As angústias e alegrias vividas numa UTI Neonatal

Dar à luz um filho é o sonho de muitas mulheres. Nenhuma delas espera que ele passe os primeiros dias de vida em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal. Mas esse costuma ser o destino de pelo menos 12,4% dos bebês que nascem no Brasil. São prematuros, ou seja, nasceram antes de completadas as 37 semanas de gestação, segundo dados do Ministério da Saúde de 2016. A prematuridade é a causa de internação de 80% das crianças que passam pelas UTIs Neonatais do Brasil.

Benício é uma das crianças atualmente na UTI Neonatal em Montenegro. Ele nasceu em 15 de janeiro, pesando apenas um quilo e 430g

O bebê prematuro não é uma criança necessariamente com problemas de saúde, mas alguém que veio ao mundo antes de estar pronto para deixar o ventre materno e precisa amadurecer. Os índices de prematuridade podem ter ligações com deficiências de acompanhamento pré-natal, mas não necessariamente, conforme apontou pesquisa divulgada em 2013, liderada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e apoiada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O estudo apontou que as regiões mais desenvolvidas do Brasil – Sul e Sudeste – têm maior ocorrência de prematuros.

O nível de prematuridade brasileiro é alto, se comparado com outros países. O estudo não traz uma causa específica, mas cita questões como o número de cesarianas, que também é elevado no Brasil. A prematuridade também está vinculada à idade materna. Há maior chance de ocorrer quando a mãe tem menos de 15 anos. Além disso, o estudo indica questões étnicas. Mulheres indígenas apresentaram o maior percentual de partos prematuros.

Fernanda Pölking e Augusta Harff, neonatologistas que atuam na UTI Neonatal do Hospital Unimed Vale do Caí

Apesar de não ser o ideal, nascer “antes da hora” já pode ser encarado com tranquilidade. As neonatologistas que atuam na UTI Neonatal do Hospital Unimed Vale do Caí Augusta Harff e Fernanda Pölking explicam que não é possível afirmar exatamente a partir de quantas semanas gestacionais o bebê que vem ao mundo irá sobreviver. Isso tem variáveis. Normalmente, os que nascem após a 24ª semana de gravidez, com a partir de 400 gramas, têm chance de sobreviver e recebem todo o investimento de UTI. No caso de um feto retirado antes da 20ª semana é considerado aborto. E esse período entre a 20ª e a 24ª semanas é muito variável. “Claro que existem casos de bebês muito pequenos, com menos de 400 gramas, que sobrevivem, mas é muito difícil”, diz Fernanda Pölking.

Conforme o Ministério da Saúde, a taxa de sobrevivência dos bebês com menos de 1,5Kg é de 80%. Já aqueles com menos de 1kg, o índice é de 50%. Dados da Rede Gaúcha de Neonatologia de 2009 indicam que 89% dos bebês nascidos com peso entre 1.250g e 1.500g sobrevivem. E 19% dos que nascem entre 500g e 749g conseguem superar a prematuridade.

A sobrevida dos prematuros vem crescendo com a evolução da Medicina. Há equipamentos mais modernos, como incubadoras que conseguem simular as condições intra-útero, por exemplo. Além disso, as unidades de tratamento são humanizadas, permitindo aos pais acompanhar em tempo integral o desenvolvimento do bebê. “Isso diminui a angústia da separação e possibilita o vínculo desde cedo”, relata Augusta Harff.

Essa é uma especialidade médica ainda com espaço para muitas pesquisas. O desafio não é apenas dar sobrevida à criança. É preciso lhe oferecer o melhor em cuidados, evitando ou minimizando sequelas. O prematuro tem um maior risco de sofrer doenças, sobretudo complicações neurológicas. “Em alguns casos os retardos são mais aparentes. Em outros, detalhes são percebidos apenas na escola”, explica Augusta Harff. Em determiandas situações, o neonatologista apoia o obstetra na decisão de fazer o parto ou aguardar. “O ambiente na barriga da mãe em alguns casos já não é bom, é arriscado ao bebê. Tem de decidir entre tirar ou manter”, relata Fernanda.

A UTI Neonatal do Hospital Unimed acaba de completar um ano de reinauguração. Nesse período, passaram pelos sete leitos 84 crianças, numa média de sete internações mensais, de duração variada. São bebês de Montenegro e cidades relativamente próximas, como Igrejinha, Taquari, Triunfo, São Leopoldo ou Novo Hamburgo. Ou vêm de longe, como Santana do Livramento e Encruzilhada do Sul.

Para atender a todos, a UTI precisa de uma grande equipe, composta por 14 neonatologistas, quatro enfermeiras e 12 técnicas de enfermagem, além do grupo de folguistas.

Vitórias grama por grama
O prematuro não fica no ambiente hospitalar apenas para ganhar peso. Ele precisa amadurecer todos os seus sistemas — respiratório, intestinal, neurológico e cardíaco. Na UTI Neonatal, ele terá monitoramento contínuo e cuidados a fim de evitar complicações em cada um desses sistemas. Casos de infecções também são comuns e lá são tratados. Na incubadora o bebê tem sua temperatura e umidade controladas, economizando energia e facilitando sua melhora. O ganho de peso é consequência e definitivo para alta. Para ir para casa, o bebê deve ter um mínimo dois quilos, além de respirar de forma independente e conseguir se alimentar bem, seja no peito da mãe, seja na mamadeira.

A ida para casa é o momento mais esperado, após a angústia dos dias de internação. Como a mãe teve alta hospitalar e o bebê precisou ficar, a família permanece por grande parte do dia UTI Neonatal.

Na unidade do Hospital Unimed Vale do Caí, mãe e pai têm livre acesso e os avós horário de visita. O vínculo afetivo é sempre estimulado. “Assim que o bebê tem condições clínicas, estimulamos o toque, o colo e prescrevemos o ‘canguru’, quando a mãe ou o pai ficam com o bebê no colo, com contato pele a pele”, explica Augusta. “No início há um receio. Os pais temem até chegar perto, com medo de machucar. Eles ainda são muito pequenos. Mas aos poucos eles vão se aproximando”, complementa Fernanda.

A despedida é, também para a equipe, um momento de emoção. Em alguns casos, são semanas ou até meses de convívio, superando momentos difíceis em que se têm dúvidas da sobrevivência da criança. “A despedida é o melhor momento”, resume Augusta. Todos os que acompanham o bebê e sua família, festejam aquele instante em que, enfim, eles terão a rotina esperada, em casa e com os familiares.

Laiale Vaz Jundi e Pablo da Costa Afonso com Davi, que logo deve ir para casa, para alegria dos pais e dos demais familiares, que são de Rio Grande, no Sul do Estado

De Rio Grande a Montenegro
Davi Jundi Afonso é um dos bebês atualmente na UTI Neonatal do Hospital Unimed Vale do Caí. Ele nasceu em Rio Grande no dia 27 de dezembro, na 33ª semana de gestação. Após uma cesariana de emergência devido a sofrimento fetal e, sem leito de UTI Neonatal disponível na região, o bebê veio de avião até Porto Alegre e de ambulância seguiu para Montenegro.

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Os pais, Laiale Vaz Jundi e Pablo da Costa Afonso, mudaram-se para a cidade, alugando uma casa e se estabelecendo por aqui até que Davi esteja bem o bastante para retornar à terra natal, no final de fevereiro. O início foi muito difícil, Pablo acompanhou o filho, enquanto Laiale chegou à cidade apenas uma semana depois, quando foi liberada pela equipe médica em Rio Grande para viajar. “É muito complicado. Só com apoio da família e da equipe mesmo. Saber que ele é bem cuidado conta muito”, aponta Laiale.

Davi nasceu com dois quilos 500 gramas, mas ao chegar em Montenegro pesava apenas dois quilos 395 gramas. Agora está se recuperando e quase pronto para ir para casa. “Ganhou 30 gramas em um dia”, festeja o pai. Já bem habituados à rotina na UTI, ambos pegam o filho, dão colo, ajudam no banho, o vestem e mimam com o máximo de naturalidade que o ambiente hospitalar permite.

Eles sabem que terão desafios. Apesar de bem clinicamente, Davi precisará de um acompanhamento pediátrico diferenciado. Ele tem sequelas neurológicas e está fazendo exames para verificar questões metabólicas. Aos pais, tudo o que importa agora é a certeza de poderem levá-lo para casa. Eles perderam filhas gêmeas durante a primeira gestação e agora, apesar das dificuldades, valorizam o fato de verem Davi se desenvolver, ainda que lentamente. Não era numa UTI que planejavam conhecer seu filho, mas isso não os impede de aproveitar o momento da melhor maneira. “Curtir ele, ver a evolução. É tudo uma vitória”, diz Pablo.

Na lembrança guardada no álbum de fotografias, o registro do bebê Leopoldo, hoje adolescente, que nasceu pesando somente um quilo 930 gramas, pouco antes da mãe entrar no sétimo mês de gestação

“Saía do hospital chorando”
O dia 6 de janeiro ficou marcado na vida de Alma Dahlem. Nem poderia ser diferente. Nessa data, há 12 anos, nascia seu segundo filho. Mas a emoção foi ainda maior porque ele era esperado apenas para maio, ou seja, ela ainda estava no sexto mês de gestação. Leopoldo Dahlem Bohn passaria 14 dias na UTI Neonatal do Hospital da Ulbra, em Porto Alegre. Um período difícil. “Como mãe, você se preocupa. Mas confia que vai dar tudo certo”, diz Alma. De certa forma, o nascimento de Leopoldo, mesmo que prematuro, foi encarado com muita tranquilidade.

Na incubadora da UTI Neonatal Leopoldo segurava o indicador da mãe. O
gesto seria repetido por vários anos e ainda hoje ajuda a aproximar mãe e filho

É que o primogênito, Rodolfo Dahlem Melo, também nascera antes da hora, de forma emergencial, por conta de um descolamento de placenta. Em Santa Maria, em 1992, Alma ouviu do médico que não seria possível salvar os dois. “Falou em escolha. Não tive dúvida: é o bebê. Por Deus e pela perícia do médico, nós dois sobrevivemos”, recorda ela. Apesar do susto, Rodolfo não precisou ficar no hospital. Já no caso de Leopoldo, eles souberam antes da necessidade da cesariana naquele período gestacional, e dos riscos que isso gerava. “Claro que a apreensão existe. Mas foi mais tranquilo”, conta Alma.

Difíceis foram os dias que se seguiram. Ela teve alta hospitalar. E ir para casa deixando o filho foi uma sensação difícil de explicar e impossível de esquecer. “Não tem sofrimento igual. Eu saía hospital chorando por deixar meu filho lá. Eu ouvia o choro dele. Estava em casa, com os pontos do pós-parto, e dizia ‘eu tenho de ir ver o Leopoldo’, eu sabia que ele estava chorando”, conta. Mas os momentos em casa eram raros. Ela ficava ao seu lado o tempo todo, acompanhado sua evolução e vendo os procedimentos.

Leopoldo teve de superar dois difíceis episódios, quando sofreu de complicações no pulmão e amarelão. Ele nasceu com um quilo 930 gramas, mas chegou a pesar um quilo e 500 gramas. A mãe assistiu a isso sem muito poder fazer, sem nem mesmo pegar o filho no colo. Até que ele começou a apresentar melhora. “Um dia cheguei na UTI e me disseram, felizes, que ele tinha estado muito bem e ganho duas gramas. Estávamos festejando essas duas gramas”, recorda, emocionada. Um pouquinho de cada vez, ele foi evoluindo. Ela passou a poder pegá-lo no colo e, enfim, chegou o dia de ir para casa. Foi como nascer novamente. Voltaram 10 dias depois, para fazer uma festa com a equipe médica. Comemoravam como um aniversário.

Com muitos cuidados, a família assistiu, mês a mês, Leopoldo se recuperar do início difícil. Quando completou um ano, ele tinha peso e tamanho idênticos ao de crianças nascidas de nove meses. E não ficou com nenhuma sequela. Muito estimulado e criado dentro de um ambiente saudável, ele teve uma infância normal, indo para a creche aos quatro meses. Tristezas do período ficam. Não foi Alma, por exemplo, quem lhe deu o primeiro banho. Mas olhar para ele hoje, bem, apaga essas marcas. Ele escuta a mãe falar e tenta entender o quanto aquilo foi forte. Por anos, inconscientemente, ele repetiu o gesto feito na incubadora e segurou o dedo indicador da mãe com toda a mão. Lembranças, de alguma forma, nele também ficaram.

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