Chegou o Dia das Crianças. No mês dedicado à Nossa Senhora Aparecida, e também aos pequenos, várias questões entram em pauta, principalmente sobre o desenvolvimento infantil. Toda criança precisa de boa educação e, aliado aos ensinamentos da escola e dos pais, brincar. Com nove anos de idade, Maria Alice Ribeiro é prova de que crescer brincando pode trazer diversos benefícios, como desinibição, energia e uma mente muito criativa. Uma de suas brincadeiras favoritas é desenhar. “Faz muito tempo que eu desenho. Algumas coisas eu crio da minha cabeça, como alguns robôs. Alguns eu vejo na internet e depois faço igual”, conta. Sozinha, Maria também gosta de jogar futebol no pátio de casa. Já com a mãe Tatiane da Silva Ribeiro, 28, a atividade favorita é jogar vôlei. “É muito divertido. O vôlei me inspira porque eu quero ser jogadora quando eu crescer”, conta. Juntas, as duas estão sempre envolvidas em alguma atividade, dentre elas, Maria destaca muitas ao ar livre: pega-pega, polícia e ladrão e andar de bicicleta.
Tatiane conta que desde muito pequena estimulou a filha com o uso da Arte, na qual é muito ligada. Pinturas com tintas e danças são destaque, juntamente da criação de personagens e apresentações, atividades já executadas por Maria quando participou de aulas de teatro. Para Tatiane, a principal importância do lúdico se vê diretamente no desenvolvimento da filha. “Ela tem uma criatividade muito grande. Na infância e na vida, o brincar é muito importante. Gosto muito de uma frase que diz “brincar é urgente”. Eu concordo plenamente com isso, principalmente na infância, para não perdermos isso quando adultos. Acho que não podemos deixar com que isso se perca, para que não “morra” uma parte de nós”, afirma. Ela confirma o que Maria conta: as atividades ao ar livre são constantemente realizadas pelas duas. “Ela gosta de subir em árvore, de se pendurar nas pracinhas.”
Kauana Wilbert, 24, cuida de cinco crianças em dias alternados, sendo Brenda Tamara Wilbert de Lara, 8, e Laura Manuelly Wilbert de Lara, 2, suas filhas; e Davi, 8, Paula, 7, e Ísis, de dez meses, filhos de sua irmã. Por isso, já adianta: para poder fazer tarefas diárias, só colocando os pequenos para brincar no pátio de casa. Assim como Maria Alice, a criançada gosta de estar na rua, brincando de se esconder, pega-pega, andar de bicicleta e jogar bola. Kauana, que tem o auxílio da mãe Elzira Wilbert, 48, para ficar com as crianças quando a irmã não está, afirma que as brincadeiras são parte fundamental para os pequenos da família. Além de ao ar livre, as crianças também desenham, pintam, assistem desenhos e montam quebra-cabeças com Kauana. “Brincar é muito importante. Vemos crianças que não têm contato com outras e que por isso, não se adaptam bem com pessoas e locais. As crianças aqui em casa não. Eles vão todos para a rua brincar, fazem amizade e estão sempre aprendendo com os outros amiguinhos. Já aconteceu de chamarem para que eu fosse jogar bolita junto, uma coisa que faz a gente relembrar que também brincava, já que com o tempo acaba ficando para trás. Eles aprendendo ensinam a gente”, destaca.
Sandra Richter, doutora em Educação, professora do Departamento de Ciências, Humanidades e Educação da Unisc e coordenadora do Programa de pós-graduação em Educação da Unisc, explica que a importância de brincar para as crianças é vital, justamente por ser muito mais do que isso: é uma expressão cultural que especifica o ser humano. “A experiência lúdica, desde o nascimento, diz respeito à força criativa e inventiva dos humanos. É nesse sentido que o jogo é mais antigo que a cultura, ou seja, produzimos cultura porque somos lúdicos, porque somos capazes de brincar, criar e inventar, jogar com possibilidades, recriar e reinventar o mundo dado”, destaca.
Segundo ela, no ato de brincar, as crianças atualizam e reinventam sentidos e significados, renovando o mundo em que chegam. “Assim, é como necessidade vital de sentir, ler e interpretar que os bebês e as crianças começam a brincar com os sentidos e significados do mundo que os adultos lhes apresentam. Por isso, o “fazer de conta” das crianças, assim como a imaginação dos adultos, que interrogam “e se fosse possível?”, é a mola propulsora da curiosidade humana, aquela que fez – e faz – surgir as mais insuspeitas produções técnicas, científicas e artísticas ao longo da história da humanidade.”
Sandra afirma que considera imprescindível que as crianças, principalmente nos dias atuais, vivam de encontro à diversidade da natureza, desde bebês. “Se eu pudesse sugerir algo aos pais, seria viver com as crianças de qualquer idade o encontro com a diversidade: o vento, chuva, grama, areia, barro, árvores, plantas, sonoridade dos pássaros, textura das pedras, variação das cores do pôr do sol, luz do dia, luz das estrelas na noite e o calor do sol”, ressalta. Para ela, esta variedade de sensações com o mundo desafia a curiosidade da criança e a faz desenhar, pintar, modelar, construir, cantar, dançar e dramatizar. Assim, o importante na ação lúdica é apresentar às crianças “como” fazer e não “o que” devem fazer. “Se não apresentamos às crianças o mundo em toda a sua diversidade de sensações e possibilidades de ser narrado, será difícil para elas o compreenderem e tomarem decisões próprias para nele se situarem”, afirma a especialista.
“Ferramentas virtuais não substituem o encontro com o mundo”
Tatiane afirma que a filha não costuma utilizar muito aparelhos eletrônicos. “Eu tento substituir por outras brincadeiras. Mesmo assim, ela joga bastante no celular, mas eu não deixo extrapolar. Ela vai fazer 10 anos e eu ofereci um celular para ela de presente, mesmo que eu fosse ter o controle, mas ela não quis, disse que prefere brinquedos. Ela é uma criança muito sociável, então, se for para sair brincar com os amiguinhos ela sai e sem nem pensar no celular.”
Kauana, por sua vez, conta que as crianças gostam da televisão e dos aparelhos celulares, mas que tudo tem limite em casa. “Na TV, bloqueamos tudo que poderia ter de conteúdo impróprio e nos celulares também”, conta. Laura, com apenas dois anos, já sabe mexer no celular da mãe e o usa para olhar vídeos no YouTube. Mas, com tanto espaço no pátio de casa, os pequenos até esquecem por um tempo dos aparelhos eletrônicos.
A doutora em Educação Sandra Richter diz que as tecnologias virtuais devem ser bem ministradas pelos pais s. “Uma vez que o mundo está dado de certa forma, a função dos adultos é ajudar as crianças a lidarem com este mundo acelerado de informações e de intenso consumo de produtos “inovadores”. Não há consensos em torno do seu uso pelas crianças, desde muito pequenas, porque é um fenômeno muito recente em nossa história. Cabe aos adultos a responsabilidade de compreenderem que ferramentas virtuais não substituem o encontro com o mundo e muito menos a interação entre as pessoas”.
A professora relembra que muitas coisas boas ocorrem no mundo virtual, mas que o mundo real não pode ser substituído. “Nenhuma tela permite viver a brisa do Verão, o aroma da Primavera, não permite o desafio de saltar poças d’água nem a aventura de pular do muro, muito menos permite viver o toque dos pés descalços na terra, o toque da mão de alguém. Nenhuma sensação que efetivamente emocione o corpo todo virá das representações artificiais de uma máquina”, diz. “Neste sentido, cabe aos adultos a responsabilidade de imporem limites e estabelecerem regras de uso, pois compreendem que aprender no mundo real é primordial para a formação humana.”
Pais devem ser presentes e incentivadores na hora de brincar
Sandra afirma que o papel dos pais é fundamental já que são os adultos que mostram às crianças o mundo e o sentir, ler, interpretar, conhecer e a transformar em narrativas. “São eles os primeiros a apresentarem às crianças o mundo em que chegam. Brincar e jogar exige dos adultos e das crianças disponibilidade para estarem presentes no tempo que durar essa ação. Quando cantam com as crianças, com elas dançam ou adentram uma boa história, quando apreciam uma poesia ou passeiam e correm, quando jogam trava-línguas ou com elas desenham e escrevem, enfim, quando com elas se dispõem a sonhar e pensar, o que conta é o prazer da ação de juntos viverem uma experiência que amplia possibilidades de sentir e perceber o mundo”, salienta.
A professora destaca que brincar não é instrumento de ensino, mas sem querer, acaba ensinando e que os adultos nunca devem deixar sua parte lúdica para trás. “Nessa experiência, o que importa é a ação de brincar e não os brinquedos, pois brincar antes de tudo é aprender a ser brincante. Aprender a ser inventivo. Por isso, as crianças brincam com qualquer coisa que possam ter às mãos. Talvez tenhamos que reaprender com as crianças a compreender a intimidade entre ação lúdica, experiência de pensamento e o processo laborioso de adentrar no significado das coisas”, finaliza.