Reconhecidas. No Bicentenário de Anita Garibaldi, mulheres são homenageadas na região
Os Festejos Farroupilhas deste ano têm por objetivo homenagear e comemorar o bicentenário de nascimento de Anita Garibaldi, uma das personalidades femininas mais cultuadas do Sul do Brasil. “Caminhos de Anita” pretende retratar a heroína, conhecida por sua participação e envolvimento direto na Revolução Farroupilha (1835-1845). Além disso, em 2021 a patrona da Semana Farroupilha Estadual pela primeira vez é uma mulher negra. Na região, mulheres cuja luta e paixão pelo movimento tradicionalista é exemplo para todos também estão sendo homenageadas.
Vivenciando a cultura gaúcha desde 1987 e fazendo parte da liderança do movimento desde então, Suzeti Cristina Primaz, de 64 anos, é a homenageada da Semana Farroupilha de Montenegro. A sua história no tradicionalismo teve início há 34 anos. A montenegrina conta que o Grupo Tarca de Arte Nativa ensaiava próximo a sua residência e foi essa aproximação que mudou a história da família. “O meu filho ficava na sacada escutando e sapateando”, diz. Encantando com a dança, o filho mais velho, Luís Eduardo Primaz, foi convidado para integrar a primeira invernada mirim do Grupo Tarca.
Logo após, a filha Débora foi dançar na invernada pré-mirim e, em seguida, o caçula Luís Alberto também se juntou ao grupo. Como resultado, Suzeti e o esposo Lari Luiz Primaz se envolveram na caminhada tradicionalista, participando e organizando vários eventos do grupo no município e região. Entre eles, bailes, seminários, encontros e Carretas do Agasalho.
Engajados na causa, o casal foi referência dentro do grupo Tarca. “Meu marido foi patrão, depois ele foi coordenador da região, e eu fui patroa”, conta Suzeti. Nos anos de 1998 e 1999 ela foi a 1ª Patroa mulher eleita a exercer o cargo no Grupo Tarca de Arte Nativa. “Eu fiquei dois anos como patroa, mas durante todos aqueles anos que a gente esteve no Tarca eu sempre estive na coordenação; era artística, cultural, social, trabalhava na cozinha também”, declara. Além disso, em 2014 e 2015, Suzeti foi patroa do CTG Reminiscências, formado por integrantes do então já extinto Grupo Tarca.
Através de parcerias com entidades, Biblioteca Pública e Museu Histórico, Suzeti ajudou a difundir o tradicionalismo. Atuou como avaliadora em concursos de prendas em CTGs em diversas cidades do Estado, e foi avaliadora em rodeios e cirandas culturais. Em 1996, organizou o 1º Encontro de Prendas e Peões Mirins da 15ª Região Tradicionalista, no Parque Centenário.
Suzeti relembra com orgulho dos eventos e encontros promovidos. “Foram muitos momentos bons, acho que não teve nada especial, porque foi tudo muito bom mesmo, não me arrependo de nada do que passou. Teve vários momentos que a gente foi pra rodeio, que a gurizada chegou a ganhar – as três invernadas – o primeiro lugar, a gurizada ganhava declamação, canto e isso era uma festa. Também o que marcou bastante foi a primeira vez que a invernada adulta se classificou para ir para o Enart, porque era uma gurizada esforçada e a gente um grupo humilde”, diz sobre os momentos vividos no Grupo Tarca.
Lembrada por muitos e homenageada pelo município, Suzeti relata que o reconhecimento foi uma surpresa. “Tudo que a gente fez e faz é por amor, porque gosta daquilo, não esperando um reconhecimento. E quando esse reconhecimento vem é uma alegria muito grande mesmo”, declara.
Para ela, ser homenageada é uma forma de ser referência para muitas outra mulheres dentro do tradicionalismo. “Há muitos anos atrás a mulher não ia no CTG, era coisa só de homens. Então foi evoluindo e hoje a mulher é muito valorizada dentro do movimento, assim como fora. Ainda está faltando um pouco, mas está sendo mais valorizado o trabalho da mulher, no sentido social também”, completa.
Homenageada da 15ª Região Tradicionalista
Alma Koppe Reidel, de Maratá, é a homenageada da 15ª Região Tradicionalista na Semana Farroupilha de 2021. Ela, que já integrou o CTG Encontro da Águas – de Maratá – e também o CTG Peleadores do Sul, relatou ao Jornal Ibiá que já esperava a homenagem. “Eu sou a única mulher que acompanhou os cavaleiros da 15ª RT durante sete anos”, relata.
Para a tradicionalista, ser homenageada no mesmo ano em que o MTG relembra a história de Anita Garibaldi, a Heroína de Dois Mundos, é válido de orgulho. Alma também ressalta a importância de incentivar as mulheres no tradicionalimo e nos grupos de cavalgada.
“Eu fui com mais idade, mas incentivo as meninas e as mulheres que continuem nas cavalgadas, porque é muito importante”. Alma, juntamente com Suzeti, participará do programa Estúdio Ibiá nesta sexta-feira, 17, a partir do meio dia.
Primeira mulher negra é patrona dos Festejos
A declamadora Liliana Cardoso é a patrona da Semana Farroupilha 2021. Natural de Porto Alegre, ela tem 43 anos, é declamadora, radialista, apresentadora, mestre de cerimônias, ativista cultural e vice-presidente do Conselho Estadual de Cultura.
Como declamadora, foi cinco vezes campeã do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (Fegart/Enart) e bi-campeã do Rodeio Internacional de Vacaria. Por três vezes recebeu o prêmio Vitor Mateus Teixeira, e também foi condecorada pela Assembleia Legislativa com a Medalha Mérito Farroupilha, a maior honraria do Estado do RS.
Por 22 anos, Liliana apresentou o Desfile Farroupilha, no dia 20 de setembro, em Porto Alegre, e por muitas vezes se emocionou vendo patronos e patronas. Durante reunião da Comissão dos Festejos Farroupilhas, realizado ainda no mês de maio, ela recordou uma trajetória pessoal e profissional alicerçada no tradicionalismo e em suas raízes ancestrais. “Ser patrona dos Festejos Farroupilhas 2021 é a retaguarda de que nós mulheres, podemos, sim. E que representamos toda a diversidade cultural. Representamos as mulheres do campo, as mulheres da cidade. Representamos as mulheres que na Revolução Farroupilha ficaram no campo enriquecendo este estado para hoje podermos usufruir. Como mulher negra, eu trago a representatividade dos Lanceiros Negros, que foram linha de frente na Revolução e das mulheres negras, que ficaram no campo gerando renda. […] Na próxima reencarnação, se houver, quero voltar mulher negra, declamadora e gaúcha”, declara a patrona.
A história real e a valorização do papel dos seus atores
A Guerra dos Farrapos, também conhecida como Revolução Farroupilha, foi travada durante dez anos (1835-1845), tornando-se a guerra civil mais longa da história do País. De um lado, estava o governo imperial brasileiro. Do outro, a elite gaúcha insatisfeita com os altos impostos cobrados sobre seus produtos.
Na sociedade muito se fala sobre a guerra, porém há pouco tempo particularidades e atores desse momento histórico estão sendo destacados. “Faz pouco tempo que a gente tenta remontar a história […]. Ainda está custando muito, as pessoas muitas vezes ignoram a história que realmente aconteceu, então temos muitos mitos”, explica a pedagoga pós-graduada em Supervisão e Administração Escolar, e supervisora escolar da Escola Municipal Dr. Walter Belian, Elizabete Gonçalves.
Pioneira do movimento negro e referência em questões da negritude, Elizabete cita como exemplo o esquecimento da participação dos Lanceiros Negros na revolução. “Na remontagem já a partir de Paixão Cortes que foi um grande historiador, a gente começa a desvendar alguns mistérios, inclusive da participação desses lanceiros, desses homens negros, que a eles foi creditado que seriam libertados a partir da participação deles nesse movimento. E eles foram traídos literalmente, porque eles ficaram sem as armas, mas mesmo assim lutaram bravamente”, destaca.
Trabalhando de forma lúdica, a supervisora conta que no Walter Belian a história verdadeira está sendo retratada para todas as turmas, desde os menores até os mais velhos. “Quando a gente conversa com as crianças eu coloco os soldados que foram requisitados, soldados brancos, grandes lideranças, e soldados negros que daí nos vamos nos remeter aos Lanceiros Negros”, fala. Segundo ela, quando a participação dos Lanceiros é destacada é possível perceber um brilho no olhar das crianças negras.
Procurando na história, Elisabete também ressalta que é possível encontrar a participação feminina. “Elas eram as mulheres que ficavam nas casas ou nas senzalas, eram as cozinheiras, elas eram as costureiras que costuravam as fardas, as enfermeiras que cuidavam dos doentes. E aí temos alguns destaques de mulheres que lutaram, com a Anita Garibaldi que vai fazer o bicentenário de aniversário”, completa.
De acordo com ela, Anita é um marco. “Ela representa todas essas mulheres que ficaram subordinadas na guerra, em questão de termos. Elas estavam na linha de frente, mas foram esquecidas. Essas mulheres serviram à Pátria gaúcha nesses termos, estavam à frente dessa batalha. Muitas vezes recebiam os seus companheiros já mortos, e elas continuavam lutando bravamente também a favor desse movimento”, diz.
Para a pedagoga, “as mulheres foram a base sólida dessa revolução e são até hoje de todo e qualquer movimento”. Sobre as homenagens a mulheres na Semana Farroupilha em 2021, ela acredita que seja uma valorização da participação feminina em todo e qualquer movimento. “A mulher é a base da nossa sociedade, porque a mulher tem “N” tarefas, ela não tem uma só tarefa, ela é a articuladora do pensamento humano”, concluí.
Anita é inspiração
Desde o dia 8 de março de 2003, um grupo de mulheres leva o nome de Anita Garibaldi como inspiração. O Piquete Herança de Anita, de Triunfo, tem cerca de 30 integrantes mulheres que realizam cavalgadas, ações sociais e participam de diversos eventos na região. Uma das fundadoras e atual coordenadora, Joselaine Lopes, conta que o grupo além de ter a parte cultural, também participa de campanhas solidárias. “Isso era um pouco de Anita, que tinha um coração muito grande”, fala.
Ela relata que com o tempo as integrantes foram aprendendo cada vez mais sobre a importância de Anita como um símbolo de empoderamento feminino para os gaúchos. “(O Bicentenário) Representa um reconhecimento da força da mulher que ao longo desses 200 anos conquistou muitas coisas pela qual a Anita lutava há 200 anos atrás. E a gente vem conquistando no dia a dia o nosso espaço na sociedade”, declara.
Sobre ser liderança feminina no movimento, Josi declara que é recompensador. “A mulher fazendo parte do movimento tradicionalista já é algo que dá empoderamento pra gente. No momento que as mulheres se unem com um objetivo em comum a gente tem um retorno muito bom, e nós temos um grupo muito bom aqui em Triunfo”, completa.
Recentemente, o grupo recebeu comitivas de grupos de Santa Catarina que homenageiam Anita Garibaldi. “Foi ótimo o encontro, maravilhoso. Foi uma troca muito legal”, completa. Para quem deseja saber mais sobre o Piquete basta acessar o Instagram “anitastriunfors”.
Saiba mais sobre Anita Garibaldi
Anita, batizada Ana Maria de Jesus Ribeiro, nasceu nos arredores de Laguna (SC) em 30 de agosto de 1821. Conheceu Giuseppe Garibaldi em 1839, mesmo ano em que o guerreiro chegou a terras lagunenses. Foi ele quem lhe conferiu o apelido.
Juntos, estabeleceram uma vida de parceria no amor, na família e na guerra, incluindo a Revolução Farroupilha. Grávida do seu quinto filho, ela adoeceu e morreu na Itália, em agosto de 1849. Sepultada sete vezes, seus restos mortais estão, atualmente, em um monumento da Colina do Gianícolo, em Roma, e o país a considera como Mãe da Pátria Italiana. No Brasil, Anita está inscrita no Livro dos Heróis da Pátria, no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília.
Por meio do Decreto 55.756, de 9 de fevereiro de 2021, o governador Eduardo Leite instituiu no Rio Grande do Sul o Ano do Bicentenário de Nascimento de Anita Garibaldi, a heroína de dois mundos. As atividades em comemoração seguem até o final do ano.