovar.
Quando um adulto jovem tem um câncer comum em jovens e crianças, sua chance de cura é grande, desde que ele seja detectado nos estágios mais iniciais. “O câncer de melanoma, por exemplo, tem crescido muito entre jovens, mas é um tipo de câncer que, se tratado cedo, tem muita chance de cura”, diz Gustavo Alves. Porém, quando manifestações mais típicas da velhice acometem um jovem, no geral, são extremamente agressivas e as estatísticas de cura são bem inferiores. Cânceres de mama, ovário e intestino costumam ser mais agressivos nessa faixa etária.
Tratamento, cura e acompanhamento por toda a vida
A palavra cura, quando dita por alguém que teve câncer, parece ganhar outro significado. É que findar o tratamento não significa poder dar adeus aos hospitais e cuidados médicos. Um dos principais fatores de risco para o câncer é justamente já ter tido um tumor no passado.
O tratamento do câncer passa pela cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Em alguns casos, dependendo do tipo de doença, se opta por um ou mais deles. Ao final dessa etapa, para evitar a chamada remissão – quando a doença retorna – o paciente pode fazer uso de medicamentos por três ou quatro anos. “Conforme o tempo passa o medo reduz. Relaxar mesmo? Uns 10 anos depois. A partir disso o risco de voltar a doença ou ter outro câncer reduz ano a ano e passa a ser mais próximo da ocorrência em alguém que nunca teve câncer”, diz Carlos Eugênio Escovar.
Isso se dá, também, conforme explica Gustavo Alves, por algumas drogas presentes no tratamento, e a radioterapia, que elevam os fatores a taxa de risco, apesar de isso estar melhorando com a evolução dos remédios. “Tem que se acompanhar um adolescente ou jovem, após o fim do tratamento por questões que vão além da oncologia. Ele pode ficar mais propenso a outras doenças”, diz Alves. Há indicações, por exemplo, de uma predisposição a problemas cardiovasculares. “Naquele momento, a preocupação é tratar o câncer. Depois se arcará com as conseqüências desse tratamento”, complementa Escovar.
Leucemia aos 30 anos
Diogo Gehlen Dapper recebeu no ano passado a notícia que nenhum jovem de 30 anos espera ter. O diagnóstico de leucemia linfocítica aguda veio após ele perceber sintomas como dor no peito, catarro com sangue e o surgimento de hematomas pelo corpo. Ele até tentou adiar a ida ao médico, deixar sempre para o dia seguinte, mas chegou um momento em que não era mais possível. Sem casos anteriores na família, a notícia causou surpresa e muitos questionamentos.
“Nessa hora a gente questiona o que pode ter gerado a doença, o que se fez de errado. Mas não se sabe”, conta. Algumas hipóteses foram levantadas como os agrotóxicos presentes em alimentos. Mas nada foi confirmado. “Os médicos não dão uma explicação concreta. Não há como oferecer isso. O que é difícil”, comenta Dapper.
Confirmada a leucemia, o auxílio médico iminente se fez necessário. Nesses casos, o tempo é decisivo no tratamento. Todos os procedimentos foram realizados no Hospital da PUC, em Porto Alegre. Diogo ficou 45 dias internado, fazendo aplicações de quimioterapia a cada dois dias, um tratamento agressivo que exigiu cuidados. A resposta foi boa, sem que ele necessitasse de muitas transfusões de sangue. Todo o processo foi acompanhado de perto pela sua mãe, que foi acompanhante e cuidadora no período de internação.
A chance de um retorno da doença ainda é grande, por isso o tratamento agora entra na fase de consolidação, com seis aplicações de quimioterapia, que exigirão novas internações hospitalares. “Ficarei duas ou três semanas em casa e depois retorno para ficar uma semana no hospital e fazer a quimio”, estima Diogo. “Os médicos ainda não falam em cura. Há chance de remissão”, complementa.
O caminho da cura definitiva pode estar em um transplante de medula. Mas essa ainda é uma questão que precisa ser discutida com a equipe médica. Diogo tem um irmão que poderia doar, o que torna esse procedimento mais cogitável. Porém, há riscos que precisam ser analisados. “Baixa a defesa do corpo, tem riscos em fazer o transplante. E se optarmos por não, há outros medicamentos”, relata.
Junto com a recuperação física deve vir a reestruturação dos planos. É hora de tocar a vida, retomar planos ou criar novos sonhos. “Ninguém espera receber uma notícia dessas. Ela abala, traz uma sensação ruim para a família. Tu tem teus planos e quer tocar a vida”, conta Dapper, que é formado em administração. O plano principal é deixar a leucemia definitivamente no passado e depois, talvez, ganhar o mundo. “Quando acontece uma coisa dessas você começa a se questionar. E querer levar a vida de outra forma”, finaliza.
Câncer de ovário aos 20 anos
Mariana Tamires Wilhelm chegou aos 20 anos tendo o que comemorar. Formada em Gestão de Recursos Humanos, junto do marido, Adson da Motta Bernardes, já conseguiu adquirir sua casa. Tudo seria perfeito na vida dessa jovem não fosse a descoberta de sofrer de câncer no ovário. Os sintomas eram fortes cólicas enquanto dormia. Com exame de rotina, descobriu um cisto no ovário esquerdo. Exames mais específicos, quatro meses depois, apresentaram outro cisto, dessa vez no ovário direito. A confirmação definitiva veio com uma videolaparoscopia – cirurgia minimamente invasiva para diagnosticar e tratar doenças da região abdominal – e um exame de sangue. “O médico da PUC disse que 98% de chances de ser benigno, para que eu não me preocupasse. Mas os 2% se mostraram positivos”, conta.
Já na primeira cirurgia foi constatado que o material era maligno e ela foi encaminhada para um especialista em cirurgia oncológica no Hospital Santa Casa, em Porto Alegre. Lá ficou internada por um mês, até o último dia 16. Hoje ela realiza a consulta médica que dará início a quimioterapia. A jornada ainda é longa. “Acredito que serão aproximadamente cinco meses de quimioterapia”, explica feliz e esperançosa. O plano é fazer uma festa ao final de todo o processo.
O início da quimioterapia traz um temor muito presente em todas as mulheres que passam pelo tratamento. A perda do cabelo é a constatação diária de estar doente. “Para mim, vai ser a parte mais difícil, que eu vou perceber que estou tratando essa doença.” Ela fará uma peruca do próprio cabelo.
Receber a notícia de sofrer de câncer, ainda tão jovem, traz um forte impacto emocional. “Na internet, quando se busca sobre câncer de ovário, a associação principal é com a morte. Então eu pensei: vou morrer!”, afirma. O choro veio, principalmente por pensar na reação familiar. O marido, de acordo com ela, se mostrou forte e parceiro em todos os processos. “Todos os dias ele ia me ver no hospital, em Porto Alegre, no processo de internação. E nos primeiros dias que eu chorei bastante e que ainda não tínhamos nenhuma resposta sobre o tratamento, ele sempre me encorajou e disse que venceríamos isso junto”, recorda. A família sofreu um forte impacto, mas soube entender que precisavam confiar no tratamento.
Os planos para 2017 seguem de pé, mas alguns conceitos ficaram muito claros. “A família e os amigos são os bens mais preciosos da vida, para mim foi a força para superar tudo” diz. Pelo menos um plano de futuro, mesmo que em longo prazo, teve de ser alterado. Mariana teve o útero retirado durante a cirurgia e por isso, biologicamente, não poderá ser mãe. “Hoje, considero que o mais importante é eu estar viva”, diz ela, ainda com grande tristeza. Motivação para se curar definitivamente não lhe falta. E isso, ela garante, é grande parte do tratamento. Manter a auto-estima e se cuidar são os objetivos. Apesar de sentir falta da rotina de trabalho, nesse momento, o foco está em se curar. Mariana ainda aconselha que é muito importante fazer exames de rotina e não descartar nenhum sintoma anormal. “Se eu não fizesse exames de rotina, talvez descobriria tarde de mais”, diz a jovem, que ainda agradece o apoio da família, amigos e da equipe médica responsável por todo processo de seu tratamento.