Atrasos do Estado ameaçam a saúde do HM

Apesar de não terem sido depositados integralmente valores de janeiro e fevereiro, serviços foram mantidos

A sobrevivência de qualquer empresa ou instituição depende do equilíbrio entre receitas e despesas. Este é um dos princípios da gestão financeira que o Hospital Montenegro 100% SUS vem perseguindo há muito tempo e, aos poucos, vinha alcançando. Tanto que o governo do Estado ainda está devendo metade da fatura de janeiro e toda a de fevereiro, somando em torno de R$ 2,7 milhões, e o hospital segue funcionando quase normalmente. Mas não por muito tempo.

BATISTA mostra o projeto do novo PA, mas a instalação depende de novos recursos

A situação somente não é pior graças a um rigoroso gerenciamento de custos e ficha limpa para, quando os números estão vermelhos, recorrer aos bancos em busca de socorro. Taxas de juros são um problema, mas pior seria deixar os funcionários sem salários ou a população sem atendimento.

O orçamento mensal do HM hoje gira em torno de R$ 3,7 milhões, dos quais R$ 1,8 milhões provêm do governo do Estado e o restante da União. Também há uma pequena participação das prefeituras da região, que subsidiam o pronto-atendimento, com recursos que somam em torno de R$ 450 mil. O dinheiro que vem do Estado – muitas vezes com atraso – banca exames, consultas e cirurgias de média complexidade. Já o governo federal custeia as intervenções especializadas e de emergência.

“Quando um deles não cumpre a sua parte nos contratos, somos obrigados a fazer cortes nos serviços que este dinheiro deve remunerar”, explica o diretor Carlos Batista da Silveira. Por isso que, neste momento, com o Estado devendo, quem deixou de receber foram os médicos que realizam os atendimentos sob a responsabilidade do Piratini. Alguns cirurgiões, inclusive, suspenderam os trabalhos.

Na hora de decidir quem será pago, também é levado em conta pela direção o valor dos salários. O critério é simples: quem ganha menos, em tese, precisa mais do dinheiro. Por isso que os funcionários continuam recebendo em dia.

Na relação de despesas, a folha de pagamento devora a maior fatia do orçamento. Em torno de 35%. Depois vêm os médicos pessoa jurídica — profissionais que criaram empresas para prestar serviços — com 30%. Em seguida, com 15%, liquidação de empréstimos e de dívidas antigas, anteriores a 2012, em que também está incluído um robusto passivo trabalhista. Já os fornecedores levam, em média, 12% de tudo o que entra, e os prestadores de serviço terceirizados, mais 8%.

Desde que assumiu a direção do Hospital Montenegro, no fim de 2011, Carlos Batista saldou em torno de R$ 6,8 milhões em dívidas antigas. O estoque, que já beirou os R$ 40 milhões, deve chegar a R$ 15 milhões em dezembro. Segundo a contadora Rosângela de Mello Barros, isso somente é possível graças à adesão do HM ao PróSUS, um programa do governo federal que congelou os débitos com a União e, a cada real pago, liquida mais um do passivo. “Fomos o segundo hospital do país a aderir”, lembra Batista.

Se, no campo financeiro, os números são altos, na área do atendimento não são menos impressionantes. Somente na emergência, foram mais 50 mil no ano passado. As internações somaram 5.384 e os partos (normais e por cesárea), 1.132. “É importante observar que o Hospital vem de uma realidade pré-falimentar e hoje funciona plenamente e ainda está pagando as dívidas do passado”, observa o diretor. E tudo isso sem custo direto aos usuários.

Ontem, a Secretaria Estadual da Saúde informou que deve realizar os pagamentos atrasados até o final deste mês. O dinheiro é fundamental para que o HM siga saudável.


– Até agora, o serviço produziu um déficit de R$ 35.402,23, que acaba sendo compensado por outras receitas da instituição;
– em 2017, no ano todo, a diferença entre o que foi arrecadado pelo Hospital junto às prefeituras e as despesas com o atendimento resultou num prejuízo de R$ 781.147,15;

– no ano passado, a Prefeitura de Montenegro pagou R$ 4.282.353,28 e o custo dos serviços oferecidos aos usuários locais alcançou R$ 4.032.983,34. Ou seja, houve um saldo positivo de R$ 249.369,94;

– em contrapartida, pacientes de Barão, São Pedro da Serra, São Sebastião do Caí e Triunfo geraram uma despesa de R$ 314.870,47 e as prefeituras destas cidades não contribuíram com sequer um real para o HM;

– a direção do HM segue negociando com prefeitos.

Ampliação do PA requer novas fontes de custeio
Todos os dias, mais de 130 pessoas são acolhidas no Prontoatendimento do Hospital Montenegro, o famoso plantão 24 horas. O espaço é pequeno, a quantidade de médicos deveria ser maior e muitos pacientes saem de lá reclamando, depois de “envelhecer” por horas e horas nas filas. A solução existe, mas requer investimento e a obtenção de novas fontes de custeio.

De acordo com o diretor Carlos Batista da Silveira, a instituição já tem projeto para a implantação de um novo PA, aproveitando um espaço hoje ocioso. A previsão é de uma área construída com cerca de 480 metros quadrados, com custo estimado em R$ 400 mil. O problema maior, porém, é manter esta estrutura, já que os valores repassados pelas prefeituras são insuficientes até para custear o que já existe. No ano passado, a diferença entre o que foi arrecadado e o custo dos serviços somou R$ 781 mil.

Embora o Hospital seja 100% SUS, o atendimento básico na saúde é uma atribuição das prefeituras, que devem realizá-lo através de suas redes de postos. Como a Administração Municipal de Montenegro não possui condições de garantir estes serviços nas 24h do dia, repassa todos os meses R$ 365 mil ao HM, que empresta suas instalações e equipes para cobrir esta lacuna. Outras nove prefeituras também mantêm convênio com a instituição, mas algumas estão há meses sem pagar e outras depositam valores muito inferiores aos custos que seus munícipes geram.

Segundo Batista, um dos casos mais interessantes é o de Triunfo, que possui uma das maiores arrecadações do Estado. A Prefeitura assinou um convênio para o repasse de R$ 15 mil por mês, mas, desde setembro do ano passado, o HM não vê a cor do dinheiro. Em contrapartida, já foram atendidos 565 triunfenses somente este ano. Situação semelhante é a de São Sebastião do Caí, que nem contrato possui, mas já mandou 310 moradores para o PA do HM.
Na relação custo-benefício, Batista elogia as administrações municipais de Montenegro, Tupandi, Harmonia, Pareci Novo e São José do Sul, que repassam ao HM valores realmente suficientes para custear o atendimento aos seus moradores. “Ampliar os serviços exigiria uma participação maior das prefeituras, a ponto de os repasses realmente cobrirem as despesas”, ressalta o diretor.

Desde segunda-feira, o PA do HM não está mais realizando trocas de receitas, curativos e aplicação de medicação com receita médica já fornecida durante o horário de funcionamento das Unidades Básicas de Saúde (postos) dos municípios da região. É uma forma de reduzir as filas por atendimento, aproveitando os serviços que estão disponíveis na estrutura das prefeituras. Em geral, apenas 20% dos procedimentos realizados são realmente urgências e não podem ser atendidos nos postos.

Média é 3,19 funcionários por leito ativo
O fato de o diretor do Hospital Montenegro ter militância no Partido dos Trabalhadores (PT) muitas vezes levantou críticas sobre a forma como a instituição contrata seus funcionários. Porém, Carlos Batista da Silveira assegura que jamais perguntou a qualquer pessoa qual a sua tendência política antes de fazer uma admissão. E desafia qualquer um a provar o contrário.

Sobre o número de funcionários, que algumas pessoas consideram alto demais, da mesma forma, ele é firme na contestação. Hoje o Hospital Montenegro tem 425 empregados diretos, mais 35 vinculados ao Samu e dez menores aprendizes. “Considerando que são 130 leitos ativos, temos uma média de 3,19 trabalhadores por leito. Número que até deveria ser maior, tendo em vista as patologias tratadas”, ressalta o diretor.

Busca por mais recursos federais é o objetivo
Diante dos atrasos nos pagamentos do Estado, a direção do Hospital Montenegro estabeleceu como objetivo estratégico a redução dessa dependência. A alternativa é ampliar a fatia das verbas oriundas do governo federal. Além da busca de recursos por meio de emendas ao orçamento da União e de programas do Ministério da Saúde, será necessário melhorar a resolutividade dos serviços e elevar o nível de alguns procedimentos, tornando-os mais especializados.

Segundo Batista, trata-se de um esforço mais técnico do que político. “É claro que vamos mobilizar lideranças num movimento suprapartidário, mas antes temos de criar as condições e mostrar que a instituição está apta a prestar serviços ainda melhores do que já oferecemos”, aponta o diretor.

Como conseguiu renegociar seus débitos antigos e hoje recolhe absolutamente todos os impostos e as contribuições que incidem sobre a folha de pagamento, o HM possui todas as certidões que o habilitam a pleitear recursos e a prestar serviços a órgãos públicos. Também está em condições de contrair empréstimos em situações emergenciais, embora este seja, sempre, o último recurso.

 

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