Campanha #CriançaNãoNamora provoca polêmica

Infância. Postagem no Facebook critica a erotização das crianças, mas o problema, muitas vezes, está nos adultos

Uma postagem realizada no Facebook do Conselho Nacional de Justiça vem sendo muito compartilhada pelos brasileiros. Trata-se da campanha #CriançaNãoNamora. A imagem postada na rede social em 8 de abril já teve mais de 44 mil interações e um número de compartilhamentos superior a 160 mil.

A postagem foi inspirada na campanha “Criança não namora! Nem de brincadeira”, criada pela Secretaria de Assistência Social do Estado do Amazonas, contra o estímulo à erotização infantil. Embora haja posicionamentos contrários, alegando que o “namoro infantil” não tem malícia nem ocorre nos mesmos termos de um relacionamento adulto, a campanha é muito elogiada pela luta contra a sexualização da infância, algo cada vez mais discutido.

A interação aberta pelas campanhas aborda, ainda, a ideia de que é importante permitir às crianças aproveitar a infância. O que também é defendido pela psicóloga clínica e educacional Bianca Sordi Stock. “Viver a infância em plenitude é um direito das crianças. A aceleração da vida cotidiana, as relações pautadas pelo consumismo excessivo e o isolamento das famílias por medo de ocuparem os espaços públicos roubam das crianças o direito ao tempo da infância”, diz a especialista, que é professora da pós-graduação em Educação Infantil da Unisinos.

Em muitas famílias, são comuns brincadeiras de que a criança está “namorando” um colega de aula. Apesar de ser necessário manter o alerta, não é preciso encarar o tema com tanta severidade. É diferente, porém, quando a brincadeira não parte da criança. Bianca lembra que brincar é fundamental, pois é um processo de elaboração psíquico criativo, além de ser essencial para o desenvolvimento motor, cognitivo e social. “As crianças convivem com muitos adultos atrapalhados no seu exercício da sexualidade e que acabam projetando nelas as suas questões. Elas precisam brincar de forma livre e espontânea para construírem as bases de sua saúde mental. De forma equivocada, às vezes os adultos imprimem um sentido erótico, genital à fala da criança, que é ainda lúdica e infantil”, diz.

Mas então, como agir diante de um “namoro infantil”? Para a especialista, primeiro os adultos devem entender a necessidade de proteger, respeitar e escutar seus filhos. É possível explicar às crianças que são amigos, que o corpo do outro precisa ser respeitado, assim como o seu próprio e que não pode dar beijinho e abraço sem o colega querer. Mas a principal mensagem da campanha “Criança não namora” não é direcionada às inocentes brincadeiras infantis. A campanha joga luz sobre os erros dos adultos que, por vezes, estimulam essa erotização precoce das crianças.

A proximidade ou a entrada na adolescência farão com que os relacionamentos amorosos entrem em pauta na família. Às vezes, bem antes do que os pais esperam. Há famílias que são surpreendidas com a informação de que um adolescente de 13 ou 14 anos está namorando. Nesses casos, Bianca orienta para o diálogo, valorizando que cada família tem suas regras e não há o que padronizar. É importante, porém, oferecer liberdade no limite que o adolescente está pronto. “Pode ser permitido namorar, sair, fazer festa, na medida em que eles possam ser responsáveis pelas consequências dos atos envolvidos nessas experiências”, destaca. É função dos responsáveis avaliar o que, muitas vezes, eles, sozinhos, não têm discernimento para identificar como bom ou ruim para si. Isso tudo, é claro, sem esquecer que viver o surgimento de um amor ou paixão é uma das coisas mais bonitas da adolescência e que todos passaram por isso um dia.

Menino x Menina
Há de se cuidar, ainda, para não diferenciar o trato entre os filhos por questão de gênero. Reprimir uma brincadeira da filha sobre o namorado da escola ao mesmo tempo em que incentiva o filho a ter namoradinhas é contraditório. “Esse é um equívoco grave na formação dos indivíduos de nossa sociedade e que inicia na primeira infância. Precisamos nos unir, famílias e especialistas, para superar as formas ultrapassadas das relações de gênero que produzem relações tristes, vazias e violentas”, enfatiza Bianca Stock. Isso é algo que a sociedade está aprendendo. Afinal, muitas vezes, os pais e mães de hoje assim foram educados e tendem a repetir o comportamento.

Bianca Sordi Stock, psicóloga
foto: arquivo pessoal

Criança brinca de ser adulto
As crianças gostam de brincar de serem adultas, pois se identificam com esse mundo. Não é raro meninos quererem se barbear ou filhas pegarem emprestado o sapato de salto alto da mãe. Mas há de se identificar quando é algo lúdico, ao seu tempo, e quando se trata de uma antecipação da fase adulta. “Quando esses usos impedem ou atrapalham a criança de brincar, de viver a infância, de ser espontânea, é sinal de preocupação”, orienta Bianca.

É preciso cuidado, ainda, para que os filhos só tenham acesso a informações com as quais eles têm maturidade para lidar. Há músicas com letras impróprias para crianças. Bianca não fala em proibir determinado gênero ou artista, mas defende que o menor tenha acesso a música, arte e literatura de qualidade. “Sem referências positivas, eles não terão a chance de fazer boas escolhas. Isso vale para muitos outros aspectos do desenvolvimento da moralidade das crianças”, diz. Já o uso da internet é um risco, afinal, elas não têm maturidade para entender os perigos da rede. “Deixar a internet entrar em casa sem restrições é o mesmo que abrir a porta da casa para a rua, para estranhos interferirem de maneira muito incisiva na formação dos filhos”, finaliza.

Últimas Notícias

Destaques