NA DISPUTA pelos contratos, concorrentes ameaçam até a segurança na zona rural
Imagine um grupo de crianças e adolescentes a bordo de um ônibus, indo para a escola por uma estrada pouco habitada no interior do Município. De repente, o coletivo passa a ser seguido por um carro de cor cinza, cujos tripulantes filmam e fotografam a condução. Em seguida, o veículo ultrapassa, mas continua seguindo à frente do ônibus, em baixa velocidade, por mais alguns metros, até que desaparece. Dá medo!
Pois foi essa a sensação que experimentaram alguns alunos na semana passada, quando eram conduzidos para a aula, na localidade de Santos Reis. No interior do coletivo, a expectativa era a de que, a qualquer momento, pudesse ocorrer uma abordagem violenta. Passado o susto e com o episódio relatado em casa, foram os pais que ficaram apavorados. Num tempo em que o noticiário está cheio de crimes contra a infância e a juventude, por que alguém estaria fotografando e filmando seus filhos?
O fato ganhou espaço nos grupos de WhatsApp das comunidades rurais, mas logo se descobriu que não se tratava de uma ação criminosa e que os responsáveis pela perseguição não são pedófilos ou sequestradores. Na verdade, este é apenas mais um capítulo de uma verdadeira guerra que vem sendo travada nos bastidores pelas empresas que buscam a hegemonia no transporte escolar público, pago pela Prefeitura.
A revolta das famílias é grande. No grupo “SOS interior” do aplicativo WhatsApp, há várias manifestações de pais. “Minha filha chegou em casa assustada, com medo”, relatou uma mãe. “É preciso saber se ele tava realmente só filmando o ônibus ou se tinha interesse em alguma criança, porque realmente bateu o pavor”, disse um pai. “Aí vocês imaginam, um ônibus cheio de crianças, tendo de parar para ligar para a Brigada. Pensem no pavor dessas crianças”, declarou outro.
As reclamações chegaram até a vereadora Josi Paz (PSB), que entrou em contato com a Prefeitura e descobriu que não se tratava de uma ação do Município. O receio das comunidades aumentou ainda mais, mas como o motorista de um dos ônibus que foi seguido conseguiu anotar a placa do carro cinza, foi possível identificar de quem se trata. O veículo está registrado em nome de Mix Service – Comércio e Serviços e Cia Ltda, uma das empresas que havia participado da concorrência para a prestação do serviço e, inclusive, possui algumas linhas.
“Eu estava apenas fiscalizando o trabalho”
O empresário Altair Flores Reinaldo, da Mix Service, é dono de um Fox cinza e admite que fez imagens dos veículos de transporte escolar das empresas que, assim como a dele, prestam serviços ao Município. Entretanto, nega que tenha havido qualquer tipo de perseguição. “Isso é neurose das pessoas depois que aconteceu aquela chacina em Suzano”, minimiza. “O que eu fiz foi estacionar o meu carro em pontos estratégicos, por onde os ônibus passam, para conferir as placas”, garante, acrescentando que estava apenas fiscalizando. A ação ocorreu em todas linhas e comunidades e não apenas na região de Santos Reis.
Embora haja um interesse comercial nessa atitude, já que a Mix Service disputou e perdeu alguns dos itinerários que hoje são de responsabilidade de outras duas empresas, Altair assegura que a maior preocupação é com a segurança dos estudantes. Ele diz ter provas de fraudes no licenciamento de pelo menos um terço dos ônibus e microônibus empregados no serviço, que serão levadas ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado.
Segundo moradores do interior, também um carro vermelho teria seguido e filmado os ônibus, o que levantou suspeitas sobre o vereador Valdeci Alves de Castro, do PSB. Dono de um Fiat Siena vermelho, contra ele, existe uma ocorrência policial registrada por um transportador nesta quinta-feira. O autor alega que já flagrou o parlamentar perseguindo e filmando os veículos da empresa em que atua, provocando constrangimentos aos usuários. Na noite do dia 27 de março, Valdeci também teria fotografado um dos ônibus durante uma festa particular da qual o comunicante participava. Ele acredita que a motivação seja política, pois ouviu do próprio vereador que ele tem interesse em anular a licitação.
Ontem, Valdeci admitiu que fez as fotos na noite do dia 27, mas conta uma história bem diferente. O edil declara que recebeu a informação de que o ônibus que deveria levar alunos do interior até o AJ Renner havia sido substituído, naquele dia, por uma Sprinter, que carrega até 18 pessoas, e um carro de passeio.
“Eu fui até lá e vi que realmente eles não estavam usando o ônibus. Operavam com veículos menores, que não possuem licença. Por isso, tirei as fotos”, justifica. Valdeci diz que fez denúncias contra as três empresas que prestam serviços no segmento porque, na condição de vereador, tem a obrigação de fiscalizar este trabalho. Por outro lado, assegura que nunca perseguiu ou fotografou coletivos em movimento. “Se tinha alguém num carro vermelho fazendo isso, não era eu”, garante.
Nova licitação deve sair nos próximos dias
A secretária municipal de Educação e Cultura, Rita Carneiro Fleck, admite que a situação é preocupante. O departamento tomou conhecimento das “perseguições” aos ônibus do transporte escolar e pediu orientações à Procuradoria Geral do Município sobre a melhor forma de agir. Não estão descartados, por exemplo, registro de boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia ou denúncia ao Conselho Tutelar, já que a segurança dos alunos correu perigo. Rita, inclusive, recomenda que os pais façam o mesmo.
A equipe da Smec constata que existem muitos interesses em jogo, já que a concorrência para os contratos em vigor ampliou o número de empresas em condições de participar. Transportadoras que antes “dominavam” o cenário perderam espaço, o que estaria provocando reações diversas. “Os próprios contratos possuem meios de punir infrações e estamos fazendo isso, apurando as denúncias e responsabilizando os transportadores. Não se pode admitir que as crianças corram perigo”, ressalta Rita.
Os contratos em vigor, no momento, são de caráter emergencial e devem ser rescindidos em breve. A secretaria municipal de Educação e Cultura (Smec) prepara, para os próprios dias, o lançamento do novo edital de licitação para a prestação dos serviços até o fim do ano. Como novidade, ele deve restaurar o uso de vans. Atualmente, somente veículos com mais de 25 acentos atuam no transporte de 1.500 estudantes.
Por que tanta confusão?
A “guerra” entre as empresas que atuam no transporte escolar de Montenegro foi desencadeada pela própria Prefeitura, quando decidiu que, este ano, só seriam empregados veículos com capacidade para 25 passageiros ou mais. Assim, a maioria dos transportadores teve problemas para participar, porque operava com kombis e vans. E aqueles que venceram a disputa colocaram para rodar veículos que não atendiam integralmente as exigências do edital.
Já nos primeiros dias, alguns dos coletivos apresentaram problemas mecânicos e outros, por conta do tamanho e da má conservação das estradas, atolaram. As empresas já foram multadas e quem conseguiu regularizar sua situação passou a denunciar as demais, com o objetivo de tirá-las do trabalho e, quem sabe, substituí-las em suas rotas e itinerários. Uma nova licitação deve ser lançada nos próximos dias.