Desafio. É uma mulher quem coordena o curso de formação de alunos-soldados da Brigada Militar em Montenegro
Há 14 anos na Brigada Militar, a capitã Michele da Silva Vargas, 37 anos, vive o maior desafio na carreira. É ela quem comanda a formação dos novos alunos-soldados da corporação em curso na Escola de Formação e Especialização de Soldados (EsFes), em Montenegro, desde a metade de novembro.
Natural de Bagé, na Campanha, mas lotada no Batalhão de Santa Cruz do Sul, a capitã tem a missão de comandar uma turma de 340 homens e 67 mulheres.
Formada na última turma de capitã da Brigada, em 2010, depois de ter concluído o curso de Direito, Michele conta com o auxílio de mais seis oficiais de diferentes partes do Estado, que respondem pela preparação dos novos policiais em uma rotina de trabalho que pode começar às 3h da madrugada e terminar só de noite. “Para a mulher, enquanto mulher, é sempre um desafio mostrar que se tem condições de trabalhar também no militarismo. Até porque o índice de oficiais é muito pequeno. Não chega a 2%”, comenta.
Ela admite que quando recebeu o convite do major Marcio da Luz, diretor da EsFes, não sabia que teria pela frente um número superior a 300 alunos-soldados homens. Para a oficial, o sucesso da missão, até este momento, é contar com uma equipe excelente, qualificada e muito determinada. “Nós estamos focados em formar os melhores policiais militares para a Brigada”, reforça.
A capitã lembra que hoje em dia, para ser um PM, é preciso sentir amor à camiseta, ter o dom, estar vocacionado, ter a capacidade de lidar com os problemas, e, especialmente, ajudar os outros. Até porque, admite, o salário de um soldado ainda está longe do ideal por conta da defasagem. Mesmo assim, precisarão ter consciência de que estarão à disposição da BM, como, por exemplo, ser acordado no meio da madrugada para uma ocorrência de assalto a banco. “Tu não vai deitar e dormir como tu quer. Pode ser acordado, às vezes, às 3h da madrugada para uma atividade”, pontua a oficial.
Para lidar com este tipo de situação, a capitã informa que, durante o curso, são abordadas estas questões, para que todos estejam bem preparados para isso.
Longa convivência com o “malvado favorito”
A oportunidade de trabalhar em Montenegro pode estar relacionada ao fato de que, quando fez o curso de formação de alunos-soldados, Michele foi aluna do major Marcio, que em 2003 deu aula justamente para a turma que, anos depois, teria a capitã Michele. “Três conseguiram chegar a capitão.
Dois do meu pelotão”, lembra a oficial, ressaltando que foi um grande convite.
De lá para cá, os oficiais não perderam o contato. No segundo semestre do ano passado, quando o Governo do Estado decidiu pela convocação dos aprovados no concurso público para soldado da BM, a capitã recebeu o chamamento do major Marcio. Ela acredita que, como foi aluna dele, tinha o perfil para desempenhar esta atividade de formação, em função de terem tido 11 meses de convivência. “A gente brinca que ele era o malvado favorito”, reforça. O apelido “pegou” por conta da fama do oficial de ser extremamente rígido.
Mais de 30 disciplinas com avaliação de média alta
Para suportar o curso de formação, os alunos-soldados passam por uma verdadeira maratona. Em alguns momentos, têm mais de 30 disciplinas em 20 atividades. Por isso, é preciso estar bem física e psicologicamente. Até porque são avaliados com uma média de 7 pontos, que é considerada alta.
Antes do término há ainda um provão no final do curso que definirá a colocação dos melhores classificados. Os primeiros poderão ter a chance de escolher os locais de destino quando chegar a hora de vestir a farda.
Realidade das ruas está espelhada lá dentro
A capitã avisa que a realidade das ruas está sendo reproduzida dentro da Escola de Formação, impondo uma série de dificuldades para que os alunos-soldados se mantenham firmes no objetivo de se tornarem policiais militares. O objetivo é evitar que PMs descontentes e infelizes prossigam na carreira.
De acordo com Michele, alguns desistiram em função de estarem longe da família e pela incerteza de não saber em qual local trabalharão após o curso, assim como a dificuldade do trabalho e a decepção com o que esperavam encontrar. A preocupação principal da capitão é formar bons policiais, afinal é uma necessidade do Estado em reforçar a segurança pública.
Acostumada a trabalhar entre os homens
Na companhia em que trabalhava em Sobradinho, a capitã Michele da Silva Vargas convivia com apenas cinco mulheres para outros 67 homens, portanto não é uma novidade estar à frente da formação dos alunos e ter apenas um sargento mulher na EsFes. “Nunca tive problemas com o efetivo masculino”, ressalta.
Ela pondera que, a cada dia, a mulher quer se inserir neste meio, ou seja, é testada e provada para ver se quer seguir e ser aprovada, passando, inclusive, pela parte física, uma das mais difíceis. Na prova física, elas correm um pouco menos, de acordo com a idade, em comparação com os homens. E ao invés das abdominais reservadas a eles, as mulheres se exercitam nas barras.
Nesta sexta-feira começam os estágios operacionais no curso
A previsão de formatura dos novos soldados da BM é em julho, mas a partir desta sexta-feira os alunos avançam numa nova fase da qualificação, com a ida para as ruas, no chamado estágio operacional. Os pelotões formados por 35 alunos-soldados estarão à disposição para o policiamento ostensivo dos Comandos Regionais do Vale do Caí, Serra e Vale do Sinos, em atividades nas sextas, sábados e domingos.
Como os finais de semana originalmente são liberados para que os alunos tenham contato com familiares de suas cidades, a ideia é fazer um rodízio para que os pelotões que trabalhem um sábado e domingo folguem em outro. A capitã Michele da Silva Vargas preferiu não adiantar em que locais os alunos atuarão neste final de semana, mas garantiu que estarão sob a supervisão de policiais mais experientes.
Blog deve ser criado para divulgar artigos sobre a segurança
A capitã Michele antecipa que um dos planos para ser colocado em prática, em breve, é a criação de um blog para a publicação dos artigos escritos pelos alunos-soldados acerca de temas da atualidade da segurança pública.
Ela observa que mesmo que eles tenham uma rotina pesada de estudos e atividades práticas nos dois turnos, com rigidez de proibição do uso de tecnologias durante as aulas, os alunos têm obrigação de buscarem informações sobre o que vem ocorrendo enquanto estão em formação.
Entre os artigos escritos, estão trabalhos a respeito da crise da segurança no Espírito Santo e o Dia da Mulher, entre outros temas relevanters. Entretanto, a oficial prefere não detalhar quando o canal de divulgação será disponibilizado.
Aluna vê o desempenho de capitã como um incentivo a mais
Entre os 407 alunos em atividade na EsFes, o clima é de expectativa para a conclusão do curso que garantirá um acréscimo à tropa da Brigada.
Enquanto o momento tão esperado não chega, um dos principais pontos de atenção é justamente o fato do comando da formação ser feito por uma oficial.
A situação tem se tornado incentivo para quem está ingressando agora, como é o caso da aluna-soldado Taciane Neckel Lima, 24 anos, natural de Cruz Alta, e que trabalhava como caixa até ficar desempregada, há mais de um ano.
Casada com um policial militar, Taciane tem sido obrigada a viver longe do marido e do filho do casal, de apenas dez meses. No começo, admite, era mais complicado, mas agora diz estar mais segura pelo filho estar adaptado à escolinha e ao pai. Nos finais de semana de folga, pega a estrada rumo ao Noroeste do Estado para matar a saudade da família.
Quando o curso começou, diz Taciane, ficou surpresa em saber que uma oficial seria responsável pelo trabalho, mas vê este fato como um incentivo para que, um dia, chegue a uma condição igual na hierarquia militar. “Estou fazendo curso superior para chegar a capitã”, detalha, lembrando que a opção de ser PM teve influência do marido.
Marcus quer trabalhar na cidade em que nasceu
Natural de Montenegro, Marcus Vinicius de Oliveira, 25 anos, largou o trabalho como vendedor para fazer o curso da Brigada depois de dois anos e meio de espera. Ele conta que a escolha se deu em função de ter servido nas Forças Armadas, a vontade de ajudar ao próximo, a realização profissional e a estabilidade.
“Tá complicado de conseguir trabalho lá fora, então a estabilidade no emprego é um atrativo”, completa o único militar da família. Ele prefere minimizar as dificuldades do trabalho, dizendo que qualquer atividade tem seus desafios. Feliz e empolgado com o curso, Marcus espera ter a felicidade de continuar trabalhando em Montenegro ou na região. “Mas sou empregado do Sartori. Vou para onde me mandarem”, conclui.